Escrita Livre

Escrita Criativa - Pedro Silva

As canetas deslizam sobre o papel branco que contrasta com o céu lá fora. O dia está a terminar com a folha rasurada e à espera de ser completada como pele cravada de tatuagens.
A palestra decorria numa sala carregada de recordações das aulas de medicina. Eu estava rodeado de pessoas fazendo relembrar alguns episódios até talvez marcantes na minha vida. A sala tinha a mente carregada.
Pequena e interessada, a rapariga ávida de curiosidade estava muito concentrada e compenetrada no discurso da palestrante. Percebia-se o entusiasmo incorporado por ela na sessão. Ela tinha vindo de propósito de Lisboa.
Eu sentia-me observada e fragmentada por um rapaz com aspeto descuidado. Queria desaparecer, fugir, destruir tudo à minha volta para que ele não me perseguisse. Repulsa é a palavra que sinto neste momento. Continuo a escrever condicionada por uma mão forte que se chama medo.
A sessão caminha a passos largos do fim, o desconforto da rapariga parece que está a desvanecer-se. O rapaz tirou os olhos dela e começou a escrever, a escrever, … tanto que a folha se encontrava totalmente cravejada de palavras. Finalmente o texto ganhava corpo.
O fim chegou. Cada um foi-se embora para as suas vidas, para o seu núcleo, sem mais se cruzarem: o rapaz e a rapariga. É o tempo que continua a andar até que estes fetos atinjam o final do tempo de gestação da vida.

Pedro Silva, escrito no Workshop de Escrita Criativa








Escrita Criativa - Ana Sousa


Aqui, agora. Final do dia. Fugaz novembro, terceiro dia da semana.

Eles estão sentados, despertos. Ouvem-se vozes abafadas pela luz incandescente. Não há brisa nem dia, mas um pedaço de noite fria lá corre pela janela. Esgota-se nas palavras.

Fechados numa sala, escutávamos o silêncio dos objetos. Não éramos muitos. Perdidas já, havia mesas, cadeiras e um quadro em branco que parecia preencher uma divisão quase vazia. Ou quase cheia.
À minha frente, uma rapariga sorridente e atenta, fixava um ponto no horizonte que me trespassava. Cabelo cor de mel, com um gancho em forma de borboleta dourada como que a querer levantar voo e ser livre.
Sinto-me pequena. Inerte, como se os meus pés estivessem suspensos no ar. Impera a presença de olhares sobre mim, como um bisturi que me lacera. Olhares que não foram convidados.
A pessoa que está à minha frente só pode ver o que não posso esconder, e isso incomoda. Mas também já não importa. Já só vejo chamas e sufoco, tudo à minha volta entra em combustão. Imagino as cinzas do que virá depois. Depois de me ir. Daqui, de mim. De todos. Tenho fósforos no bolso e quase que queimam.
E vou voar, como um corpo que flutua na água.
A médica olhava a doente de forma minuciosa e apenas a mesa as separava. Sabia que a sua decisão ia definir tudo dali para a frente. Parecia bem, estável. O último surto psicótico já quase havia sido esquecido. Aparentemente serena, a doente mexia na borboleta dourada que adornava o seu cabelo, tentava esconder as suas intenções. Mal podia esperar por ser livre, deixar os comprimidos, as conversas dissimuladas. Iria cometer a sua última (in)sanidade. Como (in)sana que era.
Como se o mundo fosse ressurgir.

Ana Sousa, 2º ano, escrito no Workshop de Escrita Criativa







Saúde Mental


Hoje venho falar-vos de saúde mental. Imaginem-se num Mundo paralelo a este, não tão paralelo como queríamos porque inevitavelmente para lá caminhamos, onde a saúde mental de cada um de nós estaria a ser levada por caminhos apertados. Imaginem-se em situações desconfortáveis para vocês, para os vossos corpos e corações e aniquilem a necessidade de se sentirem bem com isso, ficando, assim, a vossa sanidade mental na primeira linha de combate. E querendo eu trazer-vos motivos para acreditar que conseguimos tudo aquilo que quisermos e ultrapassaremos este momento de maior dificuldade mundial – na saúde pública, na economia, na política, na gestão de países, na rutura de stocks - assusta-me que se fale (porque se fala, se olharmos com olhos de ver) na prioridade na saúde mental.

