Crónicas

                                         Heróis do Quotidiano

        Andamos pelas ruas, pelos passeios, dentro de carros, olhamos pelas janelas, cruzamo-nos com eles, mas não os vemos. Nunca os vemos. Nunca sabemos. Se olhamos, não notamos. Talvez não nos interessem, talvez nos sejam invisíveis.
São eles, são os heróis que nos guiam, que nos salvam, que nos inspiram. Inspiram-nos a ser o nosso melhor. Ensinam-nos a inspirar, a mostrar que o podemos ser, que podemos fazer melhor, que podemos ser os nossos próprios heróis.
Um herói não tem de ser aquele homem gigante de capa ao vento, com collants demasiado apertados e roupa interior vestida por cima da restante. Heróis! Uma palavra tão estranha para os nossos ouvidos, mas tão familiar. Eles existem, andam por aí. Andam por aí, mas não os vemos. Não nos interessam.
Temos os olhos virados para nós mesmos, alheios de tudo o que não o nosso umbigo. Não temos noção do que nos rodeia, dos heróis que temos à nossa volta. Heróis como aquela mãe que nos acorda, nos faz o pequeno-almoço e nos leva à escola, mesmo tendo aquela dor de cabeça que parece nunca passar. Heróis como um pai que nunca para em casa, que se mata a trabalhar para pôr comida na mesa e, especialmente, para pagar aquelas sapatilhas fixes que todos os famosos usam hoje em dia e que todos os filhos querem.
Estes são os heróis. Heróis que não vemos, que nos seguem e que nós seguimos. Estão sempre lá, mesmo passando despercebidos. E nós? Será que estamos?
Existem mais, claro. Não são apenas estes. Também outros o são. Também outros merecem uma capa. Heróis como um tio, cuja paixão eram os aviões, cuja paixão era voar, mas que nunca pode realmente abrir asas. Não passava de um rapaz. Um rapaz a seguir um sonho que nunca chegaria. Ficou cego. Sim, cego. Tudo por causa de uma brincadeira e uma granada supostamente desativada. Um azar que lhe tirou a visão e a vida como a conhecia. Também o seu futuro lhe fora roubado. Estava tão perto e não chegou lá. Herói? Parece mais alguém sem sorte. Mas sim, trata-se realmente de um herói, de alguém cuja esmagadora força de vontade prevaleceu sobre os obstáculos.
São heróis como este que nos fazem pensar, aproveitar a vida, querer ser como eles: fortes, perseverantes, felizes. Enfim, heróis. Pessoas que apesar de terem perdido o seu sonho, a sua razão de viver, encontraram uma nova. Continuaram, formaram-se em Direito, escreveram, fizeram pelos outros, fundaram e presidiram a ACAPO e, acima de tudo, foram felizes. Conhecem algo mais irónico do que um cego numa biblioteca? Bem, este cego criou o Serviço de Leitura Especial para Deficientes Visuais, na Biblioteca Municipal de Coimbra, onde trabalhou até ao fim da sua vida. Não ficou por aí, passou por muitos cargos, desde diretor das revistas “Luís Braille” e “Jardim da Sereia” a pai. Sim, pai. Para mim não pode deixar de ser um herói. Nunca viu a sua mulher, nem ela o viu a ele. Nunca viu os seus filhos, mas criou-os e, à sua maneira, viu-os crescer. Foi alguém que não se deixou levar pela corrente, que escolheu o seu rumo passando por cima dos obstáculos, por maiores que fossem e mesmo não os vendo. Alguém com uma força sobre-humana, força essa que a maior parte de nós apenas ousa aspirar a ter.
Como ele há mais. Provavelmente não os vemos, mas em cada um de nós, há um herói. Podemos não o encontrar. Podemos pensar que não está lá. Ou talvez apenas precisemos de olhar com mais atenção.
Se calhar aquela pessoa que nos serve o pequeno almoço no café, aquele taxista que nos deu boleia depois de uma noite na Praça ou a senhora simpática do minimercado do fim da rua também são heróis. Não há forma de saber, não os conhecemos. Talvez nós próprios o sejamos. Não para nós, claro, para outros.
Um herói não tem de mudar o mundo inteiro. Se mudar uma pessoa, já o tornou num lugar melhor para todos. Pouco bem se faz em grandes quantidades. Um resultado qb pode mudar vidas.

