1001 Especialidades: Manual de um Estudante Indeciso

#1 - Cirurgia Pediátrica

O que significa ser médico desta especialidade? Quais são as principais frentes de ação?
Ser cirurgião pediátrico é ter nas nossas mãos a vida das crianças e consequentemente o futuro das famílias. Significa fazer a diferença para muito tempo, muitas vezes com um único procedimento. A cirurgia pediátrica atua essencialmente em 4 diferentes setores que se dividem em Cirurgia Gastrointestinal, Cirurgia Plástica, Cirurgia Urológica e Cirurgia Torácica.

Em que momento do seu percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?
Desde o momento em que fiz a Residência de Cirurgia, no 5º ano do curso, que sabia que a minha escolha seria uma especialidade com um componente cirúrgico importante porque gostava muito do ambiente do bloco operatório e sentia que os cirurgiões tinham um sentido prático, eram capazes de resolver os problemas rapidamente e definitivamente através de um procedimento cirúrgico. Para além disso, sempre me fascinou a parte técnica da cirurgia, pela destreza e elegância dos movimentos do cirurgião. Esta é uma parte da qual não conseguia abdicar.

Quais as principais razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e entusiasmava nesta decisão?
No momento da escolha, Cirurgia Pediátrica era a segunda opção depois de Cirurgia Plástica. Gostava da especialidade por ser muito completa e abrangente, por obrigar a competências cirúrgicas bastante diversas como as cirurgias abertas, cirurgias laparoscópicas, cirurgia mais macroscópica mas também mais minuciosa e delicada. Por outro lado, também me interessava o trabalho com crianças, o desafio que é manter um clima leve, tirar os medos, juntar alguma brincadeira aos momentos para as distrair e assim as poder ajudar. Outro fator que me fez escolher a Cirurgia Pediátrica é a importância que considero que representa a saúde das crianças.

Quais são os principais locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário?
O nosso serviço está localizado no Hospital Pediátrico de Coimbra, onde decorre todo o nosso trabalho. Diariamente, o tempo é dividido entre o bloco operatório (central e ambulatório), as enfermarias (de Cirurgia Pediátrica, Cuidados Intensivos e outros serviços que requeiram a nossa avaliação), as consultas e a urgência.

Como descreveria o ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/enfermeiros/doentes nos serviços por onde passa? Como é a entreajuda entre os médicos mais e menos experientes?
O nosso serviço é pequeno com 8 especialistas e 4 internos. Penso que é por esse motivo que mantemos uma relação de alguma proximidade, em que toda a gente se conhece bastante bem. O ambiente entre internos é de grande proximidade e de grande entreajuda, que se nota em momentos de realização de  trabalhos científicos e na realização do currículo cirúrgico, sendo que os internos mais velhos ajudam os mais novos; por exemplo quando surge uma cirurgia mais interessante e rara, rapidamente nos informamos uns aos outros. A grande maioria dos especialistas está sempre disponível para discutir cada caso e ajudar em todos os momentos se os internos tiverem necessidade. Penso que tal como acontece em qualquer serviço, por vezes há momentos transitórios de maior tensão, mas que são vividos sobretudo entre os especialistas.

Considera que existe idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa? Como é a qualidade de ensino?
Eu diria que todas as valências têm idoneidade durante a especialidade, pelo grande volume e grande diversidade de casos e de doentes que é possível ter quando se está num hospital tão grande como o CHUC. Ainda assim, há períodos dos estágios em que os internos são valorizados mais pela sua capacidade de produzirem trabalho útil do que no sentido de serem formados com vista a exercerem autonomamente no futuro. Por vezes, a quantidade de trabalho é tão grande que nem sempre há tempo para os internos aprenderem ao seu ritmo e poderem esclarecer as dúvidas que naturalmente aparecem. Muitas vezes, principalmente nas especialidades de adultos, terão que avaliar e tomar atitudes em relação a doentes (no internamento, na urgência), que podem não ser as mais adequadas ou podem não ser tão acertadas como as de uma especialista. Ao mesmo tempo, por vezes sente-se pouca disponibilidade, principalmente pelo pouco tempo disponível, para se explorarem as falhas técnicas e tentar corrigi-las.

Existe, no seu trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro, formação complementada noutro centro, …)?
Durante o internato, a maior parte do tempo é passada no nosso serviço de origem (cumulativamente cerca de 3 anos e meio). Os estágios obrigatórios incluem 1 ano na Cirurgia Geral, nos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) e 6 meses em algumas valências da Pediatria (Hepatologia, Gastroenterologia, Neonatologia e Cuidados Intensivos Pediátricos) no Hospital Pediátrico de Coimbra e numa das maternidades em Coimbra. Durante o resto do internato, há espaço para 6 meses de estágios opcionais em especialidades de adultos (que geralmente são cumpridas nos HUC) e 6 meses de estágios opcionais de Cirurgia Pediátrica que podem ser realizados noutras instituições nacionais ou internacionais.

Como descreveria um dia de trabalho nesta especialidade? Como caracteriza o nível de esforço e de dedicação a que é sujeito diariamente, na sua profissão?
Um dos aspetos mais desafiantes e viciantes da minha especialidade é que os dias raramente são iguais uns aos outros, sendo que estamos constantemente a ser surpreendidos com desafios que poucas vezes contactamos anteriormente e com casos diferentes. Ainda assim, o dia começa habitualmente por volta das 8h em que vamos avaliar as crianças antes de estas irem para o bloco operatório. Depois, geralmente as cirurgias eletivas ocorrem durante a manhã. Nos intervalos entre cirurgias, tentamos ir orientando as crianças do internamento ou outros pequenos recados que aparecem regularmente, como algum penso (dos traumas, das queimaduras ou pós-operatórios). À tarde, há frequentemente consultas e avaliamos o restante internamento. Avaliamos ainda os meninos que irão ao bloco no dia seguinte e pedimos o estudo pré-operatório, se necessário. Depois de ir para casa, estudamos as cirurgias e os procedimentos que vão ter lugar no dia seguinte. Nos dias mais livres e no fim-de-semana, estudamos outros assuntos mais gerais da cirurgia pediátrica e produzimos trabalhos científicos, como artigos, pósteres e apresentações. Uma vez por semana, temos a reunião de serviço em que são discutidos brevemente os doentes que estão internados e onde se planeia a logística das semanas seguintes relativamente ao bloco operatório, urgências e consultas.

Considera que esta especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies? E relativamente à vida pessoal/familiar?
Durante o internato, o tempo livre é escasso e é imprevisível, pelo que é difícil ter outras atividades regulares durante a semana. Já ao fim-de-semana, há mais tempo e é possível ter outras atividades nos tempos livres, uma vez que durante quase todo o internato não temos que fazer urgência ao fim-de-semana. Enquanto especialista, diria que o tempo livre é mais previsível, mas com uma carga de urgências maior do que os internos e por isso com menos tempo livre aos fins de semana e feriados. Pode dizer-se que é uma especialidade com possibilidade para criar uma vida familiar, na medida em que todos os especialistas têm vidas familiares com filhos.

Relativamente à carga horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)? Ainda nesta questão, o que varia, ao longo dos anos de internato?
Durante o internato, atualmente, os internos fazem 1 turno de urgência de 12 horas e não fazem noites nem fins-de-semana. No último ano do internato, os internos passam a fazer urgência como especialista e por isso passam a fazer noites e turnos de 24h sendo que no total fazem aproximadamente 10- 12 turnos de 12 horas por mês. Até ao momento, não temos bloco adicional e por isso não temos horas extraordinárias oficiais. Em termos de horário semanal, temos, em teoria, de cumprir 40 horas, acabando por fazer quase sempre mais de 50 horas.

Como interno, como é/foi o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes?
Diria que o nosso grau de independência seja talvez ligeiramente inferior ao de outras especialidades cirúrgicas com que já contactei, como no caso da Cirurgia Geral. O lado positivo disto é que não recai demasiada responsabilidade precocemente sobre os internos. Os internos são mais apoiados pelos especialistas do serviço e estes estão sempre disponíveis para as dúvidas que vão surgindo, evitando que façamos procedimentos ou cirurgias para as quais ainda não estamos preparados. Desta forma, a nossa evolução tem mais a conta a formação e os desafios são mais adequados ao estadio do internato em que nos encontramos. Sendo assim, a parte técnica desenvolve-se de forma gradual, sendo que as oportunidades vão surgindo naturalmente. Ao mesmo tempo, há poucos períodos em que os internos estão todos simultaneamente no serviço, o que permite que cada um tenha espaço para criar o seu próprio currículo sem demasiada pressão. Objetivamente falando, os internos desempenham o papel de cirurgião principal na maioria das cirurgias do ambulatório desde os primeiros 6 meses, como na reparação de hérnias inguinais, umbilicais e ventrais, na circuncisão, na excisão de lesões da pele, nas orquidopexias no caso de testículos mal descidos e nas unhas encravadas. Depois, começam a fazer algumas cirurgias mais simples dos setores por onde vão passando a partir do 3º ano (quando voltam dos estágios obrigatórios da Cirurgia Geral e da Pediatria) e vão evoluindo gradualmente. Em contexto de urgência, o interno faz urgência como 3º elemento e fica a maior parte do tempo com o telefone do serviço, sendo que faz a primeira avaliação do doente e pode contactar o especialista quando surgir alguma dúvida. Os internos fazem consulta, inicialmente a consulta geral de Cirurgia Pediátrica, e depois vão começando a fazer autonomamente a consulta dos setores por onde passam, sendo que no nosso serviço não há consultas em nome próprio, nem de Cirurgia Pediátrica geral nem dos diferentes setores. A visita aos doentes do internamento é feita por quem está no serviço, sendo que, durante a semana, os internos encarregam-se da maioria dos doentes e aos fins-de-semana são os especialistas. Geralmente, o internamento da Cirurgia Pediátrica é menos trabalhoso do que o de outras especialidades médicas ou até mesmo a Cirurgia Geral. Ainda assim, em toda a nossa atividade, sempre que há alguma dúvida ou alguma complicação é fácil contactar rapidamente um especialista, que ajuda prontamente a abordar o problema.

Quais as subespecialidades pelas quais se poderá optar? Existe liberdade total para esta escolha? Como acontece o processo?
Dentro da especialidade, existem médicos mais dedicados a cada um dos setores (Cirurgia Urológica, Cirurgia Plástica, Cirurgia Gastrointestinal e Cirurgia Torácica), apesar de não serem subespecialidades formais. Geralmente, o processo de atribuição dos setores ocorre após o término da especialidade e tem-se prendido com a necessidade do serviço nesse momento. No entanto, todos têm que saber resolver problemas urgentes de todos os setores de forma a poderem abordar estes doentes na urgência. Ao mesmo tempo, há procedimentos mais gerais, como a cirurgia de ambulatório, que cabem também a todos os médicos do serviço de forma rotatória.

Como acontecem os momentos de avaliação? Em que período do ano? Qual o grau de dedicação e maiores dificuldades?
No nosso serviço existem dois momentos de avaliação formal, um no final do 3º ano, que marca o meio do internato e outro exame que é o exame final da especialidade. O exame do meio do internato consiste na colheita de uma história clínica num dia e no dia seguinte há discussão da história clínica e de outros temas variados da cirurgia pediátrica. Como me encontro no 3º ano, ainda não fiz nenhum exame.

Qual diria ser a maior dificuldade que encontra nesta especialidade?
Apesar de ter ainda relativamente pouca experiência e pouca responsabilidade comparando com os meus colegas especialistas, diria que a maior dificuldade relativamente à minha especialidade é a possibilidade de fracasso na população pediátrica. As crianças têm uma mortalidade associada às suas patologias bastante inferior à dos adultos. Um dos motivos para isto é o facto de as grandes malformações (que tinham grande mortalidade associada no passado) serem cada vez mais raras com a vinda do diagnóstico pré-natal e da liberalização do aborto. Por outro lado, as crianças geralmente têm uma melhor capacidade de recuperação do que os adultos, face às mesmas circunstâncias, pela sua fisiologia própria e pelo facto de terem muitas vezes menos co-morbilidades associadas. Felizmente, tudo isto melhora o outcome nas crianças comparativamente com os adultos. Apesar de ser raro, aparecem, porém, situações limite com mortalidade associada. E o facto de as crianças serem a maior prioridade das suas famílias e em quem devemos investir tudo quanto pudermos, coloca maior pressão nas decisões – que tantas vezes precisam de ser rápidas. São exemplos disto o trauma, as queimaduras ou procedimentos life-saving no bloco operatório. Qualquer decisão menos acertada relativamente a uma criança tem consequências em toda a sua vida futura e na sua família. Penso que a capacidade de lidar com estes momentos menos bons será uma das mais difíceis de aprender na Cirurgia Pediátrica.

Quais os principais fatores positivos na sua especialidade?
Pelo mesmo motivo que os fracassos são a parte mais complicada de gerir, os sucessos são o principal fator positivo da minha especialidade e aquilo que nos faz ter força para trabalhar a cada dia. E na Cirurgia Pediátrica, a regra é o sucesso. Por outro lado, ao contrário de muitas especialidades de adultos, é raro não se investir num doente por causa das co-morbilidades, da pouca vida de relação ou da baixa expectativa de uma vida futura com qualidade. Nas crianças, investe-se quase sempre tudo quanto é possível. Sendo uma especialidade cirúrgica, tem ainda a grande vantagem de o raciocínio ser prático e os problemas são muitas vezes resolvidos com uma intervenção, o resultado e o benefício da nossa ação fica imediatamente à vista. Por último, esta é uma especialidade muito completa que abrange cirurgia major e minor, em idades muito diversas - desde recém-nascidos prematuros até adolescentes de 17 anos (com corpo de adulto) e onde é preciso dominar áreas cirúrgicas muito diversas e conhecer bem o doente pediátrico, os cuidados intensivos e saber por vezes evitar a cirurgia e optar por técnicas minimamente invasivas, como a endoscopia digestiva e a embolização com o apoio da radiologia. Tudo isto torna a Cirurgia Pediátrica apaixonante. Em relação aos diferentes serviços de Cirurgia Pediátrica do país, há uma vantagem evidente que é a transplantação hepática, que apenas existe no nosso centro. Para além disso, por ser o único hospital terciário da região centro, consegue ter uma variedade bastante grande de doentes e de patologias. Na minha opinião, é um serviço muito competente que, no mínimo, está entre os melhores serviços nacionais de Cirurgia Pediátrica.

Como descreveria a sua especialidade em relação à possibilidade de: progressão de carreira; enveredar pela carreira investigacional; constante inovação científica; oportunidades de trabalho tanto no setor privado como público?
Como em qualquer área da prática médica, na Cirurgia Pediátrica há neste momento dificuldade na contratação pelos hospitais após o internato, pela insuficiência de vagas. Sendo a Cirurgia Pediátrica uma especialidade que existe num número reduzido de hospitais em Portugal, há a possibilidade de termos dificuldade em ficar a trabalhar como efetivos imediatamente após o exame de especialidade e podemos até ser obrigados a exercer como especialistas num hospital que fique longe das nossas famílias.  A especialidade de Cirurgia Pediátrica permite fazer carreira investigacional, sendo que existem centros em Portugal que fazem investigação nomeadamente na área da Cirurgia Experimental e da Cirurgia Minimamente Invasiva com modelos animais. A inovação científica, tal como em qualquer especialidade, depende essencialmente do grau de interesse pessoal, da capacidade de cada um de procurar informação nova, de continuar a discutir casos com os colegas e a questionar constantemente se os métodos, técnicas ou atitudes terapêuticas que se usam no dia-a-dia são as mais indicadas, ou se, pelo contrário há alternativas potencialmente melhores. Ainda assim, pode afirmar-se que, comparando com outras especialidades, na Cirurgia Pediátrica, há um número pequeno de iniciativas científicas nacionais, sendo que existe um único congresso de Cirurgia Pediátrica anual, por exemplo. Ao mesmo tempo, o apoio financeiro para a participação em formações ou congressos internacionais é praticamente inexistente, o que também difere de outras especialidades. Na Cirurgia Pediátrica, há uma dominância evidente do setor público em relação ao setor privado, sendo este último escasso e onde se realiza principalmente cirurgia de ambulatório, como reparações de hérnias, circuncisões, orquidopexias, cirurgias da pele.

Escolhia novamente esta especialidade? Está a corresponder às expectativas que tinha? Quais foram as principais surpresas?
Escolheria novamente a mesma especialidade sem hesitar. A minha especialidade está a
corresponder e a superar as minhas expectativas. Diria que é necessário mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se prosseguir esta especialidade? Penso que no caso da Cirurgia Pediátrica é necessário uma dose equilibrada de talento e de dedicação. O componente técnico das cirurgias e dos procedimentos realizados aprende-se com recurso a repetição dos movimentos e treino, e qualquer pessoa consegue aprender a operar com o treino suficiente. Penso que se pode comparar a cirurgia ao desporto, em que a parte técnica é tão importante como a capacidade de compreender o jogo, o domínio das duas em conjunto é que permite agir com simplicidade e eficácia. Sendo assim, alguns, com maior talento, conseguirão atingir os mesmos objetivos com menor treino e alguns conseguirão com o mesmo treino realizar as cirurgias mais complexas, com melhor taxa de sucesso. Mas na Cirurgia Pediátrica, continua a ser essencial um domínio da parte teórica, fora do bloco operatório, sendo muitas vezes mais importante saber quando não operar um doente e em vez disso optar por um tratamento conservador ou menos invasivo.

Tem alguma consideração importante a fazer que ainda não tenha sido abordada?
Em jeito de conselho, acrescento que a decisão sobre a escolha da especialidade é importante e define sem dúvida um rumo na nossa vida profissional e no caso da carreira médica que se confunde muitas vezes com a vida pessoal. Ainda assim, penso que a decisão sobre a escolha da especialidade é de certa forma sobrevalorizada. Não existe um único caminho capaz de trazer a felicidade. É essencial, para esta escolha, que se definam algumas áreas de que mais se gosta e que se excluam algumas opções que não são de todo compatíveis com o próprio, isto é, nem todas as pessoas são capazes de gostar de todas as especialidades. Mas, no final, o principal determinante da felicidade é a capacidade de adaptação à escolha que se fez e a vontade de vencer desafios, que todas as especialidades trazem incondicionalmente. Depois de escolhida a especialidade, deve vestir-se a camisola e tentar ser o melhor possível, mantendo sempre uma grande humildade e sabendo que há sempre muito mais para aprender, em qualquer fase da carreira.

Texto redigido com José Pedro Lopes, interno do 3º ano de Cirurgia Pediátrica no Hospital
Pediátrico de Coimbra (CHUC)







#2 – Medicina Interna

O que significa ser médico desta especialidade? Quais são as principais frentes de ação? 
Ser médica de Medicina Interna é sempre ver um doente como um todo, em todas as suas vertentes.
Recebemos o doente na urgência: debilitado e com queixas agudas que interferem com a sua qualidade de vida. Depois temos 2 alternativas: ou o doente responde rapidamente e temos uma solução muito rápida e dirigida às queixas ou o doente precisa de ser estudado e tem que ser internado – quer pela queixa de base, quer pela necessidade de cuidados mais prolongados.
No internamento acompanhamos o doente no cumprimento de tratamentos, com os reajustes necessários perante a evolução ou tornamo-nos o Dr. House e vamos puxando de um novelo até descobrirmos o que o doente tem (e não, não é sempre lúpus!).
A satisfação maior que temos é dar alta a um doente que recebemos (por vezes em estado grave) na urgência e temos a felicidade de acompanhar a evolução positiva do mesmo até os devolvermos à família! Infelizmente, nem sempre conseguimos. Somos médicos e humanos, não deuses ou milagreiros... também temos que entender que o corpo humano tem limites (nomeadamente de resistência) e que a Medicina Interna recebe, muitas vezes, os doentes mais fragilizados em termos clínicos, humanos e sociais. Nem sempre corre tudo bem...
Também temos a versão da consulta: em que vemos doentes da urgência ou internamento para reavaliações ou estudos que possam ser feitos em ambulatório. Recebemos doentes das várias especialidades e referenciados dos cuidados de saúde primários.
Dependendo dos hospitais, ainda podemos ter “hospitais de dia”, onde os doentes são acompanhados de forma a cumprirem cuidados específicos, avaliações mais dirigidas ou a fazer a toma de medicação intra-hospitalar sob vigilância médica.

