Educação Médica

                                     Escolha ou consequência


“Alunos do ensino profissional vão passar a poder ingressar no ensino superior sem terem de realizar exame nacionais”. Desde que este título do jornal Expresso saiu para as bancas, muitas vozes se elevaram para o comentar, seja para enaltecerem os que a ela deram origem, seja para os criticarem. No entanto, antes que a minha voz contribua para a polémica em questão, acompanhem-me numa breve atualização dos factos.
O ensino profissional como o conhecemos atualmente foi criado há exatamente trinta anos e tem vindo a crescer progressivamente. O objetivo da sua implementação era combater o insucesso e abandono escolares, preparando os alunos para o mercado de trabalho, pelo desenvolvimento de competências que possibilitam o exercício de atividades profissionais. Por outras palavras, o ensino profissional, ao invés do ensino geral dos cursos cientifico-humanísticos, não tem propriamente o intuito de preparar o aluno para a universidade e sim oferecer uma alternativa muito mais prática e profissionalizante, permitindo à pessoa ingressar no mercado de trabalho pelo menos três anos mais cedo (duração de uma licenciatura) com as competências técnicas necessárias à área do seu interesse. Assim sendo, este ensino, que não é de todo mais fácil, não aborda temas que o ensino geral explora e que são alvo de avaliação nos exames nacionais.
Até aqui, tudo bem. Um aluno do ensino cientifico-humanístico faz os exames nacionais e ingressa no ensino superior, um aluno do ensino profissional realiza a prova de aptidão profissional e dois estágios profissionais e entra no mercado de trabalho. Mas, e quando um aluno do ensino profissional quer, afinal, ir para a universidade? Nesta situação, as circunstâncias não são simples de definir, afinal, este aluno não passou os últimos anos de ensino obrigatório a estudar a matéria das provas de ingresso na universidade e sim a ser avaliado em temas mais diferenciados para o exercício profissional. O facto destes alunos terem que ser avaliados em matérias não lecionadas sempre foi alvo de insatisfação por alunos e professores e esta medida veio acabar com ela: acabaram-se as provas de ingresso para estes alunos. A solução perfeita? Não creio.
Acredito que quando um aluno escolhe ir para um curso profissional enceta um caminho que lhe abre portas que o ensino geral por si só não abre, ou seja, o ensino profissional é uma alternativa para aqueles que não veem futuro num curso cientifico-humanístico, não por ser mais difícil, mas por não lhe despertar interesse como o ensino profissional, mais prático, desperta. Não digo com isto, claro, que uma pessoa que, ao acabar o curso profissional, decida que o ensino superior é o próximo passo, por variadas razões, não tenha o direito de prosseguir com os estudos, mas aí, tem que se sujeitar ao que os alunos do ensino geral se sujeitam para chegar ao mesmo destino destes.
A situação que estes alunos enfrentam não é diferente do exemplo que passo a explicar. Foquemo-nos nos cursos de Línguas e Humanidades e Ciências e Tecnologias, os dois mais escolhidos pelos alunos do ensino secundário geral. Como sabem, estes cursos oferecem saídas profissionais diferentes, abordando, por isso, conteúdos muito diferentes. Imaginemos que um aluno de 12º ano do curso de Humanidades decide que, afinal, pretende ingressar no curso superior de Fisioterapia. Está no seu direito, é claro; no entanto, tem um problema - as provas de ingresso para o seu curso de eleição abordam temas para os quais não foi preparado. A solução neste caso, será, também, que se permita que alunos nestas circunstâncias não façam os exames nacionais exigidos pela faculdade em que quer entrar?
Eu sei, até porque passei por isso, que escolher aos 15 anos o rumo, pelo menos o profissional, para a sua vida, não é fácil. As pessoas mudam de ideias e até se arrependem das escolhas que fazem; não obstante, tal como todos nós temos o direito de fazer as nossas escolhas, temos, também, o dever de lidar com as suas consequências.

Bruna Carvalho, 3º ano






Entrevista:

Associação "The Pineapple Mind"


O rosto que abraça a entrevista é o de Diana Carvalho Pereira, de 24 anos, estudante da FMUC, que preside a Associação “The Pineapple Mind”, a qual pretende erradicar o estigma da saúde mental pela via da sensibilização ativa da população para este flagelo.
 