Josefa Guerra, 3º ano








Epopeia dos Tempos Modernos

Saio à rua. O sol incide-me na face com a crueza imposta pelas primeiras horas da tarde e a pele da fronte retesa-se com a estranheza desta interação já tão fora do habitual. Ergo a mão esquerda, que me desafoga a vista, e estaco por uns segundos a saborear o fluxo luminoso que se esgueira por entre os dedos e que me acaricia as falanges com o deleite próprio dos amantes reencontrados. Na mão direita carrego o saco do lixo: despojos de uma vida feita de retalhos vagamente unidos pela cadência rotineira dos dias sempre iguais. Abro as hostilidades com o primeiro passo e prossigo a caminhar com a falsa valentia que me encrava o receio na glote. A rua está desolada. A luz tórrida remete tudo à minha volta ao silêncio e nem o rumorejar fino das folhas se atreve a soar. Os meus passos, ressoando no solo granuloso da berma da estrada, perturbam todo este cenário e infundem em mim a desconcertante impressão de estar a pisar solo inimigo – um inimigo invisível que exatamente por isso em todo o lado se vê. Avisto ao fundo o contentor e os meus passos ato contínuo se apressam, rumando no seu encalce e eu seguindo por arrasto. Os muros somem-se vertiginosos a meu lado, os limites das casas esfumam-se, o espaço acerca-se e a visão afunila tendo em vista só e apenas aquele deslocado objeto de cor verde suja. Detenho-me um instante e aprecio as suas feições disformes, as rodas em desalinho carcomidas de ferrugem, a postura derreada de mendigo sem esperança e a aba da tampa com a habitual gosma sarrenta conspurcada pelas mãos do mundo – tampa essa que se afigura hoje mais corrompida ainda e que num repente se vê assolada por mais manchas pestilentas e repulsivas, brotando em toda a superfície, assomando da minha mente para se estenderem por toda a parte – a mente quando se esforça verga o real ao seu intento, mais ainda se é sequestra do medo.
Abro a tampa com a mão esquerda, uma névoa putrefacta emprenha-me as narinas, o saco ergue-se a custo da mão direita e este desenha um arco por sobre a minha cabeça caindo desamparado sobre os seus semelhantes, desprovido de charme e graça, posando desleixadamente sobre a massa sobrante de outras casas. Deixo cair a tampa com estrépito. Contemplo uma vez mais este objeto deselegante e tosco e sinto- me inundado por uma profunda empatia: depositário de memórias – retalhos de jantares passados em família, a nabiça e a cenoura empregues na sopa de carinho maternal, a cebola do refugado inundando a casa de aroma a aconchego e calma, o morango desfolhado, a batata descascada, a laranja posta a nu, um sorriso, uma garfada que nos transporta para a nostalgia de uma infância perdida no tempo e que é de novo resgatada – tudo isto amalgamado agora num entulho amorfo que apelidamos de lixo, sobras, despojos, um sobejo, nada: pacientemente aguardam a chegada do homem do lixo, ou recolector de memórias, que as irá encaminhar ao seu eterno descanso. Um ardor na mão esquerda arrebata-me de rompante para fora dos meus pensamentos. Dou meia volta e prossigo no mesmo caminho, por passos diferentes retomando a casa.
As pernas bambeiam-me, caminho à banda pelo peso da mão devassada que agora sinto em fogo: fagulhas chispando da ponta dos dedos, contraturas e pruridos irrompendo da carne, nevralgias faiscando e todo o tipo de cáusticos e emplastros corrosivos que agora levo comigo e que vão presos à mão esquerda. Surge-me um desconforto no sobrolho direito (Não coces), já estou quase a chegar à porta e sinto o coração a bater na boca, novamente o sobrolho (Não coces). Pego na chave com a mão direita (Toquei na tampa com a mão esquerda?), introduzo-a na fechadura e dou uma volta, alegrando-me com o retinir concordante das engrenagens que me concedem a entrada. Escuso as habituais saudações e vou direto ao quarto de banho.
Abro a torneira com a mão direita (Sim, foi com a mão esquerda que lhe toquei), mergulho mãos ambas no fluxo retemperador da água canalizada, com a mão direita arranco uma porção de sabão ao doseador e inicio a dança concertada dos dedos. As mãos enlaçam-se uma na outra e entrançam-se numa orgia de espuma, o aroma perfumado de orquídeas embebeda-me os sentidos, requebra-me o olhar e o peito vai, pouco a pouco, deixando escapar o ar que havia feito refém, suspirando de alívio e de prazer. Abandono a divisão com os humores novamente em equilíbrio, sentindo-me pleno e em sintonia com estas paredes intocadas e o afago asséptico do ar que respiro. Dirijo-me à sala e deito-me no sofá. Sinto-me em paz e deixo-me embalar pelo banho reconfortante dos estofos higienizados. Fecho os olhos finalmente rendido à segurança do lar, e deixo desfiar a epopeia dos sonhos que agora acontece na parte de dentro das minhas pálpebras.

Samuel Tavares




Tecnologia em Tempos de Pandemia



Percorremos mundos pelos ecrãs dos nossos telemóveis, dos nossos computadores. Entramos em casa dos nossos amigos sem precisar de pedir permissão, ouvimos o som das televisões uns dos outros; aprendemos aquilo que deveria ser ensinado num auditório com os lugares cheios, através dos nossos ecrãs. Ouvimos histórias, contamos histórias. Estudamos, aprendemos, continuamos. Percorremos quilómetros sem sair do mesmo sítio e mantemo-nos informados. É importante que nos mantenhamos informados apenas durante o tempo necessário, é importante desligar e desconectar sempre que possível, sempre que necessário, mas é também importante agradecer tudo aquilo que a tecnologia nos proporciona nesta altura de tantas dificuldades. Milhares de pessoas estão em teletrabalho e continuam com motivação diária para cumprir com as suas tarefas. Os alunos podem continuar a aprender, os professores podem continuar a ensinar, o grupo de amigos pode continuar a cantar os parabéns, porque mesmo que estejamos espalhados pelo mundo, ali, naquele pequeno instante, estamos onde deveríamos estar - juntos. E sentimos essa proximidade, se não sentimos! Creio que é muito em parte graças ao desenvolvimento tecnológico, às redes sociais, às aplicações e a todos aqueles que diariamente partilham os seus interesses e as suas motivações, que isto ainda não descambou. No dia em que ficarmos sem internet, que neste momento é o maior meio de comunicação a nível mundial, aí sim, vamos sentir verdadeiramente o isolamento social. Por agora, a coisa vai-se aguentando. Uma lágrima aqui e ali, mas nada que um sorriso forte numa tela não faça um coração derreter e não solte um sorriso. Por agora, a coisa vai-se aguentado.

Trocamos os nossos locais de trabalho pela nossa mesa da sala, vestimos a camisa e mantemos a calça de fato de treino, acordamos em cima da hora da reunião, desligamos os microfones e ligamos a televisão. É tao fácil decidir aquilo que nos interessa e aquilo que nos desinteressa. Estamos verdadeiramente concentrados no que queremos estar. Ouvimos o que queremos ouvir. É fácil trabalhar em teletrabalho. Mas é fácil cair no esquecimento. Importa continuar a manter presente a ideia de que isto continua a ser o nosso sustento, que mais não seja, psicológico.