Em que momento do seu percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?
Tal como todos os estudantes de Medicina, esperamos sempre que haja aquele momento em que se torna evidente a nossa escolha futura. Comigo não foi assim tão claro (e para a maioria dos meus colegas também não!). Gradualmente, conforme íamos dando matérias e passando por estágios fui compreendendo o que gostava mais e os temas com os quais me identificava menos. Como em tudo, as pessoas com quem nos cruzamos, vão sendo fundamentais para nos apercebermos disso. Dessa forma vamos analisando o que nos vemos a fazer no futuro... e não há especialidades sem dificuldades ou que gostemos da mesma forma de tudo!

Quais as principais razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e entusiasmava nesta decisão?

A Medicina Interna tem uma coisa que me agrada muito: não é redutora. Essa liberdade para ver o doente sobre vários ângulos, conseguir ajudar sobre várias perspetivas e decisões e a possibilidade de “sub- diferenciações” em várias vertentes, sempre me pareceu atrativa!

Quais são os principais locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário? 
Sendo uma especialidade holística e hospitalar, a Medicina Interna tem sempre a versão internamento, consulta e urgência. Nos CHUC ainda temos a possibilidade de trabalharmos não só em equipas multidisciplinares (oncologia, hepatologia, nutrição, diabetologia), como em acompanhar doentes em hospital de dia (medicina, diabetologia, autoimunes).

Como descreveria o ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/ enfermeiros/doentes nos serviços por onde passa? Como é a entreajuda entre os médicos mais e menos experientes? 
O CHUC é um centro hospitalar enorme, com uma equipa extremamente diversificada e extensa. Nos serviços todos por onde passei (e tive oportunidade de passar por todos os pólos) fui sempre bem recebida e acolhida. Nunca senti a falta de apoio ou de acompanhamento que às vezes vemos os colegas referir, mas sei que isso passa muito pelo interesse e expectativas individuais de cada um!
Se forem pró-ativos e perguntarem, questionarem, desafiarem os mais velhos a vos explicarem, até hoje, ainda não vi ninguém ser desiludido! Se oferecerem ajuda, mostrarem interesse, perguntarem o que estão a ver, o que nos leva a tomar decisões em detrimento de outros, vamos fazê-lo cada vez mais espontaneamente e vão sendo incluídos na equipa como parte dela!
Lembrem-se que na Medicina Interna, e com o tempo, vamos treinando o multitasking e como a carga de trabalho é significativa, nem sempre nos lembramos que o que é evidente para nós, não é para os colegas mais novos. Nesses casos, não tenham medo: perguntem! Não é por mal, mesmo! Às vezes só nos esquecemos que todos já fomos IACs e internos do 1º ano e que não sabíamos o que estavam os outros a fazer...
Há um ponto fundamental que é frequente esquecemo-nos: nós somos todos humanos! Também temos problemas pessoais, dores físicas e mentais, saudades de casa, medos e dúvidas. Todos. E às vezes, no início dos internatos, achamos que somos os únicos com problemas e esquecemos que os mais velhos, independente da idade, já passaram por aí, pelos mesmos medos e dificuldades e muitas vezes ainda passam! Há dias péssimos para todos... Mas a parte boa, é que podemos contar com os colegas. Nem que seja para partilhar um chocolate no final de um dia mau, para uma brincadeira, para um abraço... isso sim, faz um internato. E nisso, posso dizer que fui e sou uma sortuda.

Considera que existe idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa? Como é a qualidade de ensino? 
Na Medicina Interna, quase todas as valências têm idoneidade. A qualidade de ensino no CHUC é imensa, sobretudo pela associação à FMUC que permite que haja uma estratégia de ensino e formação de qualidade e com muitos anos de experiência.

Existe, no seu trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro, formação complementada noutro centro, …)?
Sim, sem dúvida! Podemos fazer estágios com relativa facilidade, sobretudo porque sendo uma área abrangente podemos escolher muitas áreas e perspetivas diferentes, beneficiando da qualidade da sabedoria e experiência de outros locais!

Como descreveria um dia de trabalho nesta especialidade? Como caracteriza o nível de esforço e de dedicação a que é sujeito diariamente, na sua profissão? 
Um dia habitual começa na enfermaria, cerca das 8h30-9h. São avaliados cada doente internado e reavaliado o estado clínico. É necessário rever a tabela terapêutica no sentido de se preparar a alta. Tentamos manter sempre uma relação de entreajuda com os familiares e isso implica ir informando das evoluções que vão ocorrendo e envolvendo-os no acompanhamento ao doente. São realizadas notas de entrada completas para cada doente admitido, diários clínicos eficientes, atualizados diariamente e delineados planos estruturados e organizados que podem ter que envolver discussões clínicas com outras especialidades. A nota de alta pode ser gradualmente construída, mas é sempre revista e organizada no dia em que se decide que o doente reúne condições para regressar ao domicílio.
Quando há consultas, estas podem ser estruturadas de diversas formas: 1 ou mais dias de consulta, 1 ou mais períodos de consulta. No meu local de trabalho, e ao longo de internato, vamos aumentando progressivamente a carga de consulta que temos. Inicialmente só acompanhamos os especialistas do serviço (de forma a percorrermos todas as consultas que ocorrem no serviço), depois começamos gradualmente a ser independentes, mas sempre acompanhados pelos colegas dos gabinetes ao lado – orientador de especialidade incluído, para termos apoio em qualquer dúvida e em qualquer momento. É habitual que se comece com 1 período único de consulta (habitualmente de Medicina Interna) e chegamos ao final do internato com 2-3 períodos de consulta (1 de Medicina e os restantes de subespecialidades à escolha do interno em conjunto com as necessidades do serviço).

Considera que esta especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies? E relativamente à vida pessoal/familiar?
Como em tudo e em todas as especialidades, se houver organização, dá tempo para tudo! Para ter família, para ir ao ginásio, para ter hobbies, para ir de férias... Dá sim, mesmo para a Medicina Interna!

Relativamente à carga horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)? Ainda nesta questão, o que varia, ao longo dos anos de internato?
Todas as especialidades têm que ter uma retaguarda para a formação científica e essa nem sempre é exequível apenas no nosso horário de trabalho. Continua a ser precisa dedicação, abdicar de alguns momentos pessoais e trabalhar fora de horas. Os relatórios precisam de ser feitos, os trabalhos para congressos vistos e revistos e os artigos precisam de ser escritos. Se algum deste trabalho pode ser feito no hospital, a verdade a que a maioria não o é. Sim, levamos trabalho para casa, temos que estudar doentes que nos dão luta, que têm patologias menos frequentes, temos trabalhos para fazer, e sim, às vezes temos mais do que um turno de urgência por semana. Às vezes vamos ter que sair de uma noite de urgência e ter que ir rever os doentes da enfermaria porque o resto da equipa não está, mas se a equipa for unida e sobretudo organizada, estará tudo bem planeado do que é ou não é preciso fazer e consegue-se ser produtivo.
Durante o internato, notei sempre que a carga de trabalho vai evoluindo. É progressiva e muito natural.
Mas sim, férias grandes e festas são sempre alturas mais caóticas e somos todos médicos, todos sabemos que temos que ajudar e que há alturas mais problemáticas!

Como interna, como é/foi o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes? 
No internato, tudo é gradual. Não se espera o mesmo de um interno de 1º ano no primeiro mês ou de um interno no primeiro mês do 5º ano! As coisas são naturalmente graduais e progressivas.
Ver/aprender, fazer e ensinar. Vemos e aprendemos como os mais velhos fazem, depois tentamos inicialmente com toda a supervisão, depois gradualmente com mais autonomia, até ao dia em que conseguimos fazer sozinho e vamos avisar que já não precisamos de ajuda!

Quais as subespecialidades pelas quais se poderá optar? Existe liberdade total para esta escolha? Como acontece o processo? 
Isto vai depender muito do orientador e das chefias mas na maioria dos casos, dá perfeitamente para ser ir escolhendo!
O alinhamento de estágios é feito logo no início do internato. O meu conselho é que ouçam os colegas mais velhos, com quem se identificam mais. Mas ouçam várias pessoas! De diferentes hospitais e com diferentes realidades!
As subespecialidades, por exemplo na consulta, podem ser um bocadinho mais tendenciosas porque como se acompanha um orientador é natural que se siga os mesmos passos e também vamos ficando mais rapidamente mais à vontade nas subespecialidades que acompanhamos mais. Mas também depende do interno pedir para acompanhar outros colegas mais velhos, acompanhar todas as consultas disponíveis e, na hora de escolher, ver aquilo que mais gostou. É natural que seja pedido aos internos de um serviço que ajudem a colmatar as falhas de alguma área mais desfalcada, mas mesmo aí nenhuma área é estanque e podemos pedir sempre para alterar... as vezes basta perguntar!

Como acontecem os momentos de avaliação? Em que período do ano? Qual o grau de dedicação e maiores dificuldades? 
As avaliações durante o meu internato foram sempre anuais, em fevereiro-março e referentes ao ano anterior. Quando o tempo de permanência no serviço era superior a 6 meses, era necessário a realização de um relatório descritivo das atividades realizadas nesse período de tempo. No dia do exame, o relatório é discutido com os avaliadores (definidos pelo serviço) e eram efetuadas perguntas teóricas com aplicabilidade prática. Nos 2 últimos anos de internato, os exames simulam o exame final de internato e a estrutura do mesmo: discussão curricular, parte teórica e parte prática de discussão de um caso clínico após realização de história clínica e exame físico completos, com um doente real da enfermaria.
Nos estágios, foi me sempre pedida a apresentação de um tema teórico, nos serviços de acolhimento e a realização de um relatório descritivo de atividades.

Qual diria ser a maior dificuldade que encontra nesta especialidade?
A maior dificuldade, na Medicina Interna, é manter o acompanhamento constante das matérias e atualizações disponíveis. Ao ser uma especialidade generalista, há essa componente de atualização científica constante que não pode ser descurada, no entanto, o ritmo de publicações, cursos e atividades é alucinante e exige uma imensa organização nesse sentido.

Quais os principais fatores positivos na sua especialidade?
Para mim, a maior virtude da Medicina Interna é não ser estanque. Claro que isso também pode ser visto como uma dificuldade na hora de estudar para exames e na quantidade de cursos e trabalhos para realizar, mas essa liberdade, para mim, é claramente o maior ponto forte da medicina.

Como descreveria a sua especialidade em relação à possibilidade de:
- Progressão de carreira: É preciso lembrar que a Medicina Interna é uma especialidade com muita gente, a progressão de carreira é possível e há várias trajetórias possíveis, em várias áreas.
- Enveredar pela carreira investigacional: A atualização científica na Medicina (e respondendo já ao ponto seguinte), é constante e muito diversificada. Todas as áreas nas quais a Medicina Interna se pode envolver há uma grande avaliação de novas estratégias e na revisão teórica e prática de conceitos.
- Constante inovação científica;
- Oportunidades de trabalho tanto no setor privado como público: Na maioria dos hospitais não há qualquer entrave a trabalhar em simultâneo no sector privado. A única coisa fundamental é que as duas não se confundam nem se sobreponham! Claro que para isso, obriga a uma gestão de tempo muito rigorosa e a abdicar de períodos que poderiam ser de descanso ou de estudo.

Escolhia novamente esta especialidade? Está a corresponder às expectativas que tinha? Quais foram as principais surpresas? 
Eu não escolhi Medicina Interna de forma leviana. Correspondeu ao que eu tinha previsto e planeado e nesse sentido, voltaria a escolher a mesma especialidade.
De vez em quando, agora que terminei a especialidade, pergunto-me isso: “teria escolhido outra coisa?”. A resposta é invariavelmente: não!
Mas sei que há pessoas que escolhem Medicina Interna com menos convicção (por muitos motivos) e que apanham “sustos”. A Medicina Interna é uma especialidade difícil e independente. É preciso vir a contar com isso!

Diria que é necessário mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se prosseguir esta especialidade?
Tenho dúvidas que sejam coisas que possam existir em separado. A Medicina é, como sempre nos disseram, uma arte! Mas nenhuma arte pode dispensar a dedicação e o estudo constante!

Tem alguma consideração importante a fazer que ainda não tenha sido abordada?
Não desvalorizem a Medicina Interna, isso é uma ideia há muito ultrapassada e com muitas provas dadas. E seja qual for a especialidade, tirem uns minutos para pensar se acham que se vêm a fazer isto a vida toda. Todos fizemos estágios, pensam nos quais se identificaram mais e qual foi o motivo para isso.

Texto redigido com a ajuda de Joana Cascais, interna de Medicina Interna no CHUC







#3 – Medicina Física e de Reabilitação (MFR)




O que significa ser médico desta especialidade? Quais são as principais frentes de ação?
Ser Médico Fisiatra significa ser o coordenador da equipa pluriprofissional de reabilitação, trabalhando para colmatar as incapacidades físicas e cognitivas dos doentes, de todas as faixas etárias, de modo a melhorar a sua qualidade de vida, atingirem o maior grau de independência funcional possível, permitir a sua participação, atividade e reintegração na sociedade. De modo geral as principais frentes de ação da Medicina Física e de Reabilitação (MFR) são as patologias do foro neurológico, orto-traumatológico e reumatológico. No entanto a MFR coopera e abrange todas as áreas médicas e cirúrgicas.

Em que momento do seu percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?
A MFR não é uma especialidade muito abordada durante a faculdade. Tive oportunidade de contactar com a mesma através de uma cadeira opcional, sendo que as aulas práticas despertaram o meu interesse pela área. O maior contacto foi durante o Ano de Internato Geral.

Quais as principais razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e
entusiasmava nesta decisão?
Interesse por uma área abrangente, com múltiplas áreas de diferenciação. O facto de: ser uma especialidade relativamente jovem, com muito potencial para crescimento; o surgimento constante de novas tecnologias; a possibilidade de contactar com todas as faixas etárias, desde o recém-nascido ao idoso; o interesse conjunto pela área neurológica e músculo-esquelética...;

Quais são os principais locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário?
Grande parte do trabalho do médico Fisiatra ocorre na área da Consulta Externa (consultas, procedimentos e técnicas diagnósticas/terapêuticas). A restante atividade é distribuída pelo apoio aos doentes internados (nos hospitais de agudos), coordenação com a equipa multiprofissional (fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, terapeutas da fala, ortoprotésicos, neuropsicólogos/psicólogos, enfermeiros de reabilitação, entre outros.). Acompanhamento dos doentes em atividade: ginásio e outros sectores terapêuticos. Nos centros de reabilitação, como os doentes internados estão ao cuidado do médico Fisiatra, o apoio ao internamento (intercorrências médicas e outras) torna-se maior.

Como descreveria o ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/enfermeiros/doentes nos serviços por onde passa? Como é a entreajuda entre os médicos mais e menos experientes?
Pela experiência que tenho da especialidade e de relatos de outros colegas, regra geral o ambiente é muito bom, existindo um grande espírito de entreajuda.

Considera que existe idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa? Como é a qualidade de ensino?
Considero que a qualidade de ensino é boa, com ligeiras variações como em todas as especialidades. No caso particular da MFR, como é necessário efetuar estágio em regime de internamento (normalmente nos centros de reabilitação) não será possível efetuar o internamento completo no hospital de origem. No caso dos internos dos centros de reabilitação a situação é contrária, sendo necessário sair para efetuar alguns estágios (Medicina Interna, Neurologia, Reumatologia, Reabilitação Músculo-esquelética, Ortopedia…).

Existe, no seu trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro, formação complementada noutro centro, …)?
Existe a possibilidade e grande abertura para efetuar estágios complementares em centros especializados em área de interesse e no estrangeiro.

Como descreveria um dia de trabalho nesta especialidade? Como caracteriza o nível de esforço e de dedicação a que é sujeito diariamente, na sua profissão?
Num hospital de agudos: genericamente o dia começa com os pedidos de consulta interna, o apoio ao internamento é gerido ao longo do dia e conjugado com o período de consultas externas (MFR geral e áreas de diferenciação). Existe também um grande número de relatórios clínicos (relacionados com as incapacidades) a efetuar; parte do dia também é dedicada às reuniões de equipa, quer interdisciplinar (com outras especialidades médicas), quer as reuniões de coordenação de equipa multiprofissional.
Nos centros de reabilitação: existem todo o trabalho acima referido, com a variação que o internamento (reabilitação intensiva em regime de internamento) é da responsabilidade do médico Fisiatra, tendo este de lidar com tudo o que isso implica: prescrições, intercorrências médicas, visitas de família, monitorização de patologias médicas, coordenação com outras especialidades, entre outros.

Considera que esta especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies? E relativamente à vida pessoal/familiar?
Sim, considero que existe uma boa relação pessoal/familiar, existindo o incentivo à existência de hobbies, sobretudo desportivos.

Relativamente à carga horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)? Ainda nesta questão, o que varia, ao longo dos anos de internato?
40h/semanais durante o internato. Restante muito variável. Geralmente temos de efetuar urgência de Medicina Interna durante o estágio da mesma (6 meses). Durante o estágio de Ortopedia (3 meses) acompanhamos também a urgência da especialidade. O restante apoio à urgência externa depende de cada hospital. Alguns têm que efetuar urgência de Medicina durante parte/todo o internato, outros não. Nos hospitais de agudos, quando especialista não há geralmente qualquer tipo de urgência em MFR. Nos centros de reabilitação o médico Fisiatra, como médico responsável do centro, tem de assegurar a urgência interna. Geralmente (fora urgência interna/externa) não há necessidade de efetuar horas extra.

Como interno, como é/foi o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes?
A autonomia aumenta gradualmente ao longo do internato, tendo oportunidade de efetuar um grande número de técnicas. No entanto, não é das especialidades com mais independência logo de início e, em regra, não inicia consulta de forma mais autónoma até, pelo menos, o 3º ano.

Quais as subespecialidades pelas quais se poderá optar? Existe liberdade total para esta escolha? Como acontece o processo?
Existem várias áreas de interesse e especialização, apesar de não existir subespecialidades estabelecidas. Várias áreas: pediatria, espasticidade, bexiga e intestino neurogéneo, reabilitação sexual, reabilitação (reab.) do pavimento pélvico, reab. Cardíaca, reab. Respiratória, reab músculo-esquelética; reab amputados; Tecnologias em reabilitação, etc.

Como acontecem os momentos de avaliação? Em que período do ano? Qual o grau de dedicação e maiores dificuldades?
A avaliação é ajustada de acordo com os estágios e dos anos em que nos encontramos. Muito variável de local para local. O grau de dedicação/ dificuldades são sobreponíveis às outras especialidades. A organização e o grau de conhecimento são um desafio, uma vez que a prática da Fisiatria implica conhecimento da fisiopatologia e clínica de entidades patológicas de todos os sistemas orgânicos, tornando o estudo extenso e disperso.

Qual diria ser a maior dificuldade que encontra nesta especialidade?
Por vezes a afirmação perante as outras especialidades e a sua “sobreposição” em algumas áreas, dada a sua abrangência. Dificuldade na cooperação e liderança de equipa constante.

Quais os principais fatores positivos na sua especialidade?
Boa relação pessoal/trabalho.
Horário consistente, não exigindo realização de urgência externa (embora algumas instituições o exijam).
Grande abrangência, permitindo que qualquer médico fisiatra se dedique a uma área do seu maior interesse.
Gratificação pessoal e profissional pela melhoria na funcionalidade e, consequentemente, na qualidade de vida do doente.

Como descreveria a sua especialidade em relação à possibilidade de:
Progressão de carreira: boa abertura e possibilidade; boa empregabilidade no público e privado
Enveredar pela carreira investigacional: não será a melhor especialidade para uma carreira dedicada à investigação. Em Portugal, não há grande investimento.
Constante inovação científica: principalmente na vertente tecnológica de apoio à reabilitação: meios aumentativos de comunicação, próteses/ortóteses, etc. Além disso, agentes físicos, toxina botulínica, fármacos intra-articulares, ...
Oportunidades de trabalho tanto no setor privado como público: Considerável oferta em ambos os sectores.