Em todo o Mundo existem, neste momento, milhares de pessoas fechadas nas suas casas e, aqueles que não se encontram com as portas trancadas à pandemia, encontram-se fechados em si: profissionais de saúde e profissionais na linha da frente no que toca à necessidade de bens essenciais. Essencial é, também, olhar para isto e parar para pensar. Pensar no impacto gigante que este processo trará às nossas vidas, num futuro que ainda não sabemos quando chegará. Não sabemos para onde caminhamos, mas caminhamos juntos. Importa olharmos para as nossas rotinas que agora deverão ser sobrevalorizadas, redefinir objetivos e mantermo-nos conscientes, mas em equilíbrio, como uma corda bamba entre a preocupação e a satisfação de estarmos aqui.
Ninguém pode sair para tomar o café da manhã na esplanada, ouvir a peça de teatro que dá as boas vindas ao fim de semana, passar à frente na fila do supermercado porque estava demasiado grande para a nossa pequenez e os segundos contados da nossa agenda levam-nos a pedir permissão para passar à frente.
O mundo foi chamado a abrandar e, individualmente, cada de um de nós teve de parar ou teve de acelerar na luta contra a exponencialidade da curva epidemiológica. O fim que queremos é o mesmo, nisto a humanidade está de mãos dadas. Foi preciso algo invisível e poderoso para nos fazer dar as mãos, ironia do destino ou não, sem nos podermos tocar.
E falando daquilo que me preocupa para além de tudo aquilo que nos preocupa: quero falar-vos de saúde mental.
Mantenham hábitos de vida saudável: criem um ritmo de sono adequado às vossas necessidades, saiam da cama como se fossem sair de casa (e saiam do conforto do pijama), alimentem-se bem, sem exageros mas com espaço para aquecer o coração, pratiquem exercício físico, mesmo que o sofá e a vossa inércia queira falar mais alto, ouçam aquilo que vos faz feliz a cada dia e recordem-se disso todos os dias quando acordarem, leiam, mas, acima de tudo, escrevam. Escrever consciencializa-nos. Permitam-se. Não se descuidem, não deixem de olhar pela janela e ver a coisa pelo lado bom. Mantenham a casa limpa e o cabeça no sítio, atualizem-se com informações fidedignas e apenas durante o tempo necessário para não gerar em nós (ainda mais) ansiedade.
Preocupa-me o impacto da pandemia na saúde mental. Preocupa-me que quando possamos sair à rua e nos socorrermos à liberdade, de livres pouco teremos. Preocupa-me os profissionais que depois da guerra, terão pós-traumas importantes e que necessitarão de ajuda para serem ultrapassados. Preocupa-me que não procurem ajuda. Preocupa-me as populações, desde os mais novos aos mais velhos. Temos que tomar medidas individuais que nos permitam sermos melhores e continuar a alcançar objetivos e metas que antes nos pareciam insignificantes.
É urgente cuidarmos uns dos outros, mas é urgente que cuidemos de nós.
E, no meio da incerteza e da imprevisibilidade do destino, não se esqueçam de acreditar. Não se esqueçam de ser pacientes, compreensivos e amigos deste que é o único planeta que temos para estar. Encontrem-se. Acreditem. Vamos sair. Vamos voltar a sair e nada vai ser como antes, o que não será necessariamente mau, porque temos em nós as ferramentas necessárias para nos adaptarmos à mudança desde que nascemos.
Cuidem de vocês e cuidem da vossa saúde mental, porque sem ela, aí sim, estaremos perante outra crise mundial.
Eu acredito! E tu, acreditas?