É fácil trabalhar em teletrabalho porque temos meios adequados para isso. O que faríamos sem a comunicação social de que tanto nos queixamos, sem as páginas que partilham treinos diários, receitas novas, motivações tão diferentes umas das outras que, com certeza, lá encontraremos a nossa; o que faríamos sem o telefonema do amigo e a videochamada da família que está longe? É assim que encurtamos quilómetros em tempos de pandemia, sempre foi assim só que, antes disto, não compreendíamos a importância porque estávamos à distância de uma viagem, por mais longa que fosse. Hoje estamos à distância de uma cura, que teima em não querer chegar. Os aeroportos estão fechados e o abraço de reencontro encontra-se, neste momento, sobre os nossos olhos, dentro dos nossos computadores.

E desses mesmo ecrãs, das nossas televisões, dos nossos telemóveis, sai um mundo e, a parte mais bonita, é que sai o mundo que quisermos ver, quando quisermos ver. É importante centralizar o separador naquilo que nos faz bem, que nos mantém ocupados, que nos mantém em equilíbrio.

É importante centralizar porque, afinal, estamos todos ligados. Continuamos todos ligados.
Em tempos de pandemia a tecnologia mostrou-se numa das nossas melhores amigas, que nos leva a viagens sem precisarmos de fazer malas, que nos traz as pessoas de quem gostamos sem precisarmos de correr até elas, por muito que queiramos esse dia de novo. A tecnologia trouxe-nos tudo aquilo que não suportaríamos sem ela – a proximidade, a conexão. Estamos ligados e, muitos de nós, estamos ainda mais ligados, agora que fomos obrigados a conectar de uma forma tão diferente que, a meu ver, é tão especial e continua a dizer tanto sobre aquilo que vai nos nossos corações.
Em tempos de pandemia a tecnologia tornou-se numa das nossas melhores amigas para que, assim, continuemos próximos de todos aqueles que são verdadeiramente nossos. Porque, no final, é apenas isso que importa: continuarmos juntos, mesmo que não nos possamos tocar.

Francisca Pinho, 5º ano







Viver com a dúvida

A dúvida corrói. Começa a ser derramada num canto da nossa cabeça. O que fazemos? Recorremos a uma distração para nos esquecermos dela. Vemos um filme, damos uma caminhada, lemos um livro, vamos ao chat com os amigos. Mas… E quando passam dias e a dúvida ressurge? Ou pior, quando ela aparece mal paramos quietos? Quando não a conseguimos coçar à primeira, ela cresce, alimenta-se da nossa substância cinzenta e pinta os nossos dias dessa mesma cor.
Parece-me importante falar sobre o papel da dúvida nas nossas vidas e da dimensão do seu poder. Defendo que sempre que possível, devemos confrontar a sua origem, ponderar se ela faz sentido ou não. Mas independentemente da resposta, ela pode obviamente sempre permanecer e neste estranho tempo que vivemos, a dúvida é uma certeza que abarca toda a humanidade.
Terei dinheiro para alimentar os meus filhos? Serei despedido quando os estabelecimentos reabrirem? Poderei manter a minha casa? E o meu exame, quando será? E como será? Para os que ainda conseguem dormir, estas questões surgem em sonhos. Os professores entram nos nossos sonhos, o que nos acorda em sobressalto e a transpirar. Maldito seja! A dúvida, até a hora de descanso já conseguiu atingir.
Perdemos a vontade de tomar o pequeno-almoço ou de ir à primeira aula. Ficamos na cama a olhar para o teto. Uma hora passa e ainda estamos na mesma posição. Estes podem ser os primeiros sintomas de uma depressão.
Obviamente que a realidade atual (que muito tem de ficção científica) não permite chegar a nenhuma conclusão de como serão as nossas vidas no futuro. Não conseguimos ter o controlo que gostaríamos sobre elas. Passamos anos a ouvir “Não sofras de antecipação. Vai ficar tudo bem.”, mas isto já não chega. Estamos a criar uma sociedade depressiva e nada é mais perigoso que isso.
É preciso estarmos atentos aos nossos amigos, familiares e conhecidos. Verdadeiramente fortes são aqueles que ainda estão com o ânimo todo, que acordam todos os dias às 7 da manhã e fazem treinos do Youtube religiosamente. Mas a maioria já desanimou, recorre à comida e à Netflix para conforto. Não vemos os nossos avós há meses e não sabemos quando o faremos. Este é outro ponto fulcral, os avós. Estão já nos seus últimos tempos e nem um beijo podem receber. Pelo que se levanta outra dúvida – “Poderei abraçar a minha avó antes dela falecer?”
A dúvida gera ansiedade, tremores, letargia, insónias. Mulheres perdem a menstruação, homens perdem cabelo. O choro torna-se fácil, bem como as discussões. Casamentos destroem-se, amigos discutem.
A dúvida causa doença. Não sabemos o que nos espera, mas sabemos que podemos estar aqui uns para os outros, prontos para animar quem está a perder a força e certamente, quando formos nós a perder a força, alguém há de nos ajudar a reerguer.
Ninguém vivo passou por algo semelhante, pelo que a informação de como lidar tanto tempo com o isolamento é inexistente. Mas por favor, estejamos atentos uns aos outros. Não há nada mais importante do que a nossa saúde mental.