Escolhia novamente esta especialidade? Está a corresponder às expectativas que tinha? Quais foram as principais surpresas?
Apesar de a MFR ser um mundo novo e uma medicina diferente da tradicional que aprendemos na faculdade, escolheria novamente esta especialidade, sem dúvida. Diria que é necessário mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se prosseguir esta especialidade? Em todas as especialidades é necessário estarmos constantemente atualizados cientificamente, sendo o estudo e dedicação fundamental. Na MFR existe uma grande componente humana de forma a abordarmos da melhor forma a incapacidade, visto que ela muitas vezes não desaparece, tem é de ser contornada.
Tem alguma consideração importante a fazer que ainda não tenha sido abordada?
O aumento da longevidade das populações e a maior sobrevida após doença aguda, fazem da Medicina Física e de Reabilitação uma especialidade cada vez mais importante numa sociedade desenvolvida, como a nossa. Embora não sendo uma especialidade life saving, é a área da medicina que se preocupa com o retorno à vida normal e com a qualidade de vida, permitindo reintegrar um doente com défice cognitivo ou motor no seio familiar, social, lúdico e/ou profissional.
Os doentes com amputação de membro e os agentes físicos como: o calor, frio, magnetoterapia, laser, ultrassom, ondas de choque ou electroestimulação, são áreas específicas da MFR.

Texto redigido com a ajuda do Dr. Ricardo Dinis Sousa, médico interno de Formação Específica em Medicina Física e de Reabilitação no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão







#4 – Ginecologia e Obstetrícia


O que significa ser médico desta especialidade? Quais são as principais frentes de ação?

Tratar todas as doenças que afetam especificamente a mulher em todas as fases da vida e promover o nascimento de recém-nascidos saudáveis. Quais são as principais frentes de ação? Na ginecologia passa por consulta, exames e bloco operatório. Na obstetrícia passa pela consulta e bloco de partos. A urgência é transversal.



Em que momento do seu percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?

No meu caso apenas durante o internato geral, atual ano comum.

Quais as principais razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e entusiasmava nesta decisão?
Gostava de especialidade cirúrgica e queria especialidade que fosse necessária em todos os hospitais. O que mais procurava e entusiasmava nesta decisão? Vontade de aprendizagem e dedicação a área específica.

Quais são os principais locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário?
No meu caso a urgência e ecografia obstétrica.

Como descreveria o ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/enfermeiros/doentes nos serviços por onde passa?
De forma global os internos são bem recebidos em todos os serviços. Um serviço com internos é um serviço que não “morre”. No bloco de partos há sempre alguma tensão com os enfermeiros especialistas nomeadamente no balizar de responsabilidades, mas são locais onde é necessário articular bem equipas multidisciplinares.

Como é a entreajuda entre os médicos mais e menos experientes?
É real, fruto das especificidades e de emergências imprevisíveis, há trabalho de equipa.

Considera que existe idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa?
Sim, sem dúvida.

Como é a qualidade de ensino?
Excelente.

Existe, no seu trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro, formação complementada noutro centro, …)?
Sim, e sem qualquer entrave.

Como descreveria um dia de trabalho nesta especialidade?
A especialidade é muito vasta, mas de forma geral há 1 dia semanal para urgência (12 ou 24h dependendo dos serviços) e os restantes dias são dedicados às atividades do estágio naquele momento por exemplo, numa tira cirúrgica haverá dia de consulta, dia de bloco e apoio às pacientes internadas. Noutro estágio poderá ser atividade em enfermaria dedicada à medicina materno-fetal.

Como caracteriza o nível de esforço e de dedicação a que é sujeito diariamente, na sua profissão?
É elevado, fruto da pressão assistencial e da pressão preparação teórica e produção científica.

Considera que esta especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies?
Claro que sim, mas qualquer internato é exigente.

E relativamente à vida pessoal/familiar?
Também, embora a pressão assistencial seja grande e as urgências incluem noites e fins de semana.

Relativamente à carga horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)?
Nos serviços são cumpridas as 40h semanais e depois há limites para horas extra. Mas muitas horas de trabalho fora do hospital.

Ainda nesta questão, o que varia, ao longo dos anos de internato?
Consoante mais velho, maior solicitação para horas extra na urgência.

Como interno, como é/foi o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes?
Progressiva e com autonomia crescente, mas sempre apoiado caso necessário.

Quais as subespecialidades pelas quais se poderá optar?
Ginecologia oncológica, uroginecologia/pavimento pélvico, senologia, endoscopia, patologia trato genital inferior, medicina da reprodução, medicina materno-fetal e diagnóstico pré-natal/ecografia obstétrica.

Existe liberdade total para esta escolha?
De uma forma global sim, mas por vezes há necessidades dos serviços o que implica um direcionamento para essa área em falta.

Como acontece o processo?
Há estágios opcionais durante o internato e após a conclusão do mesmo, essa diferenciação é geralmente feita em serviço.

Como acontecem os momentos de avaliação?
Anual no próprio serviço ou no final de cada estágio efetuado fora do serviço.

Em que período do ano?
1º trimestre de cada ano ou no final de cada estágio efetuado fora do serviço.

Qual o grau de dedicação e maiores dificuldades?
São exames de avaliação do percurso anual e teórico-prático, geralmente com vista a preparação para o exame final e de forma a corrigir lacunas no ano seguinte.

Qual diria ser a maior dificuldade que encontra nesta especialidade?
Como há muitos serviços com idoneidade, nem todos promovem a investigação científica e tempo para isso.

Quais os principais fatores positivos na sua especialidade?
O internato está muito bem organizado e permite uma formação geral de elevada qualidade.

Como descreveria a sua especialidade em relação à possibilidade de:
Progressão de carreira existe e com serviços grandes.
Enveredar pela carreira investigacional – possível, mas pouco procurada.
Constante Inovação científica – não sendo das mais inovadoras, a inovação
existe.
Oportunidades de trabalho tanto no setor privado como público – Enormes. Há carência em muitos hospitais do país.

Escolhia novamente esta especialidade?
Sim.

Está a corresponder às expectativas que tinha?
Sim.

Quais foram as principais surpresas?
A necessidade de estudo de patologias médicas na área da medicina materno-fetal.

Diria que é necessário mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se prosseguir esta especialidade?
A dedicação garante o sucesso, no entanto o talento permite alcançar esse sucesso mais cedo.

Tem alguma consideração importante a fazer que ainda não tenha sido abordada?
É uma especialidade que terá sempre urgência durante toda a carreira. Tem imensas possibilidades uma vez que é uma especialidade muito abrangente, desde só fazer ecografia até só operar.

Texto redigido com a ajuda do Dr. Pedro Rocha, médico interno de Formação Específica
em Ginecologia e Obstetrícia







#5 – Oftalmologia

O que significa ser médico desta especialidade? Quais são as principais frentes de ação?
Significa atuar na preservação e recuperação da Visão, um sentido fundamental para a experiência que os indivíduos têm de si próprios e do mundo que os rodeia. Principais frentes de ação:
Vertente Clínica = Parte Médica + Parte Cirúrgica
Vertente Científica = Publicação de Artigos, Posters e Vídeos de Cirurgias
Vertente Académica = Lecionação de Aulas de Oftalmologia para alunos da FMUL

Em que momento do seu percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?
Enquanto estudava Oftalmologia no Curso de Medicina. Não só pela atratividade do tema, mas também pelo dinamismo das pessoas com quem me cruzei na cadeira de Oftalmologia.

Quais as principais razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e entusiasmava nesta decisão? 
Impacto na Qualidade de Vida dos Doentes
Técnicas Envolvidas e Dificuldade das Mesmas
Diferenciação e Especialização (Supra-Especialização até)
A Oftalmologia é uma especialidade médico-cirúrgica, com uma vertente cirúrgica minuciosa (Microcirurgia) e sempre me fascinou poder realizar procedimentos tecnicamente muito difíceis e nos quais pudesse fazer uma grande diferença na qualidade de vida das pessoas. A Oftalmologia oferece-nos isso. Enormes potenciais de recuperação de doentes com uma acção limitada no tempo (cirurgicamente por exemplo).
Por outro lado, o Olho é uma estrutura de enorme complexidade e uma das características que permite uma maior versatilidade na experiência que fazemos do Mundo. Devido a essa complexidade, exige também intervenções muito complexas e com enorme detalhe para que os resultados possam ser bons! Intervenções complexas, fazem com que as curvas de aprendizagem sejam relativamente longas, mas isso também faz sobressair as qualidades e aprendizagens prévias do interno em formação. Para além disso, dentro da própria Oftalmologia, há necessidade de uma dedicação preferencial a uma das várias subespecialidades, uma vez que só assim é possível ser suficientemente capaz de atingir os resultados a que nos propomos.

Quais são os principais locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário?
Hospital de Santa Maria – Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte.
A Oftalmologia é uma especialidade altamente diferenciada e exigente em termos técnicos e materiais. Por este motivo, o seu internato compreende apenas a própria especialidade. A experiência de interdisciplinaridade ocorre sobretudo nos pedidos de avaliação que os restantes serviços nos realizam.

Como descreveria o ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/ enfermeiros/doentes nos serviços por onde passa?
Muito bom! Recomendo vivamente.

Considera que existe idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa? Como é a qualidade de ensino? 
Sim, absolutamente. A qualidade do serviço é exímia e existe um ambiente muito propício à aprendizagem.

Existe, no seu trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro, formação complementada noutro centro, …)?
Sim, sobretudo no estrangeiro. O meu centro hospitalar tem representação em todas as valências possíveis de observar na Oftalmologia, pelo que a realização de estágios complementares é encorajada sobretudo para realização internacional, no sentido de contactar com realidades metodologicamente diferentes ou com recursos técnicos diferentes, de forma a maximizar o aproveitamento possível de um estágio deste tipo.

Como descreveria um dia de trabalho nesta especialidade? Como caracteriza o nível de esforço e de dedicação a que é sujeito diariamente, na sua profissão?
Muito exigente. A Oftalmologia é como toda uma nova Medicina que estava escondida e da qual só arranhámos a superfície na nossa passagem pelo mestrado integrado em Medicina. Requer estudar (novamente) os básicos da anatomia e fisiologia (mais detalhadamente) e exige um enorme grau de compromisso para aprender não só a vertente prática clínica, mas também os princípios básicos que lhe estão subjacentes.

Considera que esta especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies? E relativamente à vida pessoal/familiar?
Depende da capacidade de gestão de tempo. E depende também do “timeframe” da avaliação.
É uma especialidade exigente e com um internato que implica muita dedicação.
Se soubermos gerir bem o tempo, isso não passa a significar que a nossa vida seja exclusivamente o internato, mas algumas concessões acabarão por ser feitas necessariamente…

Relativamente à carga horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)? Ainda nesta questão, o que varia, ao longo dos anos de internato?
Sou um interno muito recente, ainda não posso avaliar variação ao longo dos anos de internato. A carga horária contratual são 40 horas semanais, 12 das quais cumpridas em Serviço de Urgência (banco).
A carga horária efetiva acaba por ser muito mais, mas sobretudo devido às necessidades adicionais de aprendizagem inerentes ao primeiro ano de internato. Nos anos seguintes, de acordo com o que me é transmitido pelos restantes colegas de internato, essa necessidade de aprendizagem teórica diminui, sendo substituídas essas horas de investimento cognitivo por responsabilidades clínicas e treino prático para com os doentes.

Como interno, como é/foi o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes?
Ainda não tenho independência na maioria das tarefas, como seria de esperar num interno que tem neste momento 3 meses de internato. Apesar de tudo, tenho tido uma experiência óptima no que concerne à aprendizagem com supervisão, uma vez que me deixam experienciar múltiplas técnicas muito diferenciadas sob supervisão desde muito cedo na minha curva de aprendizagem.

Quais as subespecialidades pelas quais se poderá optar? Existe liberdade total para esta escolha? Como acontece o processo?
As subespecialidades são imensas em Oftalmologia: Córnea, Glaucoma, Retina Médica, Retina Cirúrgica, Oculoplástica, Oncologia, Inflamação Ocular, Cirurgia Implanto-Refractiva, Estrabismo, Neuroftalmologia, Pediátrica.

Como acontecem os momentos de avaliação? Em que período do ano? Qual o grau de dedicação e maiores dificuldades?
Uma avaliação por ano de internato e uma avaliação final de internato. Habitualmente no início do ano (datas variáveis de acordo com calendário do serviço).

Qual diria ser a maior dificuldade que encontra nesta especialidade? 
Equilibrar ensino teórico com aquisição de competências práticas. Há vários procedimentos que têm curvas de aprendizagem muito longas.

Quais os principais fatores positivos na sua especialidade?
Elenquei em cima como fatores para a minha decisão.
Reconhecimento do trabalho pelo doente, tipologia do trabalho, etc. Há muitos pontos que não serão positivos para toda a gente.

Como descreveria a sua especialidade em relação à possibilidade de:
Progressão de Carreira – Diria que a progressão é limitada em todo o SNS, há poucas categorias de carreira e pouquíssimos concursos. Penso que será semelhante em todas as especialidades.
Carreira Investigacional / Inovação Científica – A Oftalmologia é uma área em constante renovação e inovação. As oportunidades de investigação e inovação são imensas e constantes. Pode abordar-se essas oportunidades para inovação pura e dura com perspetivas de desenvolvimento de novos produtos, mas também do ponto de vista da carreira investigacional.
Oportunidades de trabalho sector Público vs. Privado – Continua a existir alguma escassez de especialistas em determinados pontos do país, mas não no país como um todo. Existem aproximadamente 1000 Oftalmologistas em Portugal, o que é um número bastante superior à média Europeia em ratio por nº de habitantes. O mercado privado é atrativo e muito competitivo. Pode ser compensador, mas depende extensivamente das concessões que o profissional aceite fazer.
Existe mercado para trabalhar apenas mais algumas horas neste sector, mas a recompensa não é desproporcional. Trabalhando muitas horas, a recompensa mantém-se proporcional, sendo possível atingir valores remuneratórios absolutos elevados.

Escolhia novamente esta especialidade? Está a corresponder às expectativas que tinha? Quais foram as principais surpresas?
Sem dúvida. Até agora foi uma aposta de sucesso. A minha principal surpresa foi a qualidade que o serviço me demonstrou até agora e ainda a elevada recetividade que encontrei para a Pedagogia apoiada.

Diria que é necessário mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se prosseguir esta especialidade?
Diria que é sempre preciso um bom equilíbrio de ambas as vertentes. Sempre que uma delas fique para trás, a outra terá de se esforçar muito mais para compensar!!!

Texto redigido com a ajuda do Dr. Diogo Matos, interno do 1º ano no Hospital de Santa Maria, Lisboa







#6 – Ortopedia


O que significa ser médico desta especialidade? Quais são as principais frentes de ação?

A ortopedia e traumatologia é olhada em Portugal como uma especialidade de grunhos, de tipos que não estudam, que pouco sabem de medicina, que não se interessam pelos doentes e que só lidam com serras e martelos. Então na FMUC o contacto que temos com as áreas de ação ortopedia é no mínimo inferior a zero… Isto é assim fruto de um contexto histórico que não vou explicar, mas posso-vos garantir que a realidade é o oposto. Não é por nada que é a especialidade mais desejada em imensos países, juntando autênticos crânios com conhecimento médico, cirúrgico e em biomecânica.

Ser médico desta especialidade significa adorar cirurgia. É ter pela frente uma prática futura com um leque de procedimentos infindáveis e em constante mudança fruto do avanço dos biomateriais, conhecimento de biomecânica e terapêuticas regenerativas e da crescente necessidade dos cuidados de ortopedia não só pelo envelhecimento da população mas também pelo número cada vez maior de praticantes de desporto (desde a pessoa que só faz manutenção a passar pelo atleta de alta competição ou pelos de meia idade que acham que têm um organismo de 16 anos). É ter a capacidade: de resolver situações emergentes, de stress e life saving como no doente politraumatizado; resolver deformidades em crianças, adolescentes e adultos que condicionam a vida dos mesmos; tratar lesões desportivas ou degenerativas que comprometem a qualidade de vida ou capacidade de execução de tarefas laborais. É ter a capacidade de literalmente alterar a vida de uma pessoa, seja porque ela subitamente mudou com um acidente, seja porque ela se tem deteriorado progressivamente até ao ponto de ser impossível viver com qualidade.
Realizamos cirurgias que exigem força, martelos, serras, placas e parafusos, mas também realizamos cirurgias delicadas como reconstruções ligamentares, procedimentos artroscópicos, discetomias cervicais. Tanto operamos fémures como operamos falanges, operamos ancas como operamos punhos, operamos colunas como operamos mãos. Operamos cirurgia emergente, urgente e eletiva. Tanto agimos sobre stress e em contrarrelógio, como operamos sentados a ouvir música. Somos possivelmente a especialidade que lida com a maior diversidade de procedimentos cirúrgicos e dispositivos médicos, sendo por isso não só desafiante, mas ao mesmo tempo exigente.
Assim, atuamos em contexto hospitalar, seja em urgência externa seja em atividade assistencial em consultas e bloco operatório e enfermarias, mas também atuamos em clínicas com doentes que procuram melhoria de qualidade de vida ou sinistrados de acidentes de trabalho ou desportivos. Lidamos com todo o tipo de doentes, de todas as idades e em todo o tipo de cenários e isso exige de nós uma capacidade de adaptação constante e necessidade permanente de saber comunicar com os doentes.

Em que momento do seu percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?
Durante o curso cedo me inclinei para as áreas cirúrgicas e quando terminei o curso estava a considerar seriamente cirurgia geral.
No entanto, durante o ano comum realizei um estágio em ortopedia e rapidamente percebi que seria a escolha ideal para mim.

Quais as principais razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e entusiasmava nesta decisão?
Adorar cirurgia, anatomia, atividade física, o facto de ter uma quantidade incrível de diferentes procedimentos cirúrgicos e patologias e poder ter ao mesmo tempo qualidade de vida. A possibilidade de atuar em diferentes cenários e com diferente tipo de doentes permite que tenhamos uma atividade nada rotineira (dentro do possível claro) e todo um leque de escolha de subespecialidade ou tipo de prática clínica - hospitalar ou extra-hospitalar.
Para além disso, e não menos importante, a empregabilidade da especialidade. Lidamos com uma área do saber que mais ninguém domina e que é essencial - somos precisos em hospitais distritais ou centrais, clínicas, clubes desportivos, seguradoras, etc. Assim temos a possibilidade de trabalhar em exclusividade no público ou privado ou nos dois sectores (por enquanto) e escolher se queremos trabalhar imenso ou ter uma vida mais tranquila dependendo do objetivo de carreira de cada um.

