Os Gritos Silenciados da Pandemia

“Um em cada cinco [estudantes] pensaram, pelo menos uma vez, durante o período da pandemia, em suicidar-se.” 81% dos estudantes pensaram pelo menos uma vez que nada tinham a esperar do futuro. Nos meses de verão de 2020, o número de suicídios entre estudantes foi notavelmente superior aos anteriores. Num inquérito realizado por alunos da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e respondido por mais de três centenas de alunos do ensino superior, 76% dos que negaram ter ansiedade clinicamente diagnosticada, admitiram sentir, frequentemente, níveis elevados de ansiedade fora de épocas de avaliação.
Estas estatísticas, estes números, representam gritos de todos os que precisam de ajuda.
Nas notícias, nas redes sociais, em todo lado “vemos” o grito de alguém, de um estudante que já pensou na opção de pôr fim à sua vida. Um grito em cada cinco vozes, segundo o estudo da Associação Académica de Coimbra sobre a saúde mental e o impacto da pandemia. As vozes soaram em diversas plataformas e, mesmo assim, o grito foi calado pouco depois. A pessoa que gritava viu uma vez mais o seu pedido de ajuda ignorado.
Saúde mental é sempre um tópico difícil de falar e discutir, pois uns não a sentem e nem sempre o tentam perceber, ou então porque é tabu, porque é difícil ouvir alguém, porque todos têm os seus problemas, não é verdade? Pois, por vezes, o grito por ajuda não é ouvido por ninguém e, a cada 40 segundos, alguém no mundo põe, de facto, fim à sua própria vida por não conseguir gritar mais.
Stress e tristeza afetam o dia a dia de qualquer um, mas é o dobro do trabalho quando se é estudante e se tem uma doença mental. Não se pode deixar uma cadeira por fazer ou um trabalho por entregar. Não ter força para sair da cama, mas há uma aula no computador à espera e, faltando, há consequências. São noites sem dormir e, por vezes, dias sem conseguir comer uma refeição. Mas, das pessoas que passam por isto, é esperado o mesmo que de qualquer outro indivíduo.
“Estamos todos no mesmo barco”, dizem. Desenganem-se. Um estudante com uma depressão tem de se levantar e passar cinco horas da manhã a ver aulas no computador, e outras cinco a estudar para a frequência seguinte, quando não sente réstia de esperança quanto ao dia de amanhã, quando tudo o que lhe trazia prazer na vida parece ter perdido qualquer emoção. Estes estudantes, em vez de sentirem tristeza e felicidade, sentem desespero e pânico na maior parte dos seus dias, quando não conseguem sair fisicamente de casa para fazerem um exame e não conseguem explicar isto aos que se encontram à sua volta, pois sair de casa é uma coisa simples e “provavelmente não estudou e está a arranjar desculpas”. A ansiedade é um instinto animal, que serve para nos proteger. Quando um carro vem na nossa direção, fugimos. Mas e quando esse instinto de pânico e medo extremo ataca quando temos de sair de casa? Ou quando temos de estudar, mas o medo de não conseguir corresponder às nossas próprias expectativas, toma conta de nós? Quando tudo o que conhecemos é medo, olhamos para o mundo com duas mãos à frente dos olhos, não nos permitindo viver o quotidiano.
A ansiedade e depressão são as duas doenças mentais mais comuns. Com a pandemia, veio a falta de convivência com amigos e família, a falta de motivação, ter de passar os dias na mesma divisão. Com as desigualdades sociais mais acentuadas do que nunca, os sintomas depressivos e de ansiedade são amplificados, como foi comprovado pelos inúmeros estudos. No entanto, onde está o tempo de antena destas doenças? Que faculdades andam a agir perante os resultados destes estudos e a compreender realmente o que “um quinto” significa. Façamos um exercício: se um em cada cinco estudantes universitários estivesse contaminado com a COVID-19, seria notícia de todos os jornais, certo? Agora imaginem uma em cada cinco pessoas do grupo de risco para COVID-19, ter COVID-19, ainda pior, não é verdade? Porque não há esta mesma mentalidade e atitude quando é afirmado que um em cada cinco estudantes pensou, pelo menos uma vez, no suicídio nos últimos tempos?
Mais do que nunca, é preciso ter em conta quem temos à nossa volta, é preciso levar a sério o comentário “tenho andado triste”, é preciso não arranjar desculpas para quando temos de ajudar o outro. Todos temos os nossos problemas, mas e se uma conversa - ouvir o grito do outro, for suficiente para que o mesmo não seja mais um número no lado negro das estatísticas? Acredito que medicina seja um curso de Humanidade, mais do que de ciências exatas, pois estamos aqui para tratar do outro. Então, que não nos esqueçamos do outro, quando esse é um amigo, colega, familiar, aluno que precisa de nós, mesmo que não o diga tão diretamente. Alguém que precisa de uma palavra amiga e de um pouco mais de motivação para continuar na luta. Queremos mudar o mundo de alguma forma? Então comecemos por quem nos rodeia, lembrando-nos de quem já pediu ajuda e de quem ainda não pediu. Ser estudante torna ter uma doença mental mais difícil, ter uma doença mental torna ser estudante mais difícil. 
Pedir ajuda é difícil, ainda mais quando não se sabe como o fazer e quando se fala pouco de como o fazer. Um primeiro passo... Na Universidade de Coimbra (UC), existem consultas de Psicologia Clínica, a consulta do jovem universitário, que disponibiliza, em parceria com o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), consultas de Psiquiatria gratuitas a estudantes da UC (mediante referenciação), e a linha de suporte emocional "UCare", que se dedica a dificuldades decorrentes da situação pandémica e medidas de isolamento (ucare@uc.pt). Há ainda linhas de apoio como o SOS Voz Amiga das 16h às 24h, através dos contactos 213 544 545 / 912 802 6699 ou o Serviço de Aconselhamento Psicológico SNS 24, aberta 24h por dia e gratuita, através do contacto 808 24 24 24.
Pedir ajuda não é fácil, por isso, vamos ouvir quando alguém o faz e não silenciar mais gritos.



Filipa Silva, 1º ano

1 Comentários
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Obrigado, Filipa, pela excelente Mensagem. Conduzo a equipa que presta um precioso apoio à comunidade estudantil nesta e noutras áreas médicas, nos Serviços de Saúde da UC e que muitas vezes sente não ser do conhecimento dos potenciais utentes.
Mensagens como esta ajudarão, estou certo, pelo menos alguns a procurar ajuda. Cá estaremos para o que for necessário. Procurem-nos em https://www.uc.pt/sasuc/Saude-e-Seguranca-no-Trabalho. Bem haja!

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