Francisca Pinho, 5º ano







Síndrome de Estocolmo Antagónico


- Doutora, sofro de uma inflamação no coração que me traz à beira da loucura.
- Miocardite?
- Não, doutora. Amor não correspondi-te. E só a doutora tem a cura.

Rui Sobrinho, 5º ano







PARABÉNS, NEM/AAC!

O NEM/AAC transformou-me. As suas portas, peculiares, no polo I, abriram outras, tão inesperadas quanto maravilhosas, na minha vida.
Com o NEM/AAC aprendi a escutar. A escutar os outros, a entender o que podíamos fazer por eles. A escutar as questões pedagógicas, as políticas. A escutar a FMUC. Que casa, a FMUC, que nos acolheu e preparou.
Aprendi a acreditar. A acreditar no todo e só nele. A viver em equipa. Aprendi que nada do que é belo se constrói estando sozinha.
Aprendi a organização, ampla e complexa, de projetos e eventos. Aprendi a responsabilidade e a responsabilização, a ser e estar representando os outros. Aprendi a gerir recursos escassos, que não nos pertencem. Pertencem apenas às funções que assumimos. Em equipa, sempre em equipa.
Aprendi que a amizade não tem fim e que precisamos uns dos outros para superar desafios, concretizar soluções. Aprendi a construir.
Aprendi a viver a esperança, que projetos e soluções adequadas ajudariam a melhorar a vida dos estudantes de Medicina.
Aprendi que a reação prejudica, mas que agir com sensatez e reflexão move montanhas. Aprendi a esperar, pelo tempo certo, para avançarmos. Aprendi que existem respostas novas para questões antigas.
Aprendi a crítica construtiva, a respeitar a diferença. Aprendi a pedir, quando era preciso. Aprendi a ajudar, quando capaz. Sempre em conjunto.
Fui feliz a ser abalroada pela energia de gente magnífica, humilde, dedicada, criativa, rigorosa, inteligente, que, com abnegação, deram tudo o que tinham pelos projetos em que acreditávamos. Pelas causas da verdade, por vezes contra vozes que soavam alto. Mas juntos, sempre juntos, pelas causas do que era certo.
E recebi, de rompante, o amor à Academia Coimbrã. NEM de capa e batina, fundido num só de academismo intenso e marcante, de praxe, reuniões, convívio(s), serenatas, gargalhadas e ternura. O NEM do Hospital do Ursinho, do Fim de Semana Terapêutico, da receção ao caloiro. Das febradas, da FMUC League, dos Cursos de Iniciação à Clínica, da agenda do NEM. Das tertúlias ao luar, na varanda do bar. Dos intercâmbios pela cidade, do processo, surpreendente, de Bolonha. O NEM dos workshops, do aNEMia, dos rastreios à periferia, do voluntariado, da informação sobre boas práticas em saúde. Tantas histórias para contar, com a Cabra como guardiã e companheira.
Aprendi a gerir o tempo, as tarefas e a dedicar-me aos compromissos. Aprendi que funcionários, investigadores e alunos são amigos que vivem na mesma casa, que acolhe outros tantos amigos, em cada evento que púnhamos de pé. Aprendi que os Professores são, como nós, de carne e osso, nos seus cargos de liderança e que o conteúdo, a discrição, a seriedade e a sensatez movem os bons corações.
Chorei de alegria quando tudo corria bem e aprendi a viver as frustrações, quando nem por isso. Aprendi que há dificuldades quando menos se espera. Estivemos sempre, sempre juntos.
Aprendi a humildade, quando vemos os limites, quando não é possível fazer mais. A humildade de assumir os erros e aprender com eles, a rir, depois, deles. Sempre, sempre em equipa.
Aprendi que os livros são só uma parte de estudar Medicina. E que o que não está escrito é uma viagem e tanto, com a beleza e a surpresa de não haver mapa.
Aprendi que o coração tem muito espaço para as amizades tão profundas que o NEM me deu como presente de vida. Laços do “Perto de Ti”, do “Por ti”.
Mais de 10 anos passados, certa do NEM como um caminho de alegria, descoberta, partilha, crescimento, emoções e muito, muito respeito. E muito amor pela Academia de Coimbra.
Obrigada NEM/AAC.