Quais são os principais locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário?
Atualmente, estou numa fase da carreira muito peculiar. Faço parte duma percentagem mínima de ortopedistas portugueses que decidiram realizar uma subespecialização fora de Portugal, integrando um programa de formação que inclui uma vertente clínica e de investigação - clinical research fellowship. Este tipo de programas é quase obrigatório no pós especialidade em país como os Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e tem ganho na última década muita popularidade em países como França, Alemanha, Bélgica, Holanda. São certificados pelos colégios de ortopedia dos países organizadores e pelas sociedades de ortopedia (chamados short term period of surgical training) e podem ser organizados por clínicas/centros de excelência e referência ou por centros universitários. A realidade da organização dos sistemas de saúde nestes países em nada tem a ver com a portuguesa por isso o quotidiano e tipo de atividade é muito diferente e altamente especializada. Estes programas têm uma duração variável de 6 meses a 1 ano sendo que não é raro serem extensíveis a 2 anos ou mesmo mais tempo quando o fellow decide realizar um master ou PhD em centros universitários associados às clínicas/hospitais. Basicamente candidatei-me um ano antes de concluir a especialidade e fui aceite e ingressei já especialista num programa de subespecialização em cirurgia do joelho em Sydney (Austrália) e agora em cirurgia do membro inferior em Adelaide (Austrália).
Em ambos os programas trabalhei/trabalho numa clínica que é centro de referência nestas cidades/regiões tendo por isso uma casuística extremamente elevada no que toca a patologias desta área. A clínica é composta por um grupo de ortopedistas que se juntaram para trabalhar em grupo e depois os doentes são operados em diversos hospitais públicos e privados (o sistema de saúde australiano é muito diferente do nosso). Assim, o meu trabalho clínica passa por assistir e fazer consultas, operar supervisionado ou ajudar em procedimentos cirúrgicos e colaborar no seguimento pós-operatório dos mesmo. Não tenho de momento qualquer atividade de urgência e o trauma que operamos é essencialmente mono trauma – isto porque eu estou a realizar uma subespecialização direcionada para artroplastias e traumatologia desportiva. Aliada a esta atividade, realizo investigação clínica nesta área, passando pela análise de doentes operados, elaboração de bases de dados para estudos prospetivos, elaboração de projetos, publicação de artigos e realização de apresentações, estudos biomecânicos e uma constante atualização sobre temas da área (estudar artigo, etc). Portanto, é uma rotina bem diferente da esmagadora maioria dos recém-especialistas.

Como descreveria o ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/enfermeiros/doentes nos serviços por onde passa? Como é a entreajuda entre os médicos mais e menos experientes?
Para tentar ser útil vou dar o feedback daqui e do serviço onde estava em Portugal. Sobre o meu serviço atual… julgo que todos temos uma imagem do povo Australiano como sendo relaxado e boa onda. Pois bem é mesmo isso. Tratamo-nos todos por “tu”, estamos todos ao mesmo nível (hierarquia e respeito existe sem necessidade de imposições ou tratamentos diferenciados) e todos pela mesma causa: prestação de cuidados de saúde de qualidade. Sem uma filosofia de equipa não se chega a lado nenhum, então na minha especialidade isso é mesmo paradigmático: administrativas, cirurgiões, médicos internistas, sports physicians, enfermeiros, fisioterapeutas, preparadores físicos, tudo tem que estar a funcionar em cadeia. Uma coisa é termos respeito uns pelos outros e reconhecermos quem manda e coordena, outra coisas são hierarquias bacocas e que apenas destroem uma relação de cooperação e confiança.
Em Portugal no meu serviço no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (Hospital de Curry Cabral e Hospital de São José) a relação entre os especialistas e os internos era excelente olhando ao panorama nacional. A ortopedia é de um modo geral uma área com bom ambiente. Claro que existia uma hierarquia rígida e que alguns especialistas gostavam de a vincar e é óbvio que o volume trabalho dos internos era altamente desproporcional versus o dos especialistas, mas havia bom ambiente entre a maioria e imensas oportunidades de crescimento cirúrgico, um treino muito prático e hands-on. Desde cedo somos muito autónomos e ninguém faz baby-sitting. Tínhamos que ser autodidatas e “fazermo-nos à vida”, mas isso faz parte dos internatos cirúrgicos. E a verdade é que quando precisávamos de ajuda existia sempre alguém disponível para ajudar. Entre os internos o ambiente era fora de série: uma relação muito estreita de amizade e zero competitividade entre nós. Havia espaço para todos crescermos a operar, imensas horas de urgência, consulta e bloco operatório partilhadas irmãmente e fora do hospital foram muitas as jantaradas.

Considera que existe idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa? Como é a qualidade de ensino?
Vou falar apenas do serviço onde fiz o internato porque é isso que interessa para a questão. Julgo que o serviço onde estava tem idoneidade para todas as valências. Claro que, à semelhança da esmagadora maioria dos hospitais, tem uma percentagem muito elevada de cirurgia de trauma comparativamente à cirurgia ortopédica, no entanto olhando ao panorama geral era bem acima da média. Tínhamos: 3 salas de bloco operatório no Hospital de Curry Cabral dedicadas à ortopedia e traumatologia que funcionavam até às 15:00 e outras duas a funcionar durante a tarde em cirurgia adicional (artroplastias); uma sala aberta 12h por dia 3 vezes por semana para cirurgia de ambulatório no Hospital de Curry Cabral; 1 sala todos os dias até às 15:00 só para traumatologia no Hospital de São José e mais outra sala dedicada apenas à traumatologia Vertebro-medular 4 vezes por semana; 1 sala até às 15 horas todos os dias dedicada à ortopedia infantil no Hospital Dona Estefânia (o serviço de ortopedia infantil é independente, não faz parte do serviço de ortopedia); blocos operatórios da urgência externa polivalente do Hospital de São José de do Hospital de Dona Estefânia abertos naturalmente todos os dias e 24h por dia. Ao todo tínhamos mais de 90 camas para cirurgia de adultos e mais vinte e qualquer coisa para ortopedia pediátrica. Gabinetes de consulta não faltavam, reuniões semanais científicas/ atualidades do serviço.
Sobre a qualidade de ensino, sublinho o que disse previamente: o internato não é baby-sitting. Portanto se a questão da idoneidade for ter médicos disponíveis a toda a hora para explicar coisas, aulas, etc então isso é apenas utópico. Acho que a qualidade do ensino que me deram foi excelente quer na prática cirúrgica quer na aquisição de capacidades e valências clínicas. Havia ao mesmo tempo responsabilização pelos nossos atos e decisões, e colaboração dos especialistas, análise do nosso percurso e prática clínica. Éramos anualmente submetidos a dois exames (um teórico e de análise curricular e outra com um doente) e obrigados a apresentar temas de revisão e casos clínicos.
Em suma, foi me proporcionado um excelente internato médico pelo serviço de ortopedia e traumatologia do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central. Já não trabalho lá, não teria qualquer necessidade de estar a dizer por dizer.

Existe, no seu trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro, formação complementada noutro centro, …)?
Sem dúvida, até porque isso está preconizado no nosso currículo de formação: a realização opcional de 3 meses opcionais contínuos/separados em centros de referência em ortopedia, nacionais ou internacionais. Porém, os estágios curriculares obrigatórios tinham que ser realizados no meu centro hospitalar por determinação da administração a não ser que não existisse capacidade formativa/disponibilidade (por exemplo, o estágio de neurocirurgia tinha que o fazer no meu centro hospitalar).
No meu caso realizei 4 estágios opcionais de um mês cada em cirurgia do joelho: em São Paulo, Barcelona, Londres, Oxford. Claramente mudaram a minha forma de pensar e foram cruciais no meu desenvolvimento, não só pela aprendizagem em ortopedia, mas também pela rede de contactos e por me permitirem ver e entender que existem diferentes formas de organizar os sistemas de saúde. É bom sair do nosso país para perceber no terreno que não existe só uma maneira de fazer e organizar as coisas - pegamos no que vimos, escolhemos o que mais gostámos e tentamos aplicar na nossa prática clínica e contribuir uma criar uma rede de prestação de cuidados de saúde mais eficaz. Aconselho vivamente seja qual for a especialidade a viajarem e fazerem estágios internacionais. Já para não falar da experiência pessoal que é viver/ trabalhar além-fronteiras.

Como descreveria um dia de trabalho nesta especialidade? Como caracteriza o nível de esforço e de dedicação a que é sujeito diariamente, na sua profissão?
Como já referi uma das coisas mais únicas e interessantes é que é uma especialidade que oferece um leque de oportunidades de carreira muito diversificada. Depende muito se trabalhas apenas num hospital público, apenas numa clínica privada ou se fazes ambas as coisas - és tu que decides o quão ocupado queres estar consoante o teu objetivo de carreira, mas garantidamente que se queres atingir a excelência vais ter uma vida muito preenchida mesmo (o que não é necessariamente mau se gostas do que fazes). Em vez de falar de um modo geral vou explicar como foi no internato e como é agora no meu fellowship.
No internato vou descrever a minha semana sucintamente. Todos os dias, tirando o de urgência, chegava cedo ao serviço e revia rapidamente os pós-operatórios e resolvia situações mais urgentes ou casos que tivessem sido internados e ainda não tivessem sido vistos, e ia então para o bloco operatório ou consulta. Quando acabasse uma destas atividades ia ver os doentes que tinha a meu cargo com calma e planificar a atividade do dia seguinte (programar cirurgias, pensar sobre casos que tivessem aparecido na consulta ou ver o que tinha que resolver na enfermaria no dia seguinte). Dito isto, a semana era: 2ª feira urgência de dia ou então bloco operatório de dia e urgência noite; 3ª feira bloco operatório ou saída de banco; 4ªf bloco operatório e consulta; 5ª feira bloco operatório ou enfermaria; 6ª feira reunião de serviço (podia ter que apresentar temas ou casos) e bloco operatório ou enfermaria. Um período de urgência diurno ou noturno 3 fins-de-semana por mês (contando com a sexta-feira claro).
No meu fellowship: resumindo é operar todos os dias, uma tarde de consulta por semana, mas não todas as semanas, e nos “buracos” fazer investigação clínica/ estudar - sim dá uma média diária de 10- 12horas uns 4 dias por semana, um dia umas 4-6horitas e fins de semana livres - zero urgência, zero trabalho às tantas da matina.
Sobre a segunda pergunta isso é altamente variável e pessoal. Se queres ser career focus e atingir a excelência esperam-te muitas horas de trabalho, muitas pestanas queimadas, horas de stress, mas também alta realização pessoal porque à partida se és career focus gostas do que fazes e a remuneração também é boa comparativamente à maioria das especialidades. Se queres ser um bom clínico, mas não queres ter uma vida focada no trabalho é possível teres uma vida nine to five e pacífica, inclusivamente escolher não ter a vertente pública hospitalar não realizando urgência e mantendo uma boa remuneração. Tudo depende do que cada um quer para a sua vida.

Considera que esta especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies? E relativamente à vida pessoal/familiar?
Mais uma pergunta altamente pessoal e vai de encontro ao que escrevi. Tu escolhes a vida que queres ter. A ortopedia dá te essa possibilidade na certeza, porém, que é impossível na maior parte da carreira procurar a excelência e mil hobbies.
A procura da excelência implica estudo, muitas consultas, muitas horas de bloco operatório pois só com casuística e muito estudo se faz um excelente cirurgião. Mais a mais na ortopedia há uma necessidade de subespecialização para se chegar a esse patamar. Isso não é compatível com um trabalho nine to five com uma agenda pessoal altamente diversificada. Agora não é sinónimo de não ter uma vida pessoal: quanto mais ocupado estás mais tempo tens, parece um contrassenso, mas é uma realidade. Pessoalmente sou bastante career focus, até porque encaro a minha profissão como algo que gosto muito de fazer e não me custa nada trabalhar nesta área. Dito isto sou um tipo normal e adoro fazer mil outras coisas e encontro tempo para as minhas jantaradas com amigos, fazer desporto, ver a bola, atividades outdoors e faço sempre a minha viagem de 3 semanas algures por esse mundo fora. E a verdade é que agora faço-o com mais frequência que muita gente, mas também não paro em casa no sofá e faço por estar ocupado.
Se por outro lado quiseres ser um bom cirurgião e ter uma vida mais descansada e preenchida com outros hobbies também dá perfeitamente.
Um fator muito relevante para a vida familiar e qualidade de vida tem três palavras: serviço de urgência. É sinónimo de fins-de-semana a trabalhar, noites, trabalho por turnos, feriados e condiciona a marcação de férias e de agendamento de cenas que queiras fazer com amigos e família. Em ortopedia, diria que em Portugal 80% dos ortopedistas com menos de 60 anos faz urgência ou em presença física ou em prevenção. Para quem adora urgência são boas notícias, para quem não gosta não são e existem especialidades melhores…
Para finalizar dizer que temos tendência como portugueses a ser fatalistas, e como seres humanos a falar em “preto e branco” ou “copo cheio ou copo vazio”. A carreira é feita por etapas e por escolhas. Inicialmente, a tendência é para nos metermos em tudo, dedicarmo-nos muito ao trabalho e pensar que vai ser sempre assim…, mas não vai e não tem que ser assim. Muitos começaram assim e construíram uma carreira, uma base e depois acionam o travão, ou então não construíram, mas apaixonaram-se por outras coisas na vida e acalmam. Outros serão sempre workaholics.

Relativamente à carga horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)? Ainda nesta questão, o que varia, ao longo dos anos de internato?
Carga de trabalho é pesada como em todas as especialidades cirúrgicas e durante o internato ainda mais. Quem pensa que um internato cirúrgico de qualidade que confira autonomia após a sua conclusão se faz com 40h de trabalho semanal está redondamente enganado. Claro que as horas extra não urgência deveriam ser remuneradas e não são, e que essas horas não são obrigatórias, mas deviam ser. Para dominar os skills cirúrgicos e sobretudo a capacidade de decisão o estudo não chega. São necessárias horas e horas no terreno a captar o saber empírico dos especialistas, a aprender com a experiência pessoal, a ver complicações e como lidar com elas etc. Portanto um dos meus conselhos básicos sempre foi: quem não tem a certeza se quer uma área cirúrgica mais vale a não escolher uma porque é duro quando se gosta e quando não se gosta é muito muito duro e não faz sentido nenhum.
Horas de urgência o meu serviço era exemplar: 12h ordinárias + 12h extraordinárias, não mais que isso (embora no início do internato tivesse feito urgências de 24h) e sempre respeito pelo descanso compensatório: não é para ir trabalhar de saída de banco, só fazemos asneira e não aprendemos nada - segurança para nós e para os doentes. Agora claro, era urgência 3 em 4 fins-de-semana de um mês e maioritariamente em turnos noturnos com imenso trabalho - hospital central fim de linha.
O volume de trabalho não muda durante o internato, pelo contrário aumenta e com ele a responsabilidade. No entanto, a forma como os especialistas olham para ti muda progressivamente consoante o teu percurso. Se fores um(a) bom/boa médico(a) vão reconhecendo o teu valor e respeitando a tua opinião e o teu espaço.

Como interno, como é/foi o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes?
Muita autonomia e com isso muita responsabilidade e trabalho. Mas no fim ficas com melhor formação e com excelente bagagem. Nunca te esqueças que a maior valência de um médico é não só a capacidade de realização de atos, mas também a capacidade de tomada de decisão - tudo vem com o estudo e com o saber empírico do nosso trabalho e dos restantes elementos das equipas.

Quais as subespecialidades pelas quais se poderá optar? Existe liberdade total para esta escolha? Como acontece o processo?
A especialidade tem duas grandes divisões: ortopedia, traumatologia. Dentro da traumatologia inclui- se tudo o que são fraturas e na ortopedia as restantes coisas (o que não é totalmente correto porque uma lesão desportiva ligamentar pode ser traumática, mas de um modo geral é assim que se considera).
Um ortopedista que se queira subespecializar pode: fazer ortopedia e escolher uma região anatómica; fazer só traumatologia com exceção da vertebro-medular; fazer ortopedia e traumatologia de uma região anatómica. Varia muito de país para país, por exemplo nos USA e Canadá existe o conceito desta divisão: cirurgiões que fazem só artroplastias mas de todas as regiões anatómicas; cirurgiões que fazem só traumatologia desportivas mas de todas as articulações; cirurgiões que fazem só coluna vertebral; cirurgiões que fazem só cirurgia de trauma. Olhando ao nosso país e Europa, o mais comum é agrupar nas seguintes áreas:
• cirurgia da coluna
• cirurgia do ombro e cotovelo
• cirurgia do punho, mão e cotovelo
• cirurgia do membro superior
• cirurgia da anca
• cirurgia do joelho
• cirurgia do pé e tornozelo
• cirurgia do membro inferior
• cirurgia oncológica
• ortopedia pediátrica
Em Portugal, só agora vai existindo de uma forma mais comum a subespecialização, sendo que, com a exceção da ortopedia pediátrica, não existem subespecialidades ou programas de formação definidos. Basicamente os cirurgiões vão orientando a sua carreira para uma das áreas e vão estudando, procurando casuística nessa área e realizando cursos. Para que seja possível verdadeiramente subespecializarem-se é necessário que façam parte de uma clínica ou serviço que tenha essa estrutura organizacional e ao dispor profissionais que cobram todas as áreas. Naturalmente, é impossível essa realidade em todas as localidades do país, pelo que muitos ortopedistas fazem um pouco de tudo e a esmagadora maioria tem que saber resolver todo o trauma tirando o que podem referenciar para grandes centros (trauma articular complexo, politraumatizados, cirurgia oncológica, cirurgia pediátrica excluindo o trauma).

Como acontecem os momentos de avaliação? Em que período do ano? Qual o grau de dedicação e maiores dificuldades?
Quando era interno existiam dois momento de avaliação por ano (Fevereiro e Outubro): um para avaliação curricular e teórico sendo um exame oral; outro com um doente em que fazíamos uma avaliação completa do doente, história clínica clássica, diagnóstico, proposta terapêutica e prognóstico e claro que todos esses passos eram escritos e bem justificados, depois cada parte era discutida com o júri. Esta história clínica atualmente já não existe e foi substituída por discussão de casos clínicos selecionados pelo júri. O júri é composto por 3 elementos: o diretor de serviço, o tutor e outro elemento designado do corpo clínico. A nota final de cada ano tinha como base estes dois períodos de avaliação, a avaliação das apresentações feitas no serviço ao longo do ano e uma análise subjetiva da prestação do interno. Estas notas entram depois para a nota final do internato e tem um peso (já não me recordo qual) na nota do exame final com o Colégio da Especialidade.
Sobre o grau de dedicação… é preciso estudar, claro, porque ninguém quer fazer má figura. Se queres ganhar o respeito dos teus pares tens que ser sério e demonstrar que sabes o que andas a fazer. Infelizmente, o tempo de preparação é zero, isto é, ninguém te dá menos trabalho ou te dispensa de trabalho porque tens exame. Tens que te orientar e isso é o mais difícil.

Qual diria ser a maior dificuldade que encontra nesta especialidade?
Ter que fazer urgência. Para mim, de longe a pior coisa. Gosto muito do trauma eletivo, mas odeio fazer serviço noturno, trabalhar aos fins-de-semana, feriados e ter sempre que pensar duas vezes quando combino férias ou atividades porque posso estar de urgência.
De resto, para quem gosta de bloco operatório, mas não gosta muito é uma especialidade terrível porque é onde passamos a maioria do tempo (não é por nada que em inglês não se ortopedista, mas sim orthopaedic surgeon). Eu adoro essa atividade por isso isto é um dos grandes pontos fortes da especialidade para mim.

Quais os principais fatores positivos na sua especialidade?
Por pontos e de forma sucinta:
• juntar a arte, conhecimento, engenho para alterar o curso da vida de uma pessoa
• cirurgia altamente diversificada: do mais preciso e meticuloso passando por cirurgia pesada; da cirurgia programada, à de urgência ou life saving
• patologia pediátrica, do adulto jovem, do desportista e patologia degenerativa - lidamos com todos escalões etários e com todo o tipo de doentes
• envolve biomecânica que é toda uma nova área do saber
• dispositivos e técnicas em constante mudança e aperfeiçoamento
• possível trabalhar em diferentes cenários: hospital, urgência, clínicas
• empregabilidade: especialidade que lida com uma área única do saber médico sendo necessária em hospitais distritais, centrais, clínicas ou seguradoras.