Rita Rodrigues, 4º ano







Individualismo

“Vão-se os anéis, ficam os dedos”. Foi esta expressão o motivo de estar agora sentada na minha varanda a escrever. Uma amiga disse-ma em conversa e, andando eu a refletir muito (ainda mais que o habitual) sobre relações, parece-me importante desenvolver este tema.
Se formos ao limite, podemos interpretá-la da seguinte forma: quando morremos, de nada servem os anéis, o ouro que temos. Seremos inevitavelmente comidos por bichinhos e fertilizaremos o planeta para as gerações futuras. Prova disto é, vejamos, a situação atual do covid-19. De que adianta viver numa casa de 3 andares com piscina, ter os carros mais seguros para viajar, se aparece uma coisa invisível e ficamos a respirar por um tubo? Sim, podemos argumentar que quem tem mais posses, provavelmente terá a quarentena facilitada por não ter de ficar confinado a uma divisão da casa, por poder comprar máscaras melhores e mais regularmente. Mas onde quero chegar é que, uma vez expostos ao vírus, o ouro não decidirá se temos mais ou menos sintomas e a sua gravidade.
Porém, “vão-se os anéis, ficam os dedos”, é também uma forma muito prática de dizer que a única pessoa com a qual poderemos sempre contar, até ao fim dos nossos dias, está em nós próprios. A meu ver, esta é uma realidade muito triste. Todos ouvimos em algum momento da nossa vida, certamente, um “estou aqui para o que precisares”, “qualquer coisa, já sabes”. Mas e quantas vezes é que também, efetivamente, precisámos de alguém e fomos deixados por nossa conta? Quantas vezes depositamos fé em alguém, para depois levarmos uma lição?
Algo que me entristece bastante é o individualismo. Vivemos numa sociedade cujas bases assentam nos valores errados – dinheiro e estatuto. Não será a família mais importante que o dinheiro? Não é o amor ao próximo, um “obrigada” de uma criança, um sorriso de um idoso, mais importante que um ordenado com quatro dígitos?
Vivemos enganados. Passamos a nossa vida em busca da felicidade e, por muito cliché que pareça, a felicidade está na viagem. Mas poucos são aqueles que o sabem. Não aproveitamos o caminho. Dizemos a nós próprios e ensinamos aos nossos filhos que a felicidade está em viver numa casa grande, ter um carro alemão e um “Dr” antes do nome. Enganamo-nos e aos nossos. Esta luta pela prometida felicidade faz com que muitos considerem apenas o seu próprio bem-estar e necessidades.
É-me imenso chocante o facto de sentir diariamente o individualismo dos futuros médicos. Atualmente, em Portugal, o processo de seleção dos futuros profissionais de saúde é ridículo e uma promoção da competição. Porque é que no nosso país consideramos que alguém com média de 19 será melhor médico do que alguém com uma média de 16? Já pensaram que estamos a perder excelentes profissionais, ricos em amor e altruísmo, por não atingirem determinadas notas?
Programamos, formatamos os jovens de forma a serem todos iguais, para entrarem em determinado curso. Obrigamo-los a serem competitivos, a serem melhores que os outros, a não se entreajudarem, para desempenharem a profissão que, a meu ver, requer o maior humanismo possível. Depois como é que não se querem queixar de que foram vistos no hospital por alguém que nem olhou para vós? Que nem vos deu uma palavra carinhosa? É justo exigir humanismo de alguém que foi treinado para ser o melhor, para competir? Até a entrada para a especialidade é uma competição. Resumimos 6 anos de curso na capacidade de decorar matéria e não temos minimamente em consideração a personalidade do aluno.
Posto isto, algo que defendo ter de ser urgentemente debatido são os médicos que estamos a formar. Há pessoas que pura e simplesmente não têm personalidade para ter algo tão precioso como a vida de alguém nas suas mãos, ponto final. Porque é que no nosso país não submetemos os futuros médicos a uma entrevista, como fazem vários países, a fim de aferir traços como a empatia ou o altruísmo? Ainda hoje há várias pessoas a estudar medicina pelo estatuto ou por terem boas notas e “ser um desperdício alguém com média de 18 ir para rececionista”. E se o meu filho for um génio, mas for incapaz de olhar o outro nos olhos? Até pode ser uma besta aos olhos de todos, mas desde que compita bem, será médico – no papel. Porque ser verdadeiramente médico não é ter o canudo na mão.
Muitas vezes alguém procura o médico apenas para conversar, para ter uma palavra de conforto. O médico deve, acima de tudo, estabelecer uma relação de confiança com o doente e permiti-lo falar de tudo aquilo que o perturbe. O paciente precisa de se sentir ouvido e que as suas crenças são validadas.
Algo que me disseram várias vezes e que, por alguns momentos, admito pensar ser verdade, é que quem não olha a meios para atingir os seus objetivos é quem tem sucesso. Mas será alguém efetivamente feliz passando a sua vida a calcar os outros? Merecerá qualquer tipo de mérito alguém que engorda a sua conta bancária através da exploração dos funcionários? Infelizmente, são incontáveis as situações em que isto ocorre.
Sou defensora acérrima de que inevitavelmente prestaremos contas pelos nossos atos, seja nesta vida ou, para quem crê, sendo esse o meu caso, numa outra forma de vida. Alguém que trafica humanos, bate nos outros ou rouba, pura e simplesmente não pode receber o mesmo reconhecimento que aqueles que sempre trataram os demais como irmãos, como iguais. Não nos esqueçamos da consciência. Quem pratica o mal, só olhando para si, acabará por ter dificuldade em encarar-se ao espelho. Haverá algo mais perturbador do que não conseguirmos viver com nós próprios?