Inês de Mesquita







Desconfinamento da Mente na Bonança de Ser Vida

No sentido de pugnar o nocivo confinamento das mentes em corpos já de si confinados por imposição durante semanas morosas e infindáveis, pelas implicações inerentes e subsequentes na proliferação de uma outra pandemia severa de doença mental, urge, hoje como ontem, ser grito que se erija na promoção do valor imensurável da vida, permitindo que, na solidão e no silêncio que esmagam, se veja consolo e abrigo nas palavras.
Assim, hoje como ontem, impera salientar que a vida nunca deixará de ser total primavera, qual doce e fantasiosa quimera, descobrindo em cada cheiro novo anseio e em cada vista nova eterna conquista. Abracemos a poesia, que só quebra a sua rima quando desagua, por fim, na pífia alacridade do sopro irreversível do inexorável prazer de ser que se esvoaça.
De facto, a verdade é que ser só o somos uma vez e inteiro seremos se, com avidez, nesta fugaz e traiçoeira passagem, pincelarmos a vida qual bela miragem. Neste prisma, hoje como ontem, olhemo-nos do monte mais alto, revendo o nosso sobressalto e, em hipnose ou sono profundo, procuremos tomar parte do mundo, plantando em pranto errante, nómada hesitante, o elevar vagueante do Norte, fazendo da sorte o sim da estrada. Levantando marés, tocando as estrelas e roubando centelhas ao fogo dos céus, procuremos libertar a dor dos infernos e amainar ventos desertos de cor. Deste modo, dando mundos ao mundo, será prenha a esperança no ressurgimento dos ares que trarão de novo o amor na raiva da dor e verão nascer tua luz que seduz, meus olhos, meio e anseio, que em rodopio de sentidos, unidos, tão mais rotinada, farão aceitar-te em mim, por fim, presença de coração alheio.

Luís Fernandes, 4º ano





1 minuto e 36 segundos


18 de setembro de 2020:

 

Foi nesta madrugada - sim, porque reuniões nunca terminam em horário nobre – que descobri a Pilar. Estava há uma hora inquieta (não vou mentir) por um momento oportuno para abandonar, pela primeira vez, uma reunião antes da mesma terminar. Meia envolvida pela desculpa que o sexto ano começa a pesar, decidi esperar para ouvir o que a nossa Sara tinha para dizer e – sorte a minha! – conheci a Pilar. “Existe uma autora que nos enviou um livro sobre como lidar com o ano da PNA1”. O meu ano, portanto. Escusado será dizer que não foi desta que saí antes do final da reunião e, muito menos, que foi desta que a cama me recebeu para um número considerável de horas de sono.
Acredito que conhecer a Pilar pelos seus textos é uma boa forma de o fazer. Acredito na sua transparência e na qualidade da sua escrita. Não demorei muito a identificar-me com aquilo que ela escreve, tanto no seu blogue The Nutsbook, como no livro, assim como não demorei muito a agarrar no telemóvel para o encomendar de uma livraria.
A Pilar escreve, neste livro, sobre saúde mental, sobre histórias hilariantes passadas entre viagens de comboio e madrugadas em tentativas de posição de lótus. Escreve sobre ansiedade e tudo aquilo que um estudante de Medicina poderá ter de enfrentar antes de ingressar para a sua formação especializada. 150 perguntas. 1 minuto e 36 segundos para cada uma delas. Uma maratona onde muitos de nós ficam (infelizmente) sem acesso a uma vaga.
Mais do que isso, a Pilar abre o seu coração e começa por dissecar tudo aquilo que faz parte do seu batimento cardíaco. Não fosse Cardio o primeiro capítulo.
“Ou paras ou param-te”: Conta-nos como é viver (e sobreviver) no meio das infindáveis horas de estudo para um só exame que, assim meio a brincar, pode definir o nosso futuro. Que se lixem os cinco anos que passamos a tentar obter uma média razoável nas inúmeras cadeiras que ainda hoje não sabemos para que serviram. Não é a brincar. É – apenas – aquilo que a língua portuguesa chama de figuras de estilos.
Ironias à parte, conta-nos (sem medos!) como foi lidar com os seus conflitos internos. Creio que todos passamos por isto, mas poucos de nós tem coragem de o admitir. É como se diz na mesa do café, “Em casa de ferreiro, espeto de pau”. Mas, encarar fantasmas interiores é importante e a Pilar dá-nos uma curta e grossa noção de qual é o caminho para os enfrentar por muito descrentes que tenhamos sido até então: “Mindfulness, meditação, ficar-ali-a-pensar-em-nada”.
Uma centena de páginas onde são abordados muitos assuntos. A Pilar mostra-nos, sem se enrolar, que nenhuma família é perfeita e que as pausas de estudo não são sempre aquilo que queríamos que fossem.