Como descreveria a sua especialidade em relação à possibilidade de:
Progressão de carreira – Do ponto de vista da carreira hospitalar não sei responder porque isso cheira-me que será algo do passado tendo em conta o contexto da última década… Mas se se referem à progressão de carreira no que diz respeito à evolução do conhecimento e aquisição de valências julgo que há todo um mar de oportunidades. Na minha opinião a diferenciação é o caminho e acredito numa sociedade onde reina a meritocracia apesar de não ser o que se verifica. Como já referi existem muitas áreas de subespecialização em permanente inovação que uma pessoa pode escolher para se focar e se diferenciar. Portanto há muito espaço para crescer. Para além disso, existe um mundo de sociedades internacionais que desenvolvem cursos, webinars, cursos em cadáver, conferências e educação online que ajudam à aquisição de conhecimento e faculdades.
Enveredar pela carreira investigacional – Existem imensas áreas: biomecânica, engenharia de tecidos, regeneração celular, biomateriais/tribologia, e case control studies (estudos clínicos multicêntricos, ensaios clínicos randomizados, estudos retrospetivos). Há uma crescente procura por publicações e a indústria médica de dispositivos e fármacos investe milhões em ortopedia porque a tendência é de crescimento do mercado com o aumento da atividade desportiva em todos os escalões etários e com envelhecimento da população. Para além disso, existem programas de research fellowships, clinical research fellowships com grupos de engenheiros, biólogos, e fisiologistas mortinhos para trabalhar com ortopedistas ou internos da especialidade. Assim, há a possibilidade de manter atividade clínica e ligação à investigação ou simplesmente enveredar pela carreira de investigação integrando equipas dedicadas ou mesmo trabalhar como consultor de empresas de materiais. E claro que existe a vertente do ensino universitário para quem gosta.
Constante inovação científica – Transcrevendo, há uma crescente procura por publicações e a indústria médica de dispositivos e fármacos investe milhões em ortopedia porque a tendência é de crescimento de mercado com o aumento da atividade desportiva em todos os escalões etários e com envelhecimento da população. Portanto imensa e constante inovação e quem não a acompanhar fica para trás.
Oportunidades de trabalho tanto no setor privado como público – Talvez das especialidades que acaba por ter mais oferta porque: hospitais distritais e centrais precisam de ortopedistas (especialidade cirúrgica básica), hospitais privados, clínicas privadas, seguradoras todos precisam da especialidade e há imensos doentes: acidentes desportivos, acidentes de trabalho, envelhecimento da população, procura de melhoria de qualidade de vida/atividade diária.
Dependendo dos objetivos de carreira de cada um pode ser mais ou menos fácil encontrar emprego na área/subespecialidade/instituição desejada, mas ele existe.

Escolhia novamente esta especialidade? Está a corresponder às expectativas que tinha? Quais foram as principais surpresas?
Sem sombra de dúvida. Totalmente. Surpresas:
• o mundo de subespecialidades, a diversidade áreas a que me posso dedicar ainda se revelaram maiores do que esperava.
• a importância de integrar o doente no tratamento e inclusão de todos os profissionais de saúde é a um nível acima do esperado - sem a colaboração e compliance de todos o sucesso do tratamento fica comprometido; mas isso torna o dia-a-dia ainda mais dinâmico.
• a velocidade com que novas técnicas e tratamentos são publicados - a atividade científica em torno da ortopedia e traumatologia é incrível.

Diria que é necessário mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se prosseguir esta especialidade?
Diria que é preciso paixão pelo que se faz e todo o resto vem por acréscimo.
Não nego que se uma pessoa for desastrada com as mãos (clumsy é a expressão adequada) ou se não souber lidar bem com o stress e responsabilidade cirúrgica terá sérias dificuldades. Mas de resto não é necessário grandes talentos ou capacidades intelectuais: tudo se faz com trabalho, estudo e prática. Uns precisam de menos horas para atingir certos patamares, mas ser um bom ortopedista está ao alcance de todos os que se esforçarem e gostarem do que fazem.

Tem alguma consideração importante a fazer que ainda não tenha sido abordada?
Sem qualquer tipo de paternalismos ou só por estar deste lado já digo a quem está a tirar o curso:
• desfrutem ao máximo toda a vertente da vida estudantil na FMUC: são momentos únicos, incríveis e eternos.
• se não sabem o que querem ainda não desesperem porque têm muito tempo para descobrir e será quando chegarem ao terreno no ano comum que vão ganhar mais certezas.
• a primeira grande descoberta que terão que fazer passa por saberem se querem uma área médica, médico-cirúrgica, cirúrgica, investigação ou se querem uma área que lide pouco com doentes (não existe problema nenhum nisso, há pessoas que simplesmente não foram talhadas ou não gostam da relação médico doente - desde que nunca se esqueçam que estão a prestar cuidados de saúde e que têm que ter sensibilidade e disponibilidade para fazer alguns sacrifícios).
• escolham não só a pensar no que gostariam de fazer nos próximos 5 anos, mas sim no que gostariam de fazer nos próximos 30 anos.
• dêem o máximo no estudo do exame para a especialidade, mas nunca se esqueçam que não é o fim da linha, nem pouco mais ou menos: isto é um caminho, os estudantes de medicina e os médicos estão habituados a um caminho direto, reto e plano, mas a vida não é assim. Ela tem obstáculos e há que virar à esquerda, direita, subir descer e vamos chegar ao objetivo. Não entrem no fatalismo porque esse é apenas um obstáculo ao vosso sucesso.

Texto redigido com a ajuda do Dr. Francisco Requicha, especialista de Ortopedia







#7 – Cirurgia Geral


O que significa ser médico desta especialidade? Quais são as principais frentes de ação?

Ser cirurgião é saber resolver a maioria dos problemas, sob pressões, sem ceder. É conseguir abordar todo o doente cirúrgico, não se focando apenas num órgão ou sistema, e conseguir dar apoio a várias especialidades médicas e cirúrgicas. É integrar conhecimentos de vária áreas (cirurgia, oncologia, imagiologia, anatomia patológica, intensivismo, trauma) e gerir o doente da melhor maneira.
A Cirurgia atua em várias frentes, desde o bloco operatório à consulta externa, enfermaria e urgência. É uma especialidade que está presente em todos os Serviços de Urgência do SNS.

Em que momento do seu percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?
Durante o MIM nunca me despertou interesse as cadeiras de cirurgia geral. Tirando Propedêutica Cirúrgica, pela semiologia mas também pela forma pragmática de realizar o exame objetivo. Infelizmente o curso tem pouca prática clínica e tem muitas limitações a demonstrar realmente o que é a Cirurgia Geral. Penso que isso tem vindo a mudar. Foi apenas no Internato do Ano Comum, quando fiz o estágio de Cirurgia e entrei no Bloco Operatório que tive certeza que era o que queria fazer o resto da minha vida.

Quais as principais razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e entusiasmava nesta decisão?
O que mais me entusiasmou foi a capacidade de resolver um problema ao doente de forma prática. E de ter possibilidade de curar verdadeiramente o doente. Não sei se têm noção, mas há muitas poucas ofertas terapêuticas que têm capacidade de curar. A maioria alivia ou evita a progressão das doenças. A cirurgia pode curar. E depois sabia que não queria uma área que se dedicasse apenas a um órgão ou sistema, mas que tivesse uma grande área de atuação (bloco, enfermaria, urgência) com rotinas diferentes e com possibilidade de fazer diferentes cirurgias, em diferentes áreas do corpo humano. Além disse, sempre gostei da área de trauma, cuja Cirurgia Geral é o grande pilar de abordagem ao politraumatizado.

Quais são os principais locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário?
O local mais frequente é o Bloco Operatório. Contudo, durante o internato passamos muito tempo também na Enfermaria. Apesar de para os internos de cirurgia ser “menos agradável” é na enfermaria que podemos observar a recuperação dos nossos doentes e equilibrar medicamente os doentes (sim, distúrbios hidroeletrolíticos, nutrição, infeções respiratórias e urinárias). O cirurgião geral também tem que ser internista.

Como descreveria o ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/enfermeiros/doentes nos serviços por onde passa? Como é a entreajuda entre os médicos mais e menos experientes?
Do que diz respeito ao meu internato, ainda não tive possibilidade de sair do CHUC. No meu ano comum, durante o estágio de Cirurgia, como foi feito num hospital distrital, com uma equipa mais pequena, o ambiente era diferente.
Atualmente, o Serviço de Cirurgia Geral do CHUC está dividido em sectores e é um serviço com um corpo clínico enorme. Daí a parte de a relação interpessoal estar mais dissolvida. Contudo, são os internos mais velhos que acabam por ajudar mais os internos mais novos. Na minha experiência foi com os internos mais velhos que aprendi os gestos básicos. Posteriormente, ao longo do internado, vai-se sentindo a ajuda dos especialistas.

Considera que existe idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa? Como é a qualidade de ensino?
Dado o campo de atuação da Cirurgia ser enorme, e dada a patologia que abordamos ter uma prevalência grande, penso que a maioria dos hospitais tem capacidade para idoneidade. Os que não têm oferecem possibilidade de colmatar essa falha ao realizar estágios em hospitais centrais. O ensino depende muito do tipo de hospital (distrital vs. central) e das áreas que esse hospital dispõe. No CHUC, por exemplo, não fazemos cirurgia da mama (é a Ginecologia) e raramente cirurgia de patologia venosa ou arterial periférica. Também não temos unidade de Pé Diabético (está ao cargo da Ortopedia e Cir Vascular). Noutros hospitais, sem essas especialidades, acaba por ser a Cirurgia Geral a orientar esses doentes.

Existe, no seu trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro, formação complementada noutro centro, …)?
Sim. Durante o internato somos incentivados a realizar estágio no estrangeiro. Podemos ter uma área de gosto, mas tem que ser discutido com o orientador de formação e o Diretor de Serviço.

Como descreveria um dia de trabalho nesta especialidade? Como caracteriza o nível de esforço e de dedicação a que é sujeito diariamente, na sua profissão?
Para ser Cirurgião Geral é necessária dedicação. E é necessário saber que alguns dos objetivos de vida pessoal vão passar para segundo plano. O trabalho começa, durante o internato, por orientar a Enfermaria, passar visita, observar e examinar os doentes e alterar as tabelas terapêuticas. Depois temos o bloco operatório central ou periférico (cirurgias mais pequenas sob anestesia local). Em alguns dias não há tempo para almoçar. Temos uma tarde por semana para consulta externa. Geralmente depois do bloco voltamos à enfermaria para terminar as altas que não foram dadas de manhã e para ver os resultados dos exames complementares. Fazemos 12 a 48h de urgência por semana, em turnos de 12h ou 24h, com descanso compensatório no dia seguinte caso seja feita noite ou 24h.

Considera que esta especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies? E relativamente à vida pessoal/familiar?
Sim, é possível. O segredo está em saber gerir o tempo que temos e saber quando precisamos de trabalhar e quando temos tempo para “o resto”. Durante o meu internato continuei a fazer os meus hobbies, embora de forma menos frequente.

Relativamente à carga horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)? Ainda nesta questão, o que varia, ao longo dos anos de internato?
A carga horária é enorme. Há semanas (raras) em que passamos as 80 horas. Fazemos muitas horas extraordinárias de urgência. Temos trabalhos para fazer, bases de dados para completar e artigos para escrever. Isto é transversal em todos os hospitais, em todas as especialidades. Há locais com mais ou menos necessidade de “trabalho extra”. Ao longo do internato aumenta a responsabilidade. As horas de urgência “extra” acabam por ser similares em todos os anos.

Como interno, como é/foi o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes?
É um fator que se sente ao longo do internato. No final do primeiro ano deveremos ser capazes de colocar acessos venosos centrais ou drenos torácicos sem supervisão. E ainda de realizar pequenas cirurgias (sob anestesia local). Ao longo do internato vamos fazendo cada vez procedimentos mais complexos com ajuda de um cirurgião. Às vezes, em procedimentos mais simples (apendicectomias, abcessos perianais) os internos mais velhos ajudam os mais novos no bloco operatório, com um cirurgião a supervisionar.

Quais as subespecialidades pelas quais se poderá optar? Existe liberdade total para esta escolha? Como acontece o processo?
A vantagem da Cirurgia Geral é a diversidade de áreas nas que podemos diferenciar. Isso depende do tipo de Hospital. Quanto mais central, mais a tendência para subespecialização. A grande maioria dos doentes terá patologia do sistema digestivo; dentro desta, há subespecialidades em cirurgia esofago-gástrica, cirurgia bariátrica, cirurgia hepatobiliopancreática, cirurgia colorretal, transplantação hepática; há ainda cirurgia endócrina (tiróide, paratiróide, suprarrenal); cirurgia da mama; cirurgia de emergência e politraumatizado; e, em alguns hospitais periféricos, pequenos procedimentos de urologia, ginecologia, cirurgia maxilo-facial e cirurgia vascular. Há unidades ainda de Parede Abdominal Complexa e Pé Diabético. O processo dá-se ao longo do internato, depende das oportunidades. Contudo, ao acabarmos o internado, podemos apenas ter vaga num hospital numa determinada área… Portanto, depende muito da oferta de ano para ano.

Como acontecem os momentos de avaliação? Em que período do ano? Qual o grau de dedicação e maiores dificuldades?
No CHUC há um exame anual (geralmente no primeiro trimestre) com júri constituído pelo Diretor e pelo Orientador de Formação. Nos últimos anos realiza-se uma história clínica. Nos outros anos apenas é discussão curricular com perguntas teóricas orais. O estudo deve ser feito ao longo do internato. Contudo, muitas vezes não há tempo para ler todas as guidelines e artigos que são precisos. Nas semanas antes do exame gerimos o tempo de forma a fazê-lo.

Qual diria ser a maior dificuldade que encontra nesta especialidade?
O nível de dedicação e horas de sono em falta.

Quais os principais fatores positivos na sua especialidade?
Autonomia precoce, rotinas diárias diferentes, vários campos de atuação.

Como descreveria a sua especialidade em relação à possibilidade de:
Progressão de carreira – infelizmente, é como em qualquer outra especialidade e os concursos para isso são poucos.
Enveredar pela carreira investigacional – É possível fazer investigação, especialmente num Centro Hospitalar e Universitário, estando ligado à Faculdade respetiva.
Oportunidades de trabalho tanto no setor privado como público – Felizmente também, dada a prevalência da patologia, penso haver sempre lugar para a cirurgia geral no sector privado.

Escolhia novamente esta especialidade? Está a corresponder às expectativas que tinha? Quais foram as principais surpresas?
Sim, sem dúvida. É a melhor especialidade das 50 e tais. Penso que depende de caso para caso, mas integrei-me bem no meu Serviço. O importante é trabalhar e dedicar-se. Há dias menos bons, como em qualquer trabalho. O importante é aprender com isso.

Diria que é necessário mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se prosseguir esta especialidade?
Sinceramente, ambos. Há pessoas que não têm destreza para cirurgia. Ninguém nasce ensinado, e muitas das técnicas vão-se aperfeiçoando ao longo dos anos. É importante treinar, ler e estudar antes das intervenções. Não é preciso ter nenhum talento inato para operar, mas há que reconhecer limitações.

Tem alguma consideração importante a fazer que ainda não tenha sido abordada?
A experiência do internato varia de hospital para hospital. O importante é perceber que querem mesmo ser Cirurgiões Gerais. Se for esse o caminho, tudo é mais fácil.

Texto redigido com a ajuda do Dr. João Simões, interno de Cirurgia Geral no CHUC







#8 – Cardiologia


O que significa ser médico desta especialidade? Quais são as principais frentes de ação?
Cardiologia é uma especialidade com a qual muito me identifico, com a sua componente clínica, de intervenção (seja tecnicamente ou em saúde pública), educação e investigação, acompanhado por uma vontade de querer mais, mas com qualidade.

Em que momento do seu percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?
A primeira vez que considerei realmente a especialidade de Cardiologia foi na aula de apresentação da cadeira de Cardiologia pelo Professor Lino Gonçalves. No seu discurso, o Professor apresentou a cadeira/especialidade como desafiante, inovadora, mas transversal a uma grande população de doentes. Achei mesmo inspirador!

Quais as principais razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e entusiasmava nesta decisão?
Acho que além de considerar extremamente desafiante, é uma especialidade com imensas áreas de intervenção: cardiologia de intervenção, imagiologia, saúde pública, clínica e investigacional.

Quais são os principais locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário?
Como interno de especialidade, a minha rotina diária envolve o internamento de doentes. No entanto, ao longo dos diferentes estágios, vamos passando no local de realização de ecocardiografia, sala de hemodinâmica, sala de pacemaker, etc.

Como descreveria o ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/enfermeiros/doentes nos serviços por onde passa? Como é a entreajuda entre os médicos mais e menos experientes? 
Como em todos os locais existem colegas de trabalho com mais ou menos disponibilidade para ajudar.

Considera que existe idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa? Como é a qualidade de ensino?
Sim. Muito boa! Há especialistas com muita experiência em todas as áreas do internato.

Existe, no seu trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro, formação complementada noutro centro, …)?
Sim. Todos os internos têm oportunidade de fazer o estágio no estrangeiro, organizado pelo Prof. Lino.

Considera que esta especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies? E relativamente à vida pessoal/familiar?
Sem dúvida! Contudo, é preciso uma boa gestão de tempo. Trabalhar quando é para trabalhar e divertir-me quando é altura para isso. Dito isto, por vezes pode ser mais fácil falar do que realmente colocar isto em prática, mas é algo que se vai ganhando prática.

Relativamente à carga horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)? Ainda nesta questão, o que varia, ao longo dos anos de internato?
Em Coimbra, existe uma boa política que protege os internos: não fazemos noites até ao 5º ano, temos urgências extras que não eram pagas até este ano, mas vai ser alterado ainda este ano. A grande alteração é quando se passa para o 5º ano (último ano) e somos considerados já como especialistas. A meu ver existe uma gradual passagem de responsabilidade.

Como interno, como é o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes?
Ainda me encontro no início do internato para responder pormenorizadamente a esta pergunta.

Como acontecem os momentos de avaliação? Em que período do ano? Qual o grau de dedicação e maiores dificuldades?
Acontecem anualmente. Envolve:
● Avaliação curricular
● Realização de colheita de história clínica (2-3 vezes ao longo do internato)
● Avaliação 360 graus (comissão que envolve com o Diretor de Serviço, todos os tutores e o interno mais graduado) onde se discute a nossa performance clínica e investigacional, além da relação interpessoal com os nossos colegas e doentes.

Qual diria ser a maior dificuldade que encontra nesta especialidade?
“Curriculite”, constante atualização do conhecimento e alta exigência na publicação de artigos.

Quais os principais fatores positivos na sua especialidade?
Especialidade com grande componente clínica, interventiva e investigacional. Imensas subespecialidades com grande previsão de crescimento. Disponibilidade de trabalhar no setor público e privado.

Como descreveria a sua especialidade em relação à possibilidade de:
Progressão de carreira – Atualmente, é muito difícil ficar nos grandes centros hospitalares que formam os novos especialistas de Cardiologia.
Enveredar pela carreira investigacional – Há sempre a opção de realizar investigação clínica. Contudo, algo mais translacional ou básico é necessário o contacto com centros de investigação laboratorial.
Constante inovação científica – Tem havido uma constante inovação na parte da Cardiologia de Intervenção e Imagiologia Cardíaca.
Oportunidades de trabalho tanto no setor privado como público – Durante o internato não há muitas oportunidades de trabalhar no sector privado, mas após terminar a especialidade, existem imensas oportunidades.

Escolhia novamente esta especialidade? Está a corresponder às expectativas que tinha? Quais foram as principais surpresas?
Sem dúvida, adoro o contacto com pessoas tão desafiantes e que querem dar o seu melhor pelo doente, fazer a diferença.

Diria que é necessário mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se prosseguir esta especialidade?
Sem dúvida é necessário muito estudo e dedicação para esta especialidade. Estudar para prestar excelentes cuidados ao doente em todas as fases da patologia: desde a fase aguda no Serviço de Urgência à reabilitação e otimização da terapêutica crónica e modificadora de prognóstica. Dedicação para se manter atualizado dos mais recentes ensaios clínicos, ao mesmo tempo que se realiza a própria investigação.

Texto redigido com a ajuda do Dr. Gonçalo Costa, Interno de 1º ano da Especialidade de Cardiologia no CHUC






#9 – Neonatologia

O que significa ser médico desta especialidade? Quais são as principais frentes de ação?
Ser médico neonatologista significa ser pediatra de formação e ter-se dedicado à Pediatria dos mais pequenitos. Implica, portanto: escolher Pediatria como especialidade médica no Internato do Ano Comum, fazer 5 anos de formação em Pediatria (com as valências de Neonatologia e Intensivos Neonatais) e depois do exame final de especialidade, escolher um hospital em que se possa fazer diferenciação em Neonatologia (subespecialidade da Pediatria).
A Neonatologia é a área da Pediatria que trata os recém-nascidos (RN) de termo e RN prematuros (PT).
Somos responsáveis pelos RN de termo, saudáveis, com boa adaptação à vida extrauterina, que ficam em alojamento conjunto com a mãe depois do nascimento. Mas somos também responsáveis pelos RN doentes e RN prematuros que necessitam de cuidados diferenciados, intermédios ou de intensivos, adaptados a cada situação. Nas maternidades da zona centro, estamos presentes em todos os partos.