Rita Rodrigues, 4º ano







Associativismo: Clichés e Outras Coisas


Até há um ano, o Associativismo era apenas mais uma palavra da língua portuguesa. Pensava-o como um grupo de pessoas especiais, que, de alguma forma, se destacavam dos demais pelo facto de terem cargos com alguma visibilidade.
Olhava-os como uma elite: pessoas interessantes, na sua maioria com um ar sério e aparência mais velha. Sempre me questionei: “Como será que se chega ali? O que terão feito para o conseguir?”, mas recordo que o pensamento mais recorrente era “Como têm tempo para tudo? Há pessoas com sorte!”
Hoje, para mim, o Associativismo é uma realidade, faz parte da minha vida! Afinal de contas, neste momento, também faço parte deste grupo de pessoas e sei que não somos mais do que meros estudantes. Estudantes que, ao se interessarem e envolverem em projetos, acabam por ser convidados para pertencer a uma lista, concorrendo a um cargo. E, hoje, consigo compreender que é uma evolução natural, sem lugar a “tachismo”. As pessoas que chegam a estes lugares têm mérito e mereceram-no. Claro que esta é a minha realidade.
Hoje, sei que o Associativismo é uma Escola. E atenção que é uma escola como muito poucas: é uma Escola Familiar. Familiar porque, na realidade, é mesmo disso que se trata, uma família. Estamos lá, uns para os outros, como em qualquer família exemplar. Por vezes, basta um olhar para sabermos que tudo vai correr bem. E, mesmo que não corra, no final de tudo vamos estar lá uns para os outros, como no primeiro dia! E Escola porque nos ensina mais do que qualquer curso superior, não em quantidade, mas em qualidade dos ensinamentos. As modernamente chamadas soft skills: a gestão de tempo, a gestão de uma equipa, a gestão de conflitos, o poder da comunicação. Ensina, igualmente, o valor do trabalho de equipa, da entreajuda, o saber ouvir e respeitar a opinião do outro, mesmo que diferente da nossa, o trabalhar com pessoas diferentes de nós - valores estes que serão fundamentais ao longo da nossa vida!
Mas, desengane-se quem pensa que é tudo um mar de rosas, porque não o é. “É só festas, casacos giros com o nome e muitos ainda têm direito a estatuto.” Ainda há em demasia esta visão redutora e é, até, ofensiva. Estar no associativismo é lutar com todo o esforço para mudar coisas e continuar tudo na mesma, é lidar com o fracasso, é ter (demasiadas) reuniões até às 5h da manhã com aulas no “dia seguinte” às 8h, é na mesma semana ter quatro reuniões, é arrumar convívios no fim destes, é desesperar à espera da resposta a um email, é ter fins-de-semana seguidos ocupados com atividades, assembleias gerais ou congressos, é querer estudar/namorar/passear/procrastinar mas ter algo que não pode ser adiado porque assumimos esta responsabilidade.
Quem me é próximo já me ouviu dizer “Porque é que me meti nisto?”. Admito, já quis desistir por diversas vezes. Mas (e há sempre um mas), existe a tal família de que vos falei, temos pessoas que estão a contar connosco, temos parceiros de equipa que precisam de nós, temos compromissos assumidos, e sempre farei por honrar os meus.
Um ano passou, um ano duro, um desafio constante, um sem número de vezes a pensar “não vou ser capaz”. Apesar disto, um ano de uma Escola que não teria de outra forma. Cresci tanto! O Associativismo ensina-nos tanto!
Vivi momentos indescritíveis que levarei para sempre na minha memória. E mais do que isso, levarei estas pessoas (parceiros do Associativismo) no meu coração, pela vida fora (não todas, porque não temos de nos identificar com todas; temos, sim, de respeitar todos!).
Se me perguntassem “Terias aceitado o convite para o cargo, novamente?”, hoje, diria que sim! Amanhã, não sei… Mas, hoje, sim!