 

25 de setembro de 2020:

 

        Corri até à livraria. O livro tinha chegado. Voltei para casa. Agarrei na caneta para sublinhar aquilo que mais gosto, como faço sempre que leio um livro. Dei por mim a sublinhar páginas inteiras, capítulos de uma ponta à outra. A Pilar sabe como nos prender a uma leitura. Em menos tempo do que aquele que previa, cheguei ao último. “Calma lá, não quero que isto acabe”. Pensei. É assim que sei quando vale a pena continuar desenfreadamente a devorar as restantes páginas. Num misto e numa dualidade de sentimentos que sempre me caracterizou, continuei a ler. É impossível parar porque quando damos conta já estamos demasiado envolvidos e apaixonados por aquelas páginas. Continuei e duas horas depois desde que havia começado, pronto. Pronto nada! Sei que o vou reler vezes sem conta porque sempre fui pessoa de voltar aos lugares, às pessoas e aos livros onde fui feliz.
“Estás a fazer-te à pista e daqui a uns meses levantas voo.” Confio em cada palavra deste livro porque me identifiquei com muito daquilo que ele transmite: “Sangue, Suor e Sangria.”
Estas páginas são um lugar seguro onde transborda amor.
A Pilar é, verdadeiramente, um grande pilar: de como sobreviver a mais uma loucura no meio de tantas as que são ser estudante de Medicina; de como encarar a prova e aceitar que não vamos estar sempre no nosso melhor; de como confiar no Universo e que, no final, pode acabar por dar certo.
Enquanto aluna do sexto ano e especialmente apaixonada por cada conjugação de palavras desta magnífica história, deixem-me que vos diga, sem mais spoilers, apenas com aquele que a Pilar faz questão de mencionar desde início: este livro não faz parte da bibliografia recomendada, mas, garanto-vos, é um bom ponto de partida para levantar voo.
O Mundo precisa de mais médicos e escritores como a Pilar: alguém que sabe o lugar anatómico do coração e que o coloca acima de qualquer medicina nas horas vagas.
Obrigada, encheste-me o peito de ar.




                                                              Francisca Rocha, 6º ano

_____________________________

1PNA – Prova Nacional de Acesso (o exame que os alunos de Medicina realizam no final do Mestrado para obterem classificação que lhes permita aceder à formação especializada).






Um Diário de Viagem da Ilha da Madeira


“Comecemos este diário pela sua última entrada, dia 15 de Agosto de 2020. Não é por ser do contra (embora muitos digam que o sou), mas por estar convicta que fará mais sentido transmitir a minha profunda adoração por esta ilha apenas após ter experienciado tudo. Previsões são mais fáceis no final do jogo, certo?”
Assim começa este projeto maravilhoso, trazido pela nossa colaboradora Rita Rodrigues, que promete mostrar-vos o que a Madeira tem de bom e de melhor. Não percam a oportunidade de ler e acompanhar esta viagem assombrante (no melhor dos sentidos)!
Podem consultar a versão completa no nosso Issuu, clicando no ícone à direita (apenas versão desktop)!