Em que momento do seu percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?
Sempre senti interesse pela Pediatria! Cliché! Mas quero ser pediatra desde muito cedo. O interesse pela Neonatologia surgiu já na especialidade de Pediatria, durante os estágios de Neonatologia (2º ano de internato) e Cuidados Intensivos Neonatais (4º ano de internato). De tal forma que, mesmo fora dos períodos de estágios, tentei sempre que possível, manter contacto com a Neonatologia e de forma, voluntária, continuava a fazer urgências na maternidade.

Quais as principais razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e entusiasmava nesta decisão?
A Neonatologia tem a parte boa do RN de termo, muito desejado, que nasce sem qualquer patologia, com boa adaptação à vida extrauterina. Simultaneamente somos chamados a intervir nos RN de termo com patologia com diagnóstico pré-natal (com possibilidade de preparação e planeamento) ou diagnóstico ao nascimento e com necessidade de intervenção e orientação. Acompanha-se também pelo desafio da prematuridade (muitas vezes inesperada) com possibilidade de intervir e ajudar estes pequenitos a sobreviver. Os internamentos dos prematuros são internamentos prolongados, cheios de desafio com as várias complicações da prematuridade, que nos trazem muita satisfação quando conseguimos ajudar.

Quais são os principais locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário?
A equipa da neonatologia da minha maternidade divide o seu trabalho diário, de forma rotativa, em dois internamentos diferentes: enfermaria de puérperas e RN (RN termo saudáveis) e unidade de cuidados intensivos neonatais (RN doente e RN prematuro). Tenho também um período de consulta semanal – consulta de follow-up neurológico – onde seguimos grande prematuros (abaixo das 32S ou PN < 1500gr) e/ou RN termo ou PT com risco de lesão neurológica. Trata-se de uma consulta de Pediatria onde incidimos principalmente nas complicações inerentes à prematuridade e avaliação do desenvolvimento nos 2/3 primeiros anos de vida.
Existem consultas com objetivos diferentes na maternidade. Cada um de nós dedica-se a uma área de interesse – risco psicossocial, infeções congénitas, gémeos, Patologia renal, …

Como descreveria o ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/enfermeiros/doentes nos serviços por onde passa? Como é a entreajuda entre os médicos mais e menos experientes?
Trata-se de um serviço com bom ambiente e espírito de entreajuda e trabalho de equipa entre médicos das diferentes especialidades (neonatologia, obstetrícia e anestesia), médicos internos e enfermeiros. É um bom serviço para se trabalhar diariamente.

Considera que existe idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa? Como é a qualidade de ensino?
Fiz tudo cá em Coimbra – Faculdade, Internato do Ano Comum e especialidade de Pediatria. Do ponto de vista de Internato, o Hospital Pediátrico de Coimbra permite uma formação sólida em Pediatria Geral e um contacto precoce com as subespecialidades e patologia rara. Nos primeiros anos de internato, quase que nos perdemos um bocadinho na patologia rara, enquanto ainda estamos a tentar aprender as bases da Pediatria Geral. Do ponto de vista de Neonatologia, durante o internato, as vezes sentimos que “pomos pouco a mão na massa”. Somos muito protegidos principalmente nos prematuros, pela especificidade inerente à reanimação nestes RN. Tudo isso fica diluído após terminar a especialidade e integrando a equipa de Neonatologia, em que os procedimentos sempre que possíveis ficam a nossa cargo para “ganharmos” mão. Sinto que recebi uma boa formação.

Existe, no seu trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro, formação complementada noutro centro, …)?
Existe e é aconselhado. A dificuldade as vezes prende-se com o facto de o serviço ser pequeno e precisar muito de nós para a atividade do dia-a-dia e para a escala de urgência. Eu fiz a formação da Neonatologia na minha maternidade, mas existe sempre a possibilidade de fazer formação / ciclo de estudos especiais em Neonatologia (na totalidade ou numa área em especifica) noutros hospitais.

Como descreveria um dia de trabalho nesta especialidade? Como caracteriza o nível de esforço e de dedicação a que é sujeito diariamente, na sua profissão?
Como expliquei acima tenho uma manhã semanal de consulta e nos restantes dias estou na enfermaria de puérperas e RN ou na UCIN, acompanhado os RN internados (vamos rodando pelos dois internamentos a cada 6 meses). Sou também responsável pela realização de ecografia transfontanelar e ecocardíaca funcional.
Tenho um horário de 40 horas semanais, sendo que pelo menos 12h são de urgência. As nossas urgências começam as 13h da tarde e tem sempre 2 elementos na escala (2 especialistas em neonatologia ou 1 especialista e 1 interno de Pediatria). No horário de urgência passamos a ser responsáveis por todos os RN da maternidade: internados na enfermaria de puérperas e RN e na UCIN e pela sala de partos.
A especialidade de Neonatologia caracteriza-se por alguma imprevisibilidade. A maioria dos partos prematuros são inesperados e nos dias em que nascem prematuros ou RN doentes, podemos passar várias horas seguidas de volta deles (entre entubações, cateterismo, e outros procedimentos mais ou menos invasivos).

Considera que esta especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies? E relativamente à vida pessoal/familiar?
A equipa da maternidade onde trabalho é uma equipa com poucos elementos e envelhecida, o que traz vários turnos de urgência… A nível nacional, é o que acontece em muitas maternidades do país – poucos neonatologistas e pouca renovação da equipa. Mas é o que acontece também noutras especialidades médicas e cirúrgicas neste momento.
Até a data, julgo que dá para conciliar com hobbies e a vida pessoal e familiar! Mas é uma especialidade que tem urgências de noite e ao fim-de-semana, ao contrário de outras!

Relativamente à carga horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)? Ainda nesta questão, o que varia, ao longo dos anos de internato?
Já não sou interna e as minhas respostas referem-se ao período de neonatologia, ou seja, já no pós- internato. Pelo que expliquei acima, trata-se de um serviço pequeno logo bancos de urgência extras. E claro que na fase de formação de Neonatologia, dediquei muitas horas ao serviço. Tinha de tentar aproveitar quando nasciam prematuros e patologias raras para treinar técnicas. Estes casos nem sempre nascem quando estamos no serviço e por isso, às vezes, é preciso estar disponível e ficar de chamada e vir de casa até ganhar treino!

Como interno, como é/foi o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes?
A Neonatologia é uma área muito específica principalmente quando se trata de um prematuro de 24 ou 25 semanas. Quando perceberam o meu interesse mesmo durante o internato, deixaram-me “por a mão na massa”, mas nos maiores. Temos sempre “as costas quentes” e ainda bem quando se trata de meninos tão pequeninos.
Durante o internato, temos de ser treinados enquanto pediatras, a receber RN de termo que precisam de reanimação na sala de partos, orientar as principais patologias do RN e orientar RN PT >32S, estes sim que podem nascer em qualquer hospital (os PT <32S só nascerão em maternidades de apoio perinatal diferenciado). Nestas situações, sinto que recebi uma formação adequada durante o internato. O treino nos prematuros mais pequenos adquiri já enquanto especialista quando me dediquei à área da Neonatologia.

Quais as subespecialidades pelas quais se poderá optar? Existe liberdade total para esta escolha? Como acontece o processo?
A Neonatologia é já uma subespecialidade da Pediatria. A liberdade não é total. Temos de ser colocados num hospital em que exista interesse na nossa diferenciação nesta área e depois da autorização, concorrer a concursos nacionais para ciclo de estudos especiais.

Como acontecem os momentos de avaliação? Em que período do ano? Qual o grau de dedicação e maiores dificuldades?
A subespecialidade de Neonatologia pode ser adquirida por ciclo de estudos especiais ou solicitada equivalência após 2 anos de treino num serviço com apoio perinatal diferenciado depois de entregar CV que será avaliado por um grupo de peritos.

Qual diria ser a maior dificuldade que encontra nesta especialidade?
A abordagem da grande prematuridade e do limite da viabilidade é um dos maiores desafios. É o que nos dá também maior gozo no nosso dia-a-dia, principalmente quando corre tudo pelo melhor, mas é a parte sem dúvida mais difícil e desafiante.

Quais os principais fatores positivos na sua especialidade?
O que conseguimos fazer com os avanços da neonatologia…manter e suportar RN prematuros de 24/25 semanas, cada vez com menos sequelas, é sem dúvida um dos aspectos mais importantes e positivos da nossa especialidade!

Como descreveria a sua especialidade em relação à possibilidade de:
Progressão de carreira – A carreira médica está “paradinha” em qualquer especialidade neste momento…
Enveredar pela carreira investigacional – A investigação em Portugal é com muito boa vontade de todos nós e nos grandes centros, mas não diria que impossível.
Oportunidades de trabalho tanto no setor privado como público – Como neonatologista pode trabalhar no sector público e privado (Lisboa e Porto têm maternidades privadas com unidades de cuidados intensivos que recebem prematuros pelo menos a partir das 32-34S). Pode também fazer consulta de pediatria na privada (somos pediatras na nossa formação de base).

Escolhia novamente esta especialidade? Está a corresponder às expectativas que tinha? Quais foram as principais surpresas?
Escolheria outra vez por todos os motivos acima apresentados. É um desafio diário, mas muito compensador. Quem gosta de técnica, intensivos, de “por a mão na massa” e pequenitos, gosta de neonatologia!

Diria que é necessário mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se prosseguir esta especialidade?
É preciso gostar de adrenalina. As algoritmos de reanimação e as técnicas treinam-se!

Tem alguma consideração importante a fazer que ainda não tenha sido abordada?
Não se esqueçam que a Neonatologia é uma subespecialidade da Pediatria. Primeiro é preciso ser Pediatra!

Texto redigido com a ajuda da Dra. Muriel Ferreira, Médica Neonatologista






#10 - Hematologia Clínica


O que significa ser médico desta especialidade? Quais são as principais frentes de ação?
Esta é uma especialidade que aborda principalmente patologias oncológicas e doenças crónicas, permitindo um contacto mais próximo e duradouro com os doentes. Mais ainda, está em constante evolução científica.
 
Em que momento do seu percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?
Sempre foi uma temática que me interessou. Mas foi apenas no ano comum, quando tive oportunidade de ter um contacto mais próximo e prolongado com ela, que me apercebi que não só as patologias abordadas como também a sua prática clínica me entusiasmavam.
 
Quais as principais razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e entusiasmava nesta decisão?
O que me fez escolher esta especialidade foi o facto de permitir o acompanhamento prolongado dos doentes, com seguimentos que por vezes duram 5 a 10 anos, permitindo-nos ter um contacto próximo com eles. Para além disto, envolve patologias oncológicas, o que faz com que o impacto do nosso trabalho na vida dos doentes seja enorme, podendo até mesmo determinar o prolongamento das suas vidas.
 
Quais são os principais locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário?
Dependendo do hospital, a maioria do trabalho é realizado no internamento, hospital de dia e consulta.
 
Como descreveria o ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/ enfermeiros/doentes nos serviços por onde passa? Como é a entreajuda entre os médicos mais e menos experientes?
Tendo em conta a especificidade do trabalho realizado, muitas vezes os enfermeiros são especializados na área, o que permite uma colaboração mais estreita com eles. Em geral, nos serviços que conheço, há um ambiente de ensino e entreajuda tanto com especialistas como internos.
 
Considera que existe idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa? Como é a qualidade de ensino?
Apesar de Portugal não ser um centro de referência (comparativamente com outros países), temos acesso a todo o tipo de tratamentos e ensaios clínicos, felizmente, o que nos permite ter contacto com todo o tipo de valências da especialidade.
 
Existe, no seu trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro, formação complementada noutro centro, …)?
Sim e, em geral, são incentivados. Principalmente nas áreas em que temos menores números, como o transplante e pediatria.
 
Como descreveria um dia de trabalho nesta especialidade? Como caracteriza o nível de esforço e de dedicação a que é sujeito diariamente, na sua profissão?
A nível do internamento, acaba por ser como qualquer outra especialidade médica. Contudo, há uma necessidade de estudo contínuo, pois apesar de existirem muitos protocolos de tratamento, todos os doentes exigem uma abordagem específica. Ao nível dos números, hospital de dia e consulta, é possível fazer uma boa gestão de tempo e não ter uma carga de trabalho exagerada. Porém, devido ao tipo de patologias, por vezes 20 minutos de consulta não é o ideal.
 
Considera que esta especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies? E relativamente à vida pessoal/familiar?
Sim, com uma boa gestão de tempo, não haverá grande problema em conciliar com outras atividades. Durante o internato poderá sempre ser mais difícil, tendo em conta que existirá sempre muito estudo e trabalhos a realizar, mas, mesmo assim, será sempre possível.
 
Relativamente à carga horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)?
Normalmente, a carga horaria cinge-se às 40 horas semanais, podendo alongar-se um pouco. Em termos de urgências, em alguns hospitais fazem-se 24h (como especialista) e noutros apenas 12h, mas nunca se costuma ultrapassar o estipulado em horário. Com o avançar do internado poderão existir sempre mais responsabilidades, o que poderá incrementar mais algumas horas de trabalho.
 
Como interno, como é/foi o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes?
Estando ainda no primeiro ano, tive a oportunidade de fazer a abordagem ao doente e algumas técnicas, ficando a parte do tratamento e de estudos mais específicos a cargo do especialista.
 
Quais as subespecialidades pelas quais se poderá optar? Existe liberdade total para esta escolha? Como acontece o processo?

Conforme a necessidade do serviço onde estão colocados, poderão ter de se dedicar mais a uma patologia (mieloma múltiplo, doenças linfoproliferativas, coagulação). Contudo, isto vai variando com o tempo e acaba sempre por haver oportunidade para nos dedicarmos mais a um assunto ou outro.

 
Como acontecem os momentos de avaliação? Em que período do ano? Qual o grau de dedicação e maiores dificuldades?
Os momentos de avaliação são feitos no final de cada ano. Não tendo feito ainda nenhuma avaliação, não sei responder ao resto da questão.
 
Qual diria ser a maior dificuldade que encontra nesta especialidade?
A constante evolução dos tratamentos e a dificuldade em consegui-los atempadamente, em algumas circunstâncias.
 
Quais os principais fatores positivos na sua especialidade?
A melhoria permanente dos tratamentos e o impacto que tem na vida dos doentes, tratando-se muitas vezes de situações de vida ou morte.
 
Como descreveria a sua especialidade em relação à possibilidade de:
Enveredar pela carreira investigacional – É uma especialidade que muito prolifera no que toca a investigação e inovação científica, sendo possível seguir uma carreira na investigação, em Portugal ou noutros países.
Oportunidades de trabalho tanto no setor privado como pública – Geralmente, a carreira evolui apenas a nível do setor público, uma vez que poucas são as instituições privadas com envergadura para ter um serviço de hematologia. Há, no entanto, alguma atividade possível de ser feita em sector privado, sobretudo consultas.
 
Escolhia novamente esta especialidade? Está a corresponder às expectativas que tinha? Quais foram as principais surpresas?
Continuaria a ser a minha escolha e está a corresponder às minhas expectativas. Conforme uma pessoa se vai inteirando dos assuntos e se vai envolvendo mais com os doentes, maior é o gosto e vontade de aprender.
 
Diria que é necessário mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se prosseguir esta especialidade?
Sem dúvida que é uma especialidade que exige muito estudo e atualização constante. Porém, penso que as capacidades humanas são as mais importantes para lidar com os doentes afetados por doenças hemato-oncológicas.

Texto redigido com a ajuda da Dra. Mariana Trigo Miranda, Interna de Hematologia Clínica






#11 - Psiquiatria


O que significa ser médico desta especialidade? Quais são as principais frentes de ação?
Ser Psiquiatra não é ter uma especialidade, é uma forma de estar na vida. Com competências clínicas especializadas, é verdade, mas deixando subjacente outra componente que deveria ser transversal a todos os seres humanos: capacidade de empatia e de valorização das emoções positivas, sem descurar a importância das negativas.
Assim, as frentes de ação são: todas. Onde haja pessoas. Por vezes, mesmo na ausência destas, quando estamos sozinhos connosco próprios. Uma velha máxima é: &quot;para podermos compreender e ajudar as pessoas, temos primeiro de nos conhecer a nós próprios&quot;. Com o passar do tempo, esta máxima vai ganhando crescente relevância.
 
Em que momento do seu percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?
A decisão foi linear, descomplicada e apaziguadora. Foi tomada no 4º ano, quando passei pela unidade curricular de Neurociências e Saúde Mental. Antes disso, nunca me ocorrera pensar no “caminho a seguir” - encarava essa escolha como algo longínquo, que preferia protelar. Porém, nesse momento não houve dúvidas. Em diálogo com outros colegas, apercebo-me que os percursos acabam por ser semelhantes. Em alguns casos existe, contudo, desde o início do curso uma tendência ou inclinação natural para a área da Saúde Mental, que se confirma ao concluir a unidade curricular ou estágio clínico na especialidade.
 
Quais as principais razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e entusiasmava nesta decisão?
A principal razão terá sido a possibilidade de poder ajudar pessoas apenas e simplesmente através da comunicação. Como é óbvio, nem todas as situações podem ser resolvidas dessa forma, nem este aspeto é um que diga respeito apenas à Psiquiatria (pode e deve ser aplicado em todas as especialidades). Nesta, porém, será provavelmente onde é mais relevante.
Acrescento o seguinte: embora o aspeto que refiro acima tenha, entre tantos outros, contribuído para a minha escolha e entusiasmo perante a mesma, esta decisão foi tomada com o coração, atendendo àquela que considerei ser a minha vocação e a área onde, provavelmente, seria mais feliz a exercer. Assinalo que ter este princípio em mente não é, nem deve ser, encarado como algo egoísta: um médico que seja feliz a exercer destacar-se-á invariavelmente daquele que não o é, refletindo-se essa diferença no cuidado prestado e no bem-estar do próprio, dos colegas e dos doentes.
 
Quais são os principais locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário?
No internamento (numa das várias enfermarias distribuídas pelos dois pólos - H.U.C e Sobral Cid), serviço de urgência e consulta externa do Hospital.
Há também outros contextos de trabalho assistencial, mais específicos, como as Equipas de Saúde Mental Comunitária (que se deslocam a Centros de Saúde e/ou ao domicílio de doentes em áreas descentralizadas do distrito de Coimbra), a Unidade de Alcoologia, a Psiquiatria Forense, entre outros.
 
Como descreveria o ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/ enfermeiros/doentes nos serviços por onde passa? Como é a entreajuda entre os médicos mais e menos experientes?
Estes aspetos podem variar substancialmente entre estabelecimentos/centros hospitalares. No CHUC, felizmente, há um ambiente bastante positivo nas equipas. Acredito que as competências comunicacionais essenciais para o desempenho bem-sucedido nesta área acabam por ser aplicadas também no quotidiano da maioria dessas pessoas. É dada uma maior atenção à criação de boas relações laborais, à minimização de situações de conflituosidade e ao espírito de entreajuda entre profissionais. Tudo isto permite um desempenho mais prazeroso e, no fundo, mais fácil da nossa profissão, algo que tem relevância principalmente a longo prazo (reduzindo em muito a probabilidade de burnout, por exemplo).
 
Considera que existe idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa? Como é a qualidade de ensino?
O CHUC apresenta idoneidade na maior parte das valências, com uma ou outra exceção que pode ser devidamente acautelada ao longo do internato. A formação é, de um modo geral, muito boa, também fruto da grande disponibilidade dos Psiquiatras especialistas em partilhar o seu saber e esclarecer dúvidas. Além disso, como hospital central, recebe um grande volume e variedade de doentes, com uma multiplicidade de características sociodemográficas e clínicas, enriquecendo a nossa aprendizagem.
 