Marta Neves, 5º ano







Anexo de atestado de Óbito


Chamo-me Maria, Joana, Carla, Mariana, Marta, Júlia, Cláudia, Simone… Não se assustem com o título, é apenas uma história de amor.
Que caias a escorrer nos meus braços, para te enxugar a alma. Chegar-te ao meu coração em compasso, aveludada na calma, na candura do nosso espaço, e fazer do carinho as gotas do meu oceânico amor por ti.
Ante todos esses versos exalantes da proposta tácita do amor, sem qualquer diluição, sem qualquer viés, preso ao sorriso que a minha imaginação expressa. Se houvesse começo mais lindo, estaria a ser contraproducente face ao abono da verdade. Ele endereçou-me esses versos. Já saberão de quem se trata.
Ao longo da minha existência fui levada a exercer exaustivamente a “mística feminina”, tendo na vanguarda das minhas ações, de ser a misteriosa, a intuitiva. Este patamar, nada mais é do que estabelecer um rótulo de incompatibilidade com a razão, atravessando um terreno pantanoso da minha desvalorização. Ao longo dos séculos, chamaram-na de “essência feminina”, numa apologia ferrenha à fórmula dos dois sexos. Queria sim, criar-me o tempo todo, a cada instante, e ser livre para tal. Assumir a angústia inerente a liberdade. A todo o momento vós sois juízes e parte nessa senda do julgamento social imputada à mulher – pensamento de François de la Barre plasmado na epígrafe da grande obra de Simone Beauvoir. Assim, de um tal modo, fui-me construindo num mundo cuja pedra angular é o homem e assim vi-me junto do engodo de que “a mulher é o sexo forte e consegue fazer várias coisas ao mesmo tempo” – forma de legitimar, ao som de uma boa retórica, a exploração. Toda essa “violência simbólica”, expressão de Pierre Bourdieu, dá azo a muito mais do que o “simplório”. Uma organização binária, defensora de uma oposição, dada por forma dicotómica, onde a mulher é ausência do masculino. Durante muito tempo a cultura separou a esfera pública da esfera privada. Algo que Carol Hanisch refuta, dizendo: “o pessoal também é político.” O tipo de vida que produzimos em privado tem relação com o que esperam de nós na esfera pública. Daí a violência doméstica ser tão subvalorizada e naturalizada. Se sois robusto grilhão e em meu couro pousar a mal liberdade de um querer são… Se sois apertados quereres, de um gosto a nó e acompanhada dizer-me só. E ouvidos não querer ter aos meus dizeres… Se sois os olhos dos meus pés, sem antes os pés dos olhos teus, caminharem de quem tu és até o chão dos sinceros olhos meus… Se sois assim… O que adianta a liberdade de gostar, se a liberdade própria de estar, mal posso ter?... E as histórias de maldades, nem as conto, as vezes que foram, para não mais maldades… Lágrimas secas que escorreram, ausências que presenças não foram, desventuras que as aventuras viveram e, até, palavras que quiseram dizer o que não disseram. Sou menos ou mais do que pareço? Xiiiiiu! Se eu soubesse haveria o risco de ser e assim pagar o duro preço! Pior será preferir o comum ator, querido por este mundo rabisco e saber parecer, sem ser autor de nada. Pergunto-me, sempre que medo sentir… e se um dia, entre o mal, a morte vir? Fui pedir para conversar com alguém. Reclamaram-me de não ter tempo. Só que o papel da vida reclama pintura e nós, reclamamos tempo! Ela, na sua conjuntura, deixa-nos entre razões no tempo errado, em momentos de desagrado, sem tempo para reclamações! Pensei… serei eu a ingrata, a insatisfeita? Talvez mais além, se assim for a vontade da vida, eu terei de saber esperar, ou fingir saber o que fazer. Até cheguei a dizê-lo: Não serei para além de mim, por ti! Serei o melhor de mim, por nós! Tentando capturar a minha autoestima e a minha vontade de estar ali… mas, até a próxima pancada seguida de flores. Chamem um pássaro, ele tem as asas que eu não consigo ter, neste silêncio de amparo e sem sequer lágrimas verter. Não sei a quem chamar, para em tudo acalmar o medo do ridículo. Que a coragem saia para fora e assim tê-la, velada, adorada e mirada, para que eu continue gostando de gostar de mim. As palavras existiram um dia… Mal-arrumadas, com espírito, enquanto esperavam o amanhã de ontem, um busto com cunho daqueles que vieram buscar esta busca partida, fragmentada de não dizer. O jeito perdeu-se de ser interpretado, assim como as minhas nódoas negras. As palavras… quando as busco, sem as trazer e nadar entre elas, em charros ou oceanos, faz com que as deixe lá e só faço, de longe, acenos. Queria dar novos passos para sair daquela situação. Mas, passos? Quais? Corajosos, dizem que são? Em fuga, para onde eles irão? E quando plácidas, deverão ficar? Haverá quem me mostre um guião? Até onde, de verdade, irão? Serão resilientes à impávida objeção? E sobre remorsos de uma caminhada em vão? Quão fortes afirmam fronte ao pedido de perdão? Passos, quais são? Mas, o que será de mim se não?... se não der esses passos?
“– Polícia! Senhora, está tendo briga cá em casa. Meu pai… ele quer bater na minha mãe! Por favor, vem rápido, pelo amor de Deus! Ele está ameaçando a minha mãe…”
Digo-vos já! Hoje, foi um dia diferente, foi o dia do meu funeral. Não existe agressor de uma só vez. A dor nunca estará vestida de carinho… ela pode estar suja de carinho. Esta violência não tem contornos suaves, porque ela é uma lança descendo sinicamente. O começo estava escrito na aliança e agora o fim está escrito na lápide. Não sabia o que responder, sempre que me perguntavam: “na noite anterior, deste algum motivo para ser violentada?”. Até hoje não sei responder a esta outra questão: “Mas tu? Uma senhora estuda, inteligente, porquê se sujeitar a isso?”. O pesadelo não era durante as noites, não foi de repente, não foi uma circunstância. O pesadelo era! Simples assim, sem eufemismos e subterfúgios, dentro da sua colossal complexidade. Os outros velaram a minha dor com os seus silêncios… até que ele (o meu corpo) não era velado com a dor dos seus choros.
Assustem-se com o título! Foi apenas uma história de “amor”.

Rodrigo Fortes, 5º ano





Porque há Esperança


2020: o ano que esteve nas bocas do mundo e que o mundo viu passar; em que tudo mudou e nada mudou – graças a todos aqueles que arregaçaram as mangas e não tiveram mãos a medir. Começamos 2020 com a breve ilusão que andava por aí um vírus, uma coisa manhosa vinda da China, que não chegaria depressa até nós, Portugal, extremo ocidente da Europa. Não chegaria – mas chegou. Tão feroz que nem demos conta e, quando demos, fechamos portas e abraços ao mundo, que ficou à nossa espera. Mas a pandemia não são só maleitas: a poluição diminuiu; os oceanos tornaram-se num lugar melhor; a urbanização foi obrigada a ficar em standby para que a transmissão e a progressão da curva abrandassem. Respiramos fundo e abrimos mão de muita coisa que tínhamos como garantida e, bem ou mal, se estás a ler isto, é porque sobreviveste a esta loucura.
Mas 2020 não foi só sobre máscaras, medidas de higiene, segurança e número de casos. 2020 trouxe à tona um movimento que havia começado em 2013 e que, desta vez, veio com mais força - Black Lives Matter, depois da morte de George Floyd, do seu último suspiro - “I can´t breathe”. Muitos, depois dele, foram últimos suspiros em prol de um movimento contra o racismo, contra a desigualdade, contra a diferença (ou indiferença). Muitos perderam, mas creio que apesar disso, a Humanidade ganhou um bocadinho mais daquilo que nos liga, um bocadinho mais de si própria. Somos todos iguais, não há preto no branco, nem branco no preto, nenhum vive mais, nenhum vive menos, vivemos exatamente aquilo que for para nós e, lá dentro, o sangue que nos corre nas veias é todo igual.
Depois de tanto suspirarmos, vieram finalmente as eleições americanas– de mãos a apontar para o céu (mas sobre política e futebol passo facilmente a bola para canto) – e veio Joe, a prometer esperança.
E é sobre esperança que vos quero falar. Esperança na vacina; esperança na Amazónia verde e bonita, depois de toda a tragédia; esperança na América e na Humanidade; nos jogos olímpicos que passaram a perna para o ano que aí vem; na igualdade de direitos e deveres; nas mãos dadas – todos – sem julgamento, sem critica, sem máscaras - outra vez.
2020 foi um ano daqueles! Fez-me questionar se todos os pequenos pontos e vírgulas estavam no lugar certo. Fez-me procurar respostas para perguntas que nem sabia formular. Fez-me bem, mal, deu-me pontapés e empurrões, mas fez-me saltar. To the next level – é assim que lhe chamo, é lá que estou.
2020 foi um ano daqueles, no geral. Nenhum de nós o consegue negar! Daqui a 20, 30, 40, que importância terá, no panorama geral?
Sobre 2021: Uma nova passagem, num novo começo, numa nova contagem. A mesma pandemia, os mesmos problemas, mas com uma lufada de ar fresco, com baterias carregadas e corações abertos. Que sejamos tão fortes quanto fomos neste 2020: porque há esperança.