Tudo e Nada ou Terra do Engano


Nada
É difícil ser tudo.
Rosa perlada em solo mudo.
 
Tudo
É fácil ser nada.
Sombra de amor afogada.
 
Voam cinzas,
Vestido de fogo frio,
Vestígios de humanidade sem brio.
 
Existes...
Ou talvez não.
Incerteza numa existência que é em vão.
 
Vazio:
Certeza de nada.
Deixo a porta aberta escancarada.
 
Medo:
Não conhecer tudo.
Dar mão quente a quem ajudo.
 
Serenidade
Na indiferença das palavras
Submissas de suposta igualdade.
 
Liberdade
Falsa desde o primeiro dia
Em que lhe chamaste amizade.
 
Soldado prisioneiro
Numa guerra já perdida
Pelo capitão sem certo paradeiro.
 
Talvez esteja na Terra do Engano...
Onde tudo e nada serve para venda,
Onde tudo e nada serve como pano.

Ana Catarina Pastilha, 5º ano






Ode ao Amor - A Challenge


Para Sempre, Fénix

Hoje vamos fazer amor junto à lareira.
Chove lá fora. Vamos ceder um ao outro e deixar que a loucura fale à luz da labareda. Vamos ser transparentes, invisíveis, vultos taciturnos na parede, acanhados de vida. Vais ser o sol, eu a chuva. Aparecerá algures no Paraíso um arco-íris quase tão bonito como a nossa paixão desmedida. É incurável, eu sei, mas deixo o antídoto para quem o queira. Aquele que se demora a ser feliz perde-se nas margens do rio do esquecimento, jaz para sempre na sombra do que poderia ter sido outrora.
Depois cantas aquela poesia de que eu gosto tanto, não tanto como de ti, ao meu ouvido, nessa tua voz rouca. Recosto-me sobre o teu peito e demoro-me nos teus caracóis dourados e brilhantes, na tua pele adocicada. A chuva cessará e as nuvens abrirão gentilmente caminho para a rainha da noite ser a testemunha eterna de uma felicidade só nossa. Lá perto do fim perguntar-te-ás o que fizeste para merecer uma mulher como eu e eu sussurrarei que és o homem mais sortudo à face da Terra. Adormeceremos pela alvorada.
Mas não, hoje vou comer sozinha, sentada à lareira.
Chove lá fora. Disseste que ias chegar mais tarde, tinhas uns assuntos a tratar com urgência. Vou ler aquela poesia de que gosto tanto, recostar-me sobre a almofada de veludo e tentarei desenhar a saudade numa folha branca. Entrançarei o cabelo e deitar-me-ei na nossa cama. Na manhã seguinte sei que repararás no facto de ter mudado os lençóis outra vez e também sei que não vou dizer que é por sentir o cheiro a outra fragrância, não a minha. Vou pedir-te mais cinco minutos contigo na cama contudo sei qual será a resposta.
Antes de saíres, ainda limparei as cinzas da lareira.
 

Ana Sousa




Cratera na Alma

Atingiste-me, um meteorito
Um irracional algoritmo
Um raro e indefinido atrito
 
Só no olhar, que impacto
No frágil coração – o epicentro
Devastando, sem um único contato
Que dócil sofrimento.
 
Depois do brusco choque
Foi só estilhaçar, nem reparas
Para ti foi só um simples toque."
 