Existe, no seu trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro, formação complementada noutro centro, …)?
Sim. Estão contemplados, na portaria do internato de Psiquiatria, 6 meses para a realização de valências opcionais. A realização destes estágios no estrangeiro é até incentivada, principalmente nos que forem de referência nas respetivas áreas.
Relativamente à realização de estágios noutros centros a nível nacional (e fora deste âmbito opcional), existe essa possibilidade, embora esse pedido tenha de ser muito bem justificado, nomeadamente quanto à pertinência daquele local específico para a realização desse estágio em detrimento da instituição de origem. À partida, existe idoneidade para a realização do mesmo no CHUC, com boa qualidade formativa.
 
Como descreveria um dia de trabalho nesta especialidade? Como caracteriza o nível de esforço e de dedicação a que é sujeito diariamente, na sua profissão?
Uma semana de trabalho típica inclui um a dois turnos de 12h de urgência (diurnos e/ou noturnos), um a três períodos de consulta (que pode ser de Psiquiatria Geral e/ou de uma subespecialidade da Psiquiatria), sendo que um período corresponde, geralmente, a uma manhã ou uma tarde, com duração aproximada de 3 a 4 horas. Durante o restante tempo, faz-se atividade assistencial em serviço de internamento. Esta distribuição permitirá, com grande probabilidade, não exceder as 40 horas de trabalho semanal. Haverá ainda tempo para, no caso dos médicos internos, assistir a atividades formativas, estudar ou preparar trabalhos, tudo dentro das 40 horas.
Dependendo do contexto (internamento, urgência ou consulta), a intensidade do trabalho pode variar. Porém, é um dado relativamente adquirido que na Psiquiatria é preciso mais tempo para cada observação do que na maioria das restantes especialidades (e esse pressuposto acaba por ser, no geral, tido em conta e respeitado, tanto a nível de organização interna como de administração superior).
Um dia típico de trabalho envolve o diálogo com alguns doentes (em contexto de urgência, com duração esperada de 10-15 minutos com cada doente; até 1 hora ou até mais em situação de primeira consulta ou de internamento), havendo ainda lugar para discussão com os restantes elementos da equipa que o acompanham (outros médicos, enfermeiros, assistentes sociais, etc.) ou com familiares e/ou outros entes significativos.
Apesar de cada entrevista clínica poder ser algo desgastante (principalmente quando é preciso entrar em maior detalhe ou ultrapassar alguma resistência por parte do doente em debater determinados assuntos), acaba por haver sempre tempo para tudo. Deste modo, geralmente, não existem níveis de stresse de base elevados que poderiam comprometer o bom desempenho das nossas funções.
 
Considera que esta especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies? E relativamente à vida pessoal/familiar?
Sem dúvida! Comparativamente a muitas outras especialidades, o nosso horário é leve e flexível. Caberá a cada um o envolvimento em atividades de lazer e desenvolvimento pessoal, mas isso trata-se em grande medida da gestão pessoal e preferências de cada um. Da mesma forma, é perfeitamente possível conciliar a carreira com uma vida pessoal e familiar preenchida.
É importante frisar que a Psiquiatria anda, frequentemente, de mãos dadas com a cultura, pelo que o investimento em atividades deste cariz (literatura, música, outros tipos de arte) acaba por trazer, muitas vezes, retorno a nível pessoal e profissional.
 
Relativamente à carga horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)? Ainda nesta questão, o que varia, ao longo dos anos de internato?
A estrutura base da semana de trabalho foi já descrita.
No início do internato, a carga horária é reduzida, uma vez que a atividade é quase exclusivamente observacional e fornece vários momentos para investir na componente teórica. No decorrer do 1º ano, os internos iniciam o apoio ao Serviço de Urgência de Psiquiatria, exclusivamente em turnos de 12 horas diurnos. No 2º ano, iniciam a própria consulta, de forma autónoma e começam a fazer turnos noturnos de urgência (12 horas). A carga de trabalho também depende e reflete, em cada momento do internato, o estágio em que o interno se encontra, havendo algumas diferenças entre estágios a esse respeito. Até ao final do internato, vai-se aumentando essencialmente a carga em consulta (com um aumento progressivo do ficheiro de cada um) e em atividades formativas, como participação em projetos de investigação, lecionação em colaboração com a FMUC, etc.
O horário de trabalho de base não subentende uma sobrecarga laboral. Dependendo do investimento que cada um pretende fazer na formação, ele poderá ficar mais ou menos ocupado. No CHUC, transversalmente a todas as especialidades, esse investimento é bastante incentivado, pelo que no final do internato é provável que haja o envolvimento em várias atividades desse género.
 
Como interno, como é/foi o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes?
Na minha opinião, o adequado. Há um período inicial de aprendizagem, essencialmente observacional, transitando gradualmente para o contacto direto com os doentes, mas sempre tutorizado. Quando o interno se sente confortável em assumir funções com maior autonomia, tem também essa liberdade.
 
Quais as subespecialidades pelas quais se poderá optar? Existe liberdade total para esta escolha? Como acontece o processo?
Na Psiquiatria existem várias subespecialidades, grande parte delas com consulta respetiva no CHUC. Alguns exemplos são: perturbação obsessiva-compulsiva; primeiro episódio psicótico; prevenção do suicídio; gerontopsiquiatria; perturbações do comportamento alimentar; psiquiatria de ligação às doenças do movimento; perturbações do neurodesenvolvimento; medicina psicossomática; adições; entre outras.
Tradicionalmente, a escolha das subespecialidades por parte dos internos é feita sob influência do Orientador de Formação. Porém, nos últimos anos, tem havido uma tentativa de permitir um fluxo mais livre e escolha independente do orientador, fornecendo aos internos a possibilidade de contactar com cada uma destas ao longo da sua formação, de forma a fazer uma escolha mais informada.
 
Como acontecem os momentos de avaliação? Em que período do ano? Qual o grau de dedicação e maiores dificuldades?
Atualmente, há 3 momentos de avaliação intercalar ao longo do internato (excluindo o exame final para aquisição do grau de Especialista), seguindo-se aos estágios de maior duração - internamento feminino/masculino e hospital de dia.
O exame intercalar, em termos de estrutura, consiste na colheita de uma história clínica sobre um/a doente do respetivo serviço onde o estágio foi realizado. Esta história será apresentada, num momento formal, a um júri constituído pelo/a Orientador/a, Tutor/a desse estágio e Diretor de Serviço. Há, adicionalmente, espaço para debater aspetos formais e teóricos dessa mesma história clínica, bem como expor e discutir o currículo e relatório de atividades do período transato. Finalmente, existe um breve exame oral com questões teóricas.
Embora sejam sempre momentos de alguma tensão, o primeiro exame acaba por ser o mais marcante e gerador de stresse e ansiedade. Os exames posteriores vão sendo, gradualmente, encarados com maior naturalidade, quase como se de uma mera formalidade se tratasse.
Ao longo do internato vamos, naturalmente, estudando todos os conteúdos que acabam por ser perguntados e abordados nos momentos de exame, pelo que o estudo nas semanas e dias prévios ao exame acaba por consistir mais numa espécie de revisão de matéria e conteúdos.
 
Qual diria ser a maior dificuldade que encontra nesta especialidade?
Confrontar-nos com situações de doentes que se recusam a aceitar que precisam de ajuda. Apesar de ser uma grande dificuldade, encaro-a como um fator desafiante, já que a relação médico-doente nestes casos assume uma importância vital.
 
Quais os principais fatores positivos na sua especialidade?
Destaco três:
1. A sensação de gratidão em conseguir ajudar os outros com poucos recursos - muitas vezes, simplesmente através da comunicação;
2. O aprofundamento do conhecimento do Ser Humano e das suas emoções, cognições e comportamentos;
3. O desenvolvimento da empatia como a mais poderosa ferramenta terapêutica – o verdadeiro solvente das relações humanas.
 
Como descreveria a sua especialidade em relação à possibilidade de:
Progressão de carreira – Julgo que idêntica a qualquer outra – é possível, desde que haja vontade.
Enveredar pela carreira investigacional – Está previsto que a geração que começa agora a dar os primeiros passos na Medicina irá, ao longo da sua carreira, enfrentar o &quot;boom&quot; de conhecimento na área da Psiquiatria. Ainda sabemos muito pouca coisa, mas os mecanismos neurobiológicos são cada vez mais relevantes e, a próxima geração vai ser responsável por esses grandes desenvolvimentos que irão revolucionar a prática psiquiátrica. Para além disso, a aliança já antiga, mas sempre atual e cada vez mais relevante, entre a Psiquiatria e outras áreas muito relevantes do Saber, como a Psicologia, abre portas a uma multiplicidade de campos de investigação, tais como: o desenvolvimento de instrumentos de diagnóstico para fins clínicos e de investigação; desenvolvimento e validação de instrumentos de avaliação psicológica; implementação de programas de prevenção e intervenção psicoterapêuticos, entre outras.
Constante inovação científica – Tal como mencionado na resposta anterior, será muito provavelmente na nossa geração que encontraremos a maior revolução na Psiquiatria como a conhecemos. Vamos ter muitas novidades a breve e longo prazo.
Oportunidades de trabalho tanto no setor privado como público – Existe muita procura no setor privado e prevê-se que seja cada vez maior. Relativamente ao setor público, são muitos os estabelecimentos do SNS por todo o país que têm a especialidade de Psiquiatria, sendo que existe alguma variância quanto à oferta assistencial entre eles, sobretudo nos mais pequenos/distritais. Estes podem, por exemplo, ter apenas serviço de consulta externa (e não internamento ou serviço de urgência). Assim sendo, é frequente abrirem concursos para vagas de assistente hospitalar de Psiquiatria.
 
Escolhia novamente esta especialidade? Está a corresponder às expectativas que tinha? Quais foram as principais surpresas?
Tinha 99% de certeza quando escolhi. Desde então (e sem algum momento de arrependimento), é um 100% seguro.
Diria que a principal surpresa foi perceber o avanço que está a ser feito em termos de investigação, na área da Saúde Mental. É algo que me deixa otimista e com vontade de fazer parte do que está para vir!
 
Diria que é necessário mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se prosseguir esta especialidade?
Não descurando a vertente teórica e a importância do esforço para TUDO na vida, é essencial que um bom Psiquiatria tenha boas competências de comunicação, seja observador e empático. Estas competências, esta arte, geralmente já “vem com a pessoa&quot;, embora possa ser desenvolvida e melhorada com os anos e seja previsível que assim seja. Assim, pessoalmente, valorizaria mais a componente &quot;talento&quot;. Voltemos a uma das questões iniciais, em que vos confessei que escolhi com o coração. Talvez esta pergunta feita a diferentes pessoas fosse, de todas, a que teria maior variabilidade nas respostas. A natureza da resposta é, provavelmente, um reflexo bastante fiel da natureza da pessoa. Mas para vos provar o meu ponto, desafio-vos a imaginarem o Dr. House como Psiquiatra, independentemente de todo o seu conhecimento teórico.
 
Tem alguma consideração importante a fazer que ainda não tenha sido abordada?
Quando escolherem, escolham o que acreditam que vos fará felizes.
Se, após a escolha, não forem felizes… escolham outra vez. Não tenham pressa. Nesse caso, repetir o exame nunca será um ano perdido: será sempre um ano a ganhar e cada um de vós deve isso a si próprio – escolher ser feliz para o resto da vida. O trabalho ocupa uma parte importante do nosso tempo e acaba por ser uma fatia substancial da nossa identidade. Sermos infelizes nele é abrirmos a porta para sermos infelizes no resto, na vida. Não o façam. Nas palavras de Raul Solnado: “Façam o favor de ser felizes!”.

Texto redigido com a ajuda da Dra. Carolina Cabaços, em colaboração com outros colegas de Psiquiatria do CHUC 






#12 - Pedopsiquiatria


O que significa ser médico desta especialidade? Quais são as principais frentes de ação?
Significa acompanhar crianças e adolescentes em todo o seu desenvolvimento, nos vários domínios, incluindo o desenvolvimento cognitivo, afectivo e psicomotor. Significa trabalhar em rede, com os jovens, a família, escola e técnicos que trabalhem com eles. As frentes de acção são variadas e dependem da patologia mental específica e da idade dos jovens. Trata-se de uma especialidade abrangente, cuja acção principal é na consulta externa, mas que se estende ao serviço de urgência, internamento e hospital de dia. É ainda uma especialidade ecléctica, no sentido em que exige um domínio das técnicas de psicoterapia verbal, das intervenções farmacológicas e das neurociências.
 
Em que momento do seu percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?
Já escolhi o curso de Medicina pelo interesse na saúde e doença mental. A opção pela infância e adolescência deu-se pelo meu interesse no desenvolvimento, tendo tomado a opção final durante o Ano Comum.
 
Quais as principais razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e entusiasmava nesta decisão?
Poder escolher uma especialidade muito ecléctica, que permite trabalhar em muitos contextos diferentes e na qual o cruzamento entre diversos saberes é fundamental. Mais ainda, escolhi-a por ter a possibilidade de fazer a diferença numa faixa etária em que a perspectiva de mudança é maior.
 
Quais são os principais locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário?
O grosso do trabalho é feito em consulta externa. Os serviços podem dividir-se por faixas etárias, nomeadamente: Primeira Infância; Idade Escolar e Adolescência. Existem, mais ainda, unidades para problemas específicos, como as Perturbações do Comportamento Alimentar e a Pedopsiquiatria de Ligação (em que há um contacto estreito com as outras especialidades médicas). Por fim, podemos trabalhar no serviço de urgência, no internamento (de adolescentes) e Hospital de Dia.
 
Como descreveria o ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/enfermeiros/doentes nos serviços por onde passa? Como é a entreajuda entre os médicos mais e menos experientes?
Há um bom ambiente entre os técnicos.
 
Considera que existe idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa? Como é a qualidade de ensino?
Sim. Nos serviços onde não exista idoneidade para todas as valências requeridas, há a possibilidade de as realizar noutro hospital com essa idoneidade. Relativamente à qualidade do ensino, é boa.
 
Existe, no seu trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro, formação complementada noutro centro, …)?
Sim, existindo abertura para que o façamos.
 
Como descreveria um dia de trabalho nesta especialidade? Como caracteriza o nível de esforço e de dedicação a que é sujeito diariamente, na sua profissão?
 
O dia de trabalho depende do tipo de serviço a que se está alocado, dependendo também dos serviços que são oferecidos pela especialidade em cada hospital. Já o esforço e dedicação dependem do brio com que cada profissional se dedica, contudo, diria que é permitido um bom balanço entre o trabalho e a vida pessoal.
 
Considera que esta especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies? E relativamente à vida pessoal/familiar?
Claramente! A ambas as questões.
 
Relativamente à carga horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)? Ainda nesta questão, o que varia, ao longo dos anos de internato?
Não se trata de uma especialidade em que os internos sejam submetidos à exigência de fazer trabalho nocturno ou muitas horas extra nos serviços de urgência. Geralmente, para casa, leva-se o estudo e o trabalho académico.
 
Como interno, como é/foi o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes?
Bastante elevada. Naturalmente que é um processo gradual, mas senti sempre que podia ter a minha abordagem, dentro da legis artis.
 
Quais as subespecialidades pelas quais se poderá optar? Existe liberdade total para esta escolha? Como acontece o processo?
Existem algumas divisões, possíveis por setting (internamento, ligação, hospital de dia) ou por patologia e grupo etário (perturbações do comportamento alimentar, primeira infância…). Não se tratam de subespecialidades formalmente reconhecidas. Dependerá da necessidade dos serviços para onde se irá trabalhar e da direcção que cada um der à sua formação individual.
 
Como acontecem os momentos de avaliação? Em que período do ano? Qual o grau de dedicação e maiores dificuldades?
São, maioritariamente, avaliações contínuas dos estágios que se frequenta, havendo um momento de avaliação para discussão do estágio. Neste caso, é vantajoso o facto de se premiar a dedicação clínica durante os estágios.
 
Qual diria ser a maior dificuldade que encontra nesta especialidade?
O facto de ser uma especialidade que abrange muitas áreas de conhecimento é um factor positivo, mas também pode levar a que nos sintamos um pouco perdidos no meio de tanta coisa diferente, mas importante, em que nos temos de debruçar. A maior dificuldade, pelo menos no início, é ser praticamente tudo novo, pois a especialidade é pouco (ou nada) abordada durante a faculdade.
 
Quais os principais fatores positivos na sua especialidade?
A interdisciplinaridade, o balanço entre trabalho e vida pessoal e podermos intervir e fazer a diferença naqueles que são os mais vulneráveis.
 
Como descreveria a sua especialidade em relação à possibilidade de:
Progressão de carreira – esta questão tem de ser integrada nas carreiras médicas e não tanto na especialidade.
Enveredar pela carreira investigacional – é possível fazer investigação, incluindo doutoramento. A principal dificuldade é obter um orientador Pedopsiquiatra, porque ainda há poucos doutorados na área.
Constante inovação científica – é uma especialidade em que a inovação científica é muito grande e que beneficia das descobertas de áreas anexas, como as neurociências e a psicologia.
Oportunidades de trabalho tanto no setor privado como público – boas, pois trata-se de uma especialidade com défice de especialistas.
 
Escolhia novamente esta especialidade? Está a corresponder às expectativas que tinha? Quais foram as principais surpresas?
Escolheria novamente a especialidade. Apesar de ter ponderado bastante a decisão e ter procurado informar-me, após ingressar na mesma, foi uma boa surpresa a abrangência da especialidade e as oportunidades de trabalhar em coisas tão diferentes.
 
Diria que é necessário mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se prosseguir esta especialidade?
Ambas. É necessário dominar a técnica (avaliação e intervenção), mas ter a destreza de adaptar aos casos concretos. Os casos não têm um diagnóstico/problema único e é necessário adaptar o conhecimento das guidelines aos casos concretos. O que será mais talento, mas em que é possível trabalhar, é a capacidade de ser empático com os jovens e famílias, pois nesta especialidade a relação terapêutica é, efectivamente, uma arma terapêutica.

Texto redigido com a ajuda do Dr. Pedro Santos, Pedopsiquiatra






#13 - Urologia


O que significa ser médico desta especialidade? Quais são as principais frentes de ação?
A Urologia é uma especialidade médico-cirúrgica que estuda e trata as doenças do aparelho urinário e, por extensão, do aparelho sexual masculino. A Urologia é eclética: destaca-se pela sua grande versatilidade, pelo domínio de técnicas diagnósticas ímpares que vão desde a neurofisiologia à radiologia, da ecografia à endoscopia e, por vezes, existe fusão destas modalidades. Em termos cirúrgicos, a Urologia destaca-se por estar na vanguarda dos avanços técnicos. É, por excelência, a especialidade da robótica, da laparoscopia, das técnicas minimamente invasivas e por orifícios naturais. É, sem dúvida, uma especialidade que caminha de mão dada com a tecnologia.
No bloco operatório, o urologista deve dominar a cavidade abdominal, o retroperitoneu e a cavidade pélvica. Para isto, deve estar familiarizado com diferentes áreas cirúrgicas: vascular (pela proximidade aos grandes vasos abdominais e pela realização de transplantação renal); ginecológica e coloproctologia (pela partilha do espaço pélvico).
Omnipotência e “Deusificação”? Não, a maioria dos urologistas são pessoas terra-a-terra, simpáticas, com bom humor, que gostam de trabalhar em equipa e são felizes. É óbvio que estou a fazer uma generalização, mas pensem nas vezes em que conviveram com um urologista ou, caso não o tenham feito, prestem atenção da próxima vez que o fizerem. Existe base científica para estas afirmações – vários artigos comparam as personalidades de urologistas, cirurgiões e não cirurgiões.
As principais frentes de ação dependem do sítio e dos interesses de cada um. Existem variadíssimas áreas da Urologia, podendo haver tendência para a subespecialização: oncologia; litíase; urologia reconstrutiva; neurourologia; infertilidade; andrologia; transplantação e urologia pediátrica.
No exemplo prático de Coimbra e dos CHUC, as principais frentes de ação são a oncologia urológica e a transplantação renal. O serviço de Urologia do CHUC, para além de tratar cirurgicamente doentes oncológicos, tem a particularidade de assumir a oncologia médica de todos os seus doentes – sendo responsável pela realização de quimioterapia e imunoterapia.
 