Francisca Pinho Rocha, 6º Ano






Será da minha perturbação?


Chamo-me Márcio, tenho 19 anos e fui diagnosticado com Perturbação Bipolar. Enquanto espero na fila do pingo doce, escrevo-te sobre mim. Será que me dás ouvidos? Ou melhor… empatia?
Quero falar-te usando o pretérito – tempo onde almejo que os meus problemas fiquem.
Saí sob o comando do mar e dos ventos, enquanto todos os raios de sol escarneciam das lágrimas corajosas perdidas na minha fronte.
Não conseguia ser eu! Fugia-me completamente. Fitar-me, era um martírio. Os olhos eram meus, contudo, a consciência se demarcava de ser minha. Senti a amargura do doce, a frieza do calor e o sorriso da tristeza. Como coexistir tamanhos estados de não poder ser?
A cada mudança, debatia ferozmente com o não querer estar. A cada olhar de consideração, conseguia arranjar necessariamente um estigma que me confortasse como incapaz. A bandeira hasteada clamava por ajuda e desfraldava-se mais do que as suas possibilidades. Honestamente, pensei que quanto mais barulho fizesse, melhor seria notado. Desconhecia se a dita voz era minha ou de outro. Para não mais confusões, pedi silêncio aos dois.
Conheci tantos fármacos, todavia, nenhum foi bálsamo para a minha ferida. Desconhecia tantas pessoas, entretanto, todas queriam maltratar a minha mágoa. Conheci tantas coisas, contudo, nenhuma delas aceitou ser um espelho verdadeiro.
Esquivava-me de ser apresentado aos outros, para que ninguém dissesse em voz-off: “às vezes ele é maluco”. Queria tanto que esse “às vezes”, fosse “nunca”. Mas como?... Se sempre me apontam o dedo e me desprezam a opinião? “Deve estar naqueles dias”, dizem eles.
Em rodopios caio no chão e vejo o mundo a girar. É a mesma sensação quando me indago sobre a culpa: “Será da minha personalidade?” ou “Será da minha perturbação?”
Em cada despedida, em cada “até já”, visita-me um medo fiel, pois não sei se amanhã estarei com a mesma disposição mental que hoje.
Das indumentárias mais ousadas à falta de vontade de asseio; dos risos estridentes ao silêncio perplexo; do menino que quer muito ao menino que nada importa. Do céu ao chão. Da terra ao mar; do amor que eu preciso ao amor que eu preciso.
Ah! No primeiro dia de janeiro enviei uma carta a cinco pessoas: minha mãe, meu pai, minha avó, meu avô, minha irmã. Em cada carta estava plasmado uma única letra: I, Ã, L, O, D. Espero que um dia possam perceber que as únicas letras em falta são: o “S” e o “O” (…Só). Assim completarão a “solidão” que há muito se completou em mim.
Adeus! Deseja-me boas compras…

Rodrigo Alexandre Fortes, 6º Ano






Homem Não Chora?


Olá! Sou a Melissa. O cortejo da minha vida data 16 anos de idade. Neste exato momento, entre os meus companheiros mais gregários, aproveito o intervalo escolar. Observo-os detidamente e jogo-me ao leito dos pensamentos. Encanta-me saber que todos à minha volta têm um jeito respetivo de derrota e vitória, signatários de alguma trajetória. Admira-me saber que somos únicos dentro de nós e imensos para além de nós. Deslumbra-me saber que vivemos a confiança de tamanha diferença e tamanha semelhança. A única coisa que não percebo: Porquê que os homens são tão assim… condenados a serem homens. Falo da condenação à Masculinidade Tóxica… para ser mais justa e aguda. Tamanha pretensão em assenhorar-se do mundo e de todos, mas sem maturidade suficiente para tal. Isso mesmo! Não consigo entender como os rapazes da minha idade são tão infantis.
Ser um “Homem de verdade” é um know-how que acaba por redundar em atitudes sobejamente deletérias. Um comportamento que não está restrito ao gueto do próprio homem, mas que derrama em seu redor. No bojo do conceito “Homem com H maiúsculo” criam-se pseudo-absolutos, como a sede de dominação e poder, para preencher um foço cavado pela deficiência afetiva e pela mentalidade reacionária e sufocante.
Olha o João… passou toda a manhã a contar aos amigos os detalhes condimentados da suposta noite amorosa com a sua namorada. Ou melhor, se quiserem corporizar a ideia do quão transversal é a vigência da masculinidade tóxica, aqui vai uma minuta do “como ser macho alfa”. Aos 5 anos, Bruno, meu primo, assimilou que “homem não chora”. Bruno é reiteradamente abordado com a indagação: “quantas namoradinhas tens?” (colecionáveis?!). Da parte do pai, tem absorvido o entendimento: “ajudo a cuidar dos filhos quando me apetece”. De certo, quando tiver a primeira desilusão amorosa, daqui a dez anos, ouvirá do amigo: “Deixa-te disso. Faz-te homem!”; “Não sejas mole com as mulheres. Não te apegues”. Aos 17, envolver-se-á numa briga com outro rapaz. Indignado, irá expressar: “Parto-te as ventas. Vais ver quem é mais homem”. Aos 54 anos, com histórico de cancro de próstata na família, recusar-se-á a fazer o toque retal: “Meterem-me o dedo? Nunca!”. Espero visceralmente que este não seja o itinerário da tua vida. Porém, ser-se “Homem” custa caro em plena interpretação tóxica da ação de género.
Esse exercício imaginativo acaba por ser bastante sintomático da primazia do homem diante às taxas de suicídio, homicídio, vícios, sinistralidades nas estradas, doenças, etc. Ou seja, vive-se menos e pior. Os homens sofrem em silêncio e imbuídos numa arrogância. Tudo isso, às custas do proselitismo machista da educação costumeira.
O sexo exprime ordem de virilidade, e está atrelado ao imperativo de performance, dependente de uma ereção irrefreável. Não procura sentir o sexo, procura fazê-lo. A referência sobre o sexo é a pornografia: mecanizadora da arte de fazer amor e fator que limita o modelo de erotismo aos genitais.
Comportamentos sectários, agressivos, rotuladores e manipuladores são catalisados pela desconexão com as emoções, pois não sabem lidar com os seus próprios sentimentos. O pedido de ajuda é tido como sinónimo de fragilidade e falta de poder. O transtorno de ansiedade, a insónia, o vício em pornografia, a ejaculação precoce, são problemas muito comuns nos homens, mas falta sensibilidade para pedirem ajuda. Os grupos de amigos, no máximo dos máximos, conseguem operar a simpatia e esgarçar a empatia. Acabam por ser ciclotímicos nessa carência de referências saudáveis. Quase tudo em torno deles põe cinética à roda dentada do egoísmo. Criados para serem cuidados e não para cuidar; criados para proteger e não para cuidar. Obrigados a serem expansivos, conquistadores e implacáveis. Sobra tempo para ser humano? Frágil? Sofredor?
Não livres da sombra individual e coletiva. Enfim, Homens que se tardam a humanizar.
Se não chora, devia chorar.
Vou prá minha aula…