Carolina Sequeira




Uma Ode ao Amor

Uma ode ao amor.
O amor das horas vagas,
Dos minutos preenchidos,
Dos segundos galopantes.
Peço só mais uns instantes,
Para olhar para ele e vê-lo sorrir.
O amor que preenche o vazio
E transborda o por si só completo.
Um quadro brilhante, nosso e certo
Pintado com cuidado, forrado a ouro.
O amor que abraça com mais do que o corpo,
Que embala e beija com a alma.
O cheiro dele traz-me esta calma,
A serenidade de um lar no fim do dia.
O amor do calor dos dois,
Do primeiro olhar ensonado,
Do céu enevoado ou ensolarado.
Daria tudo para o ver acordar todos os dias,
Enchê-lo de beijos com os bons dias,
Amá-lo do início ao fim (que fim?).
O amor que me segura,
Que me cresce e me constrói,
Que me molda e me melhora.
Uma vida inteira que demora,
Que às vezes chora, que devora,
Mas devolve em dobro. Em infinito.
O amor que ajuda, que é amigo.
Ele, que partilha comigo
A vida que move ambas as nossas engrenagens.
O amor que confia sem igual,
Que não julga, que protege,
Resiliente e incondicional.
Uma ode ao amor.
Ao amor que resiste.
Ao amor que me deste.
Obrigada.

Sara Cardoso






Uma Pequena Reflexão Sobre Viajar


Desde o início da humanidade que viajamos. Primeiro para sobreviver, mais tarde para conhecer, por fim para crescer. Podemos viajar andando ou pensando, mantendo-nos firmes no mesmo local ou percorrendo o mundo.
Como diz Álvaro Campos:

“Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,”

- Álvaro de Campo, in Poemas

Através deste excerto percebemos que viajar pode ser muito mais que visitar espaços físicos. Viajar pode ser percorrer memórias antigas, reviver o nosso passado, visitar os nossos momentos mais felizes e marcantes. Podemos ainda viajar pelo passado. Ao visitarmos locais históricos, museus ou mesmo lendo manuais de História, conseguimos experienciar os mistérios da Idade Média, sentir o calor e a suavidade das pinturas de Miguel Ângelo ou até saborear as notas dançantes de Mozart. Viajar é refletir sobre tempos, ideais e ideias. Criar momentos únicos que desafiam as leis da física e do real, mundos mágicos ou futuros distópicos. Ou simplesmente esvaziar a mente de todo o ruído interior.
No entanto, o que é que nos impulsiona a viajar sem sair de um lugar? Será um cheiro do passado, um manear clássico, um sorriso há muito esquecido? Os sentidos podem, sem dúvida, alimentar as melhores viagens, aquelas que embora sem valor monetário, exigem o máximo dos nossos sentimentos e criam saudade, arrependimento e felicidade… Aquelas que, fazendo-nos “sentir tudo excessivamente”, nos levam a reviver os nossos maiores desejos e pesadelos. Um livro, um filme ou mesmo uma música, também nos podem dar um bilhete para uma viagem emocionante, por “mares nunca de antes navegados”, transportados por uma “passarola” de um “voador”, ou seguindo Carlos até ao seu consultório no Rossio. Por fim, um espaço físico, como já referido anteriormente, pode transportar-nos no tempo, provando que as viagens no tempo são, há muito, uma realidade.
Já todos sabemos quais as vantagens de visitar novos locais. Ganhamos mais cultura, experiência, somos confrontados com realidades e perspetivas diferentes, e é uma excelente maneira de aprender de forma divertida. No entanto, quais as vantagens destas viagens mentais? Primeiramente, ajudam-nos a conhecer o nosso interior. Quando recordamos memórias ou refletimos sobre a nossa vida ou decisões, apercebemo-nos das nossas qualidades, manias e defeitos e, assim, conseguimos entender e mudar atitudes, bem como comportamentos menos corretos. Mais ainda, a nossa criatividade aumenta, ao fazer-nos imaginar diferentes situações. Pode ser ainda um mecanismo anti-stress, ajudando a libertar a tensão do quotidiano, visto que ao esvaziarmos a mente, permitimos que o nosso cérebro tenha uma pausa da quantidade de informação com que é bombardeado diariamente.
Em jeito de conclusão, viajar ajuda-nos a perceber o eu e o tu, o meio e as tradições, a relaxar e a compreender o mundo, e o que o transcende. Pode curar-nos, aumentar o nosso conhecimento ou, simplesmente, levar-nos pela mão à conquista de novos mundos. Faz parte do nosso ser e, como tal, é necessário viajar.

Inês Pires, 4º ano
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