Em que momento do seu percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?
Uma nota pessoal:
Escolher uma especialidade médica deve ter diversas fases e não deve ter início no internato geral, a um ou dois meses das escolhas. Deve começar bem mais cedo, para vos dar tempo para experimentar, vivenciar, escrever a vossa tese nessa área ou mesmo mudar de ideias para um rumo totalmente diferente. Ter um objetivo até vos vai dar mais força para estudar para a prova de acesso à especialidade...
Antes de querer uma especialidade em concreto, o primeiro conflito interno com que nos devemos deparar é: quero uma especialidade médica, cirúrgica ou comunitária? Em termos pessoais, a minha resposta chegou no 3º ano da Faculdade de Medicina, durante as aulas de Propedêutica Cirúrgica com o Professor Henrique. A possibilidade de um primeiro contacto com o doente cirúrgico, a semiologia abdominal, o bloco operatório e o serviço de urgência, foram determinantes na minha escolha. A partir deste momento na minha formação, tive a certeza que iria procurar passar muitas horas da minha vida num bloco operatório e com as mãos na cavidade abdominal e pélvica. Neste sentido, procurei passar mais tempo dentro de um bloco e nas especialidades cirúrgicas – este é o meu conselho para uma escolha mais ponderada e mais direcionada.
O interesse na Urologia surgiu mais tarde, nas aulas práticas da cadeira e no contacto com as atividades desenvolvidas por Urologistas. A facilidade com que éramos integrados, o bom ambiente que por ali imperava e a possibilidade de ajudar em alguns procedimentos, foram grandes marcas no meu interesse pela Urologia. Recordo um momento chave nesta escolha – numa das minhas idas à sala 1 do bloco central do CHUC, o Professor Arnaldo perguntou se já tínhamos visto uma nefrectomia parcial laparoscópica, no tempo cirúrgico de uma apendicectomia. Permanecemos céticos por 45 minutos, mas ao final deste tempo tínhamos ido de “pele e pele”, com o tumor cá fora e a sutura laparoscópica feita. Com esta memória, a partir daí fui juntando mais e mais razões.
 
Quais as principais razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e entusiasmava nesta decisão?
A escolha de Urologia, em particular no CHUC, foi muito simples. As duas principais áreas de atuação da Urologia do CHUC, são também as minhas áreas de interesse na Urologia. Por um lado, sempre sonhei em combater a patologia oncológica, acompanhar o doente oncológico através do seu diagnóstico, tratamento e prognóstico. Em particular, a oncologia do sistema urinário pela sua prevalência e morbimortalidade. A possibilidade de integrar um serviço de fim de linha no tratamento do cancro urológico, com uma visão holística e uma abordagem médica e cirúrgica, sempre ditou o meu entusiasmo por esta especialidade.
Em segundo lugar, a oportunidade de integrar o serviço de transplantação renal. A participação nas colheitas multi-órgão, as ajudas em transplantes de dador vivo e dador cadáver. A possibilidade de participar no legado deixado pelo Professor Linhares Furtado em Portugal.
Não menos importante, fiz esta escolha pela possibilidade de aprendizagem com grandes médicos e cirurgiões, num ambiente familiar e de trabalho em equipa. Mais ainda, fiz esta escolha pela possibilidade de aprender numa boa “escola” cirúrgica.
 
Quais são os principais locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário?
Enfermaria: Seguimento dos doentes no pré e pós operatório; internamentos para realização de quimioterapia e internamentos por patologia urológica urgente;
Bloco operatório central;
Bloco operatório periférico: cistoscopia; biópsias prostáticas; colocação e troca de cateteres de nefrostomia; entre outros;

Urgência: abordagem à patologia urológica urgente;

Consulta externa;

Reunião de Serviço e Reuniões Multidisciplinares: imagiologia e radioterapia;

Hospital de Dia de Oncologia;

Litotrícia;

Exames Urodinâmicos;

Exames Urorradiológicos;

 
Como descreveria o ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/ enfermeiros/doentes nos serviços por onde passa? Como é a entreajuda entre os médicos mais e menos experientes?
Existe uma excelente relação entre médicos internos e especialistas. Impera o espírito de equipa e de entreajuda, com grande facilidade para discussão de casos clínicos e ajuda na melhor orientação dos doentes. Existe abertura na discussão de casos de oncologia em reuniões de decisão terapêutica, nas quais os internos participam ativamente.
No bloco operatório central e periférico, existe uma ótima relação entre médicos, enfermeiros e auxiliares, imperando a boa disposição e bom ambiente de trabalho.
 
Considera que existe idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa? Como é a qualidade de ensino?
Sim, existe idoneidade completa. Neste momento, só existe internato de Urologia em Hospitais Centrais, com o intuito de garantir uma formação semelhante a todos os internos do país. A qualidade do ensino em Portugal, especificamente na área da Urologia, é muito boa, acima da média europeia. Existem muitos países onde a formação cirúrgica é muito difícil, com dificuldade em atingir números mínimos de cirurgias.
Existem algumas valências nas quais os internos procuram estagiar fora, visando estar perto dos melhores em determinada área ou técnica.
Com o advento da robótica, um dos ponto fracos do CHUC é a inexistência de robôs.
 
Existe, no seu trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro, formação complementada noutro centro, …)?
Definida em decreto de lei, está a obrigatoriedade em realizar 1 ano de estágio em cirurgia geral e 2 meses em cirurgia pediátrica. Os restantes estágios são opcionais e dependentes dos interesses de cada interno - 4 meses que podem ser passados noutras especialidades médicas ou cirúrgicas. Estes podem, também, ser aproveitados para a realização de estágios fora do país, em centros de referência de determinadas áreas da Urologia.
 
Como descreveria um dia de trabalho nesta especialidade? Como caracteriza o nível de esforço e de dedicação a que é sujeito diariamente, na sua profissão?
Um dia de trabalho pode variar muito. Geralmente, começo o dia por volta das 7h50, vejo o meu setor da enfermaria e os doentes que operei. Às segundas, terças e quintas, existe reunião de casos clínicos/ decisão terapêutica às 8h15. Durante a manhã, podemos ter atividade programada no Bloco central, Bloco periférico ou na Unidade de Cirurgia de Ambulatório. Durante a tarde, continuamos o trabalho, podendo estar escalados em prolongamentos no bloco central, estudos urodinâmicos ou unidade de cirurgia de ambulatório. Os internos, geralmente, têm um período de consulta por semana e um ou mais tempos de urgência.
A Transplantação renal poderá acontecer em qualquer altura do dia ou da noite...
Ou seja, é difícil definir um dia tipo.
O nível de esforço e dedicação é elevado, mas a recompensa e felicidade são também igualmente elevadas.
 
Considera que esta especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies? E relativamente à vida pessoal/familiar?
Sim, com organização existe tempo para tudo. A grande maioria de nós pratica desporto e tem hobbies, fora do hospital. Existe tempo para a vida pessoal, familiar e social, mas por vezes existe menos tempo para dormir.
 
Relativamente à carga horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)? Ainda nesta questão, o que varia, ao longo dos anos de internato?
Existe uma carga horária pesada, como em qualquer outra especialidade cirúrgica. Facilmente se excedem as 40h de trabalho semanal. Mas numa especialidade cirúrgica, há tendência para a correlação entre o número de horas de exposição e a prática.
Nos primeiros anos, realizamos urgência apenas durante o dia, sendo que a partir de metade do internato passamos a fazer noites.
Ao longo do internato, vamos recebendo mais tempos de consulta.
 
Como interno, como é o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes?
Existe uma curva de aprendizagem a cumprir, com tempos diferentes consoante a dificuldade da técnica ou gesto clínico. Rapidamente se aprende a executar uma cistoscopia rígida ou flexível, ficando independente tecnicamente. Por outro lado, uma cirurgia mais complexa faz-se em equipa e, muitas vezes, não se é independente, mesmo como especialista. É uma aprendizagem contínua.
No geral, após os 6 anos de internato, os internos estão confortáveis e independentes para realizar a maioria/totalidade das técnicas, cirurgias e abordagens ao doente.
 
Quais as subespecialidades pelas quais se poderá optar? Existe liberdade total para esta escolha? Como acontece o processo?
Existem as subespecialidades já mencionadas. Todos os urologistas sabem executar a base de todas as áreas da Urologia, no entanto, existe cada vez mais tendência para a subespecialização. A escolha dependerá da vontade do próprio em investir numa área em específico, da existência dessa área no hospital em que trabalha ou, até mesmo da sua criação.
 
Como acontecem os momentos de avaliação? Em que período do ano? Qual o grau de dedicação e maiores dificuldades?
Os momentos de avaliação são exames orais anuais, com defesa do curriculum cirúrgico, científico e pedagógico. As datas são definidas pelos internos, em conjunto com a direção do serviço. Geralmente, decorrem em Março de cada ano.
A Urologia é teoricamente exigente, envolvendo um domínio das componentes médica e cirúrgica. As guidelines europeias de Urologia e a sua atualização anual, mantêm-nos a par da evolução da ciência e técnica.
Todavia, considero que a avaliação não é só pontual. O melhor tratamento dos doentes põe-nos diariamente à prova, envolvendo um estudo contínuo de conteúdos teóricos, a par de um treino técnico exigente.
 
Qual diria ser a maior dificuldade que encontra nesta especialidade?
É difícil definir a maior dificuldade. É sumamente impossível dominar, médica e cirurgicamente, todos os campos da Urologia. Desta dificuldade nasce a subespecialização.
 
Quais os principais fatores positivos na sua especialidade?

Semiologia rica;

Grande variedade de técnicas cirúrgicas: cirurgia aberta, endoscópica, laparoscópica, robótica, percutânea;

Independência no diagnóstico: Endoscopia; radiologia; ecografia, urodinâmicos;

Cientificamente estimulante e com evolução constante;

Bons resultados, bons cirurgiões;

Bom ambiente, espírito de equipa;

Transplantação renal;

Oncologia.

 
Como descreveria a sua especialidade em relação à possibilidade de:
enveredar pela carreira investigacional;
constante inovação científica;

Existe possibilidade de aliar a carreira clínica à científica e investigacional. Existem alguns urologistas a realizar programadas de doutoramento e a participar ativamente em ensaios clínicos e outros projetos de investigação. Uma carreira puramente de investigação não me parece fazer sentido numa especialidade cirúrgica.

Existe uma constante inovação técnica e científica, tornando a Urologia altamente estimulante. 
 
Escolhia novamente esta especialidade? Está a corresponder às expectativas que tinha? Quais foram as principais surpresas?
Sem qualquer dúvida. A corresponder e a superar.
 
Diria que é necessário mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se prosseguir esta especialidade?
É uma pergunta para responder com mais maturidade, dentro de 10 ou 20 anos. Quando estiver a olhar do lado do especialista, com experiência na formação dos mais novos. Pessoalmente, tendo a acreditar que o trabalho compensa. A cirurgia envolve treino, repetição e disciplina. Mas ao mesmo tempo, envolve rapidez na decisão sobre o imprevisto - aí entra o talento, a coragem e capacidade de lidar com a pressão.
É uma pergunta para o milhão de euros.
 
Tem alguma consideração importante a fazer que ainda não tenha sido abordada?
O antigo provérbio “fazer das tripas coração”, é sinónimo de superar e vencer adversidades julgadas impossíveis. A Urologia ainda não faz o impossível, mas é a única especialidade que é capaz de transformar um órgão noutro diferente - fazer das tripas bexiga.
A escolha da especialidade é de extrema importância e, muitas vezes, será fundamentada pelas experiências pessoais e pessoas que as compõem. Desta forma, devem procurar investir, no vosso percurso académico, tempo nas especialidades que vos tiram o sono.

Texto redigido com a ajuda de Dr. Vasco Quaresma, médico interno de Formação Específica em Urologia no CHUC






#14 - MGF


O que significa ser médico desta especialidade? Quais são as principais frentes de ação?
Ser Médico de Medicina Geral e Familiar (MGF) significa fazer o acompanhamento dos utentes desde o seu nascimento até à sua morte. Significa fazer uma Medicina personalizada, global, acessível e de cuidados de continuidade a toda a população. A MGF cuida da pessoa em vários momentos: na prevenção, no diagnóstico, no tratamento, na reabilitação e nos cuidados paliativos. Esta diversidade proporciona desafios para os quais temos de estar preparados todos os dias.
 
Em que momento do seu percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?
Nos anos clínicos da faculdade, percebi que tinha preferência por uma especialidade médica, sendo que até ao final do curso e após contacto com a maioria das especialidades, o leque ficou reduzido a 4 ou 5 especialidades, entre as quais se encontrava MGF. O estágio do 6º ano em cuidados de saúde primários acentuou ainda mais o interesse que tinha pela especialidade.
 
Quais as principais razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e entusiasmava nesta decisão?
O facto de ser uma especialidade clínica, transversal a todas as idades e que obriga a um grande raciocínio clínico no quotidiano, são factores que pesaram na minha escolha. Para além disto, o facto de podermos proporcionar cuidados personalizados a quem mais necessita, é também uma fonte de motivação.
 
Quais são os principais locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário?
O trabalho diário acontece maioritariamente na unidade de saúde (UCSP / USF) de colocação do Médico Interno, sendo que as formações obrigatórias e opcionais ocorrem, maioritariamente, no hospital de referência da instituição de colocação.
 
Como descreveria o ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/ enfermeiros/doentes nos serviços por onde passa? Como é a entreajuda entre os médicos mais e menos experientes?
A MGF trabalha sempre em equipa, quer sejam médicos ou não e isso é essencial para uma excelente prestação de cuidados. O ambiente entre os diversos profissionais depende sempre do local de formação do médico interno e da experiência pessoal de cada um, motivo pelo qual a escolha do local de formação é muito importante em MGF. Na minha experiência pessoal, o ambiente entre os vários profissionais e a entreajuda são muito boas.
 
Considera que existe idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa? Como é a qualidade de ensino?
Sim, as idoneidades formativas parecem-me adequadas nas unidades de colocação, sendo que esta idoneidade pode, por vezes, ser limitada pela capacidade formativa dos serviços hospitalares onde decorrem as formações obrigatórias e opcionais. A qualidade do ensino depende sempre da experiência pessoal de cada um nos seus locais de formação, mas na minha experiência pessoal, considero que é boa.
 
Existe, no seu trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro, formação complementada noutro centro, …)?
A autorização da realização de formações no estrangeiro está sempre dependente de autorização superior, mas conheço colegas que realizaram estágios no estrangeiro (por exemplo, estágio de um mês em cuidados de saúde primários em Cabo Verde).
 
Como descreveria um dia de trabalho nesta especialidade? Como caracteriza o nível de esforço e de dedicação a que é sujeito diariamente, na sua profissão?
O horário de trabalho costuma ser sobreponível ao do orientador de formação, sendo que também existe tempo disponível no horário para estudo e realização de trabalhos. A maioria é composta por atividade assistencial presencial (consultas), mas também realizamos atividade não presencial (contactos indiretos de utentes como, por exemplo, para renovação de medicação crónica). Todos os internatos têm o seu grau de exigência, que penso não diferir muito entre as especialidades.
 
Considera que esta especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies? E relativamente à vida pessoal/familiar?
Sim, existindo uma boa organização pessoal do tempo, existe possibilidade de ter hobbies e uma via pessoal/familiar ativa.
 
Relativamente à carga horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)? Ainda nesta questão, o que varia, ao longo dos anos de internato?
A carga horária é adequada ao trabalho que realizamos, sendo que por vezes pode existir a necessidade de realizar algumas horas extra (em situações pontuais como substituição de colegas ou a realização de atendimento complementar à noite e/ou fim de semana). Esta realização de horas extra habitualmente aumenta com a progressão no internato.
 
Como interno, como é/foi o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes?
Esta questão depende muito do orientador de formação. Pessoalmente, no início do internato acompanhei sempre a minha orientadora de formação na realização de consultas e a autonomia foi sendo ganha progressivamente, com o decorrer do internato.
 
Quais as subespecialidades pelas quais se poderá optar? Existe liberdade total para esta escolha? Como acontece o processo?
Em MGF não existem subespecialidades, embora exista a possibilidade de realizarmos formação pós-graduada específica em determinada área que seja do nosso interesse. Já começam a existir algumas consultas específicas (atividade física, cessação tabágica...) em algumas unidades às quais os médicos se podem dedicar.
 
Como acontecem os momentos de avaliação? Em que período do ano? Qual o grau de dedicação e maiores dificuldades?
Habitualmente, as formações complementares obrigatórias têm uma avaliação escrita (por Administração Regional de Saúde), que decorre entre o final do ano e o início do ano seguinte. As avaliações de cada ano de internato consistem numa avaliação escrita realizada a nível nacional (no final do 1º e 3º ano do internato, em 2 épocas diferentes – janeiro e junho) ou, então, pode ser feita avaliação oral (no final do 2º e 4º ano do internato, realizada a nível de cada ACeS / ULS no início de cada ano). O exame final do internato ocorre, habitualmente, em 2 épocas, tal como em outras especialidades, nos meses de março e outubro. É necessária bastante dedicação e estudo para realizar as provas referidas. A maior dificuldade neste momento é que estas metodologias de avaliação são recentes e, por exemplo, a prova escrita de avaliação do 1º ano foi realizada pela primeira vez em janeiro de 2020 e não existiu bibliografia recomendada para o estudo.
 
Qual diria ser a maior dificuldade que encontra nesta especialidade?
Existe bastante trabalho burocrático (por exemplo: renovação de prescrição de tratamentos de Medicina Física e Reabilitação, relatórios para a Segurança Social) que não deveria ser função do Médico de Família e que retira tempo para outras atividades.
 
Quais os principais fatores positivos na sua especialidade?
A relação médico-doente que conseguimos construir com os utentes e o facto de lidarmos com eles ao longo de todo o seu ciclo de vida, são aspetos que fazem a MGF diferenciar-se em relação às outras especialidades. Fazer consulta a um recém-nascido e na consulta seguinte estarmos a acompanhar um doente diabético ou uma grávida é um desafio que considero ser um fator positivo e desafiante nesta especialidade.
 
Como descreveria a sua especialidade em relação à possibilidade de:
Progressão de carreira – A progressão na carreira é igual em todas as especialidades. No entanto, MGF tem a particularidade de ter uma organização diferente das demais especialidades - a existência de USF modelo B, onde existem incentivos financeiros estabelecidos. Nesta tipologia (USF modelo B), existem também incentivos financeiros para os coordenadores das unidades e para os médicos que são orientadores de formação.
Enveredar pela carreira investigacional – Quem gosta da área de investigação tem a possibilidade de enveredar por ela de duas formas: através da realização do doutoramento ou integrando grupos de investigação.
Constante inovação científica – As reuniões de cada unidade funcional, as reuniões mensais de cada internato e os congressos científicos (entre outros) em que participamos, são oportunidades de formação contínua que permitem a atualização de todos os profissionais.
Oportunidades de trabalho tanto no setor privado como público – É do conhecimento público que existe carência de Médicos de Família em algumas regiões do País e têm aberto sempre vagas em número suficiente para os especialistas que terminam o internato em todas as épocas de exame. Em relação ao setor privado, também continuam a existir algumas ofertas de emprego.
 
Escolhia novamente esta especialidade? Está a corresponder às expectativas que tinha? Quais foram as principais surpresas?
Sem dúvida alguma, pois está a corresponder às minhas expectativas.
 
Diria que é necessário mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se prosseguir esta especialidade?
Sendo MGF uma especialidade médica, penso que o estudo e a dedicação são fundamentais.
 
Tem alguma consideração importante a fazer que ainda não tenha sido abordada?
Não.

Texto redigido com a ajuda do Dr. Hugo Almeida, médico de Medicina Geral e Familiar
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