Rodrigo Alexandre Fortes, 6º Ano






O Desassossego na Criação Literária e Artística


O poeta quer, a palavra significa. Não obstante, quando algemado pela forma, o conteúdo erradica por ficar preso, enclausurado, na métrica e na rima que a tantos “amigos das letras” estima. Ora quem forma, terá necessariamente que esquecer norma e ser, pois, eterno e insaciável peregrino das palavras, tornando-as ricas, com significado, sem que o pensamento fique a nado. A natureza e a vida são pura poesia, mas quando a queremos por imposição arrumada no papel, deturpando a realidade, a poesia rima somente com melodia, muitas vezes vazia. Deste modo, traído pela algema da forma, torna-se pesada e inútil a criação, sem permitir a devida fruição.
O escritor que efetivamente o é renasce constantemente da morte e do fracasso, enfrentando-se sem mais receios ao ser pássaro fugido dessa e de tantas outras gaiolas, recebendo do vento o alento. Livre, dará mundos ao mundo, lutando por seus anseios, cruzando os céus altos, sem sobressaltos, onde se consola e consolará os que o rodeiam. Fará ainda pinceladas de cor, amores à sorte, levantará marés e tocará as estrelas, roubando centelhas ao fogo dos céus, vivendo, pelos menos aquando do momento da criação artística, o silêncio das palavras sem o peso que esmaga.
Na dimensão holística do ser que o é quando a si se significa, o escritor beija a dor, açucarando e sobressaltando a inquietude humana. É, pois, cocktail de melancolia q.b. e alegria q.b. na dor escrita, lida e vivida que desafia a imortalidade. Já a mente que mente a si mesma, ao viver confinada a pequenos mundos, não se permite abrir aos mares alheios revoltos, irados, permanecendo no recato salutar do lar, do baloiço da sua alma, que chia e se desgasta com os anos cinzentos. Ainda importante, o retornar constante ao passado coloca a nu o perigo de ficar aprisionado como sendo um frustrado falhado ou sábio presunçoso, portador de chaves de fechaduras jamais existentes para flagelos e emoções cujo semblante está deturpado e cujos anos ajudaram a desfigurar ou mesmo a sumir em definitivo. Para além disso, a demanda incessante pelo perfecionismo e por pertencer ao rebanho nas ideias e opiniões impele a inércia da mente, tornando-o marionete dos tempos, clone de uma sociedade gasta, fútil. Por último, os que se apelidam de realistas, afagando as suas incertezas, nada mais serão do que sonhadores que embebidos dos seus receios se perderam no trilho da vida. Impera, pois, que, de pés assentes no presente, se desprenda do pedantismo e do pedestal, sendo mais humanista e humanitário do que humano e verdadeiro para consigo e para quem o lê, recorrendo à escrita quando deveras perceciona que só a ela tem naquele momento como fonte que sacia o âmago.
Por outro lado, mas em perfeita sintonia, a pintura na sua conceção artística abraça vivências surreais, pessoais ou coletivas e permitirá colher e coligir o perfume que exala da flor do momento que quer ver-se viva no papel, na tela, numa parede que separe mundos, unificando-os. Por ao seu redor gravitarem emoções e sobressaltos, no sentido de se reencontrar, expressa o que sente, por linhas que se unem harmoniosas no papel e cores, na esperança alva de permitir o cruzamento dos mundos em que participa. Assim, por relevar a subjetividade seja na sua perceção como seja na sua conceção, será reflexo do fluir unidirecional nas veias artísticas do sujeito, que fará uso da imensurável teia de cores, texturas e contrastes de que dispõe. É, deste modo, que percorre traços de realidade ou de índole onírica, abraçando-os na plenitude do ímpeto emocional que se gera e contagia, dando, finalmente, nova cor ao quotidiano, preenchendo o vazio da vida, representado pela tela em branco.
 
Luís Bernardo Fernandes, 4º ano
0 Comentários