Enceto a entrevista, agradecendo em nome da revista a tua disponibilidade. Assim, quais as razões que te impulsionaram a criar a Associação que coordenas e qual a história por detrás do nome?
Eu é que agradeço o convite. Em 2017, tive uma depressão tão limitadora que cheguei a congelar a matrícula na faculdade, quando já estava no 4º ano. Deixei de ter prazer em tudo o que fazia, inclusivamente frequentar as aulas. A dada altura, o meu estado psicológico alterado fez-me pôr em causa a escolha do curso e decidi congelar a matrícula. Na altura da recuperação, apercebi-me de uma grande lacuna no que diz respeito a conteúdos de psicoeducação escritos em português, páginas online com testemunhos e dicas de recuperação de doenças do foro mental, tão comuns noutros países. Ao mesmo tempo, tentei psicoeducar-me, utilizando conteúdos estrangeiros.
Quando voltei ao curso e tive a cadeira de neurociências e saúde mental, juntei os ensinamentos práticos que fui adquirindo como doente aos teóricos que a cadeira me deu e decidi que podia criar um projeto online onde pudesse de alguma forma combater a tal lacuna de informação que existia em Portugal.
Entre a medicação que fiz, estava o triptofano. Este está presente em alguns alimentos, sendo que um dos frutos mais ricos nele é o ananás. Assim sendo, depois de me sentir recuperada, decidi tatuar um ananás, para me lembrar de tudo o que posso fazer para promover o meu bem-estar. Quando criei o projeto, fez sentido para mim dar-lhe o nome “mente do ananás”, uma mente sã.
 
Lançaste recentemente um eBook intitulado “A mente também dói, mas pode doer menos!”, com a contribuição de outros elementos da TPM. Sucintamente, de que trata? 
eBook contempla práticas promotoras da saúde mental, com tudo o que funcionou comigo e poderá também funcionar com quem o ler. Ou seja, não serve para tratar nada, mas sim para prevenir doenças. Não existem fórmulas mágicas universais, no que diz respeito a terapias não farmacológicas e alternativas. Cada pessoa deve experimentar várias opções e ver o que faz sentido consigo.
 
A associação da qual és fundadora leva a cabo uma petição pela contratação de mais psicólogos nos Cuidados de Saúde Primários. Quais as vossas motivações?
Luís, um estudo coordenado pela Organização Mundial de Saúde e publicado na revista “The Lancet Psychiatry” em 2016 concluiu que por cada euro gasto em saúde mental, existe um retorno de quatro euros. Urge entender que a psicologia em Portugal ainda é um luxo, uma vez que só quem tem dinheiro para pagar consultas no privado tem acesso garantido a esse serviço. Quem não tem, sujeita-se a listas de espera intermináveis no serviço público. Em 2019, existiam apenas 213 psicólogos a trabalhar nos centros de saúde. Existem mais do dobro de centros de saúde em Portugal, ou seja, não há profissionais da psicologia disponíveis em todos eles. Se esses 213 psicólogos fizerem quarenta horas semanais, cobrem pouco mais de 34 mil portugueses. E os outros? Um em cada cinco portugueses sofre de uma doença do foro mental.
Se não há falta de psicólogos formados em universidades portuguesas (há 24 mil inscritos na Ordem), há que investir na sua integração nos quadros de saúde do sistema público. É isso que ambicionamos e pretendemos com esta petição e futura iniciativa legislativa. Assim sendo, apelo a todos os estudantes para assinarem a petição, não só pelos nossos doentes, como também por todos nós, que não somos livres de um dia desenvolver uma patologia do foro mental.
 
Consideras relevante a “psicoeducação” desde os tenros anos de idade, pelos pais ou escolas?
A segunda causa de morte nos jovens é o suicídio. As estatísticas são preocupantes e a maioria das pessoas desenvolve patologias do foro mental no início da vida adulta, por dificuldades de adaptação e lacunas no desenvolvimento. É necessário psicoeducar devidamente as crianças e jovens para que não desenvolvam patologias evitáveis, fazendo-o também nas escolas, onde se fala muito do corpo humano mas pouco da mente. É necessário falar abertamente sobre emoções, sentimentos e preocupações.
 
Tendo em conta a alta incidência de burnout nos estudantes universitário, consideras que se desvaloriza esta temática ou que pecam as medidas tomadas para o seu combate?
Considero que existem universidades preocupadas com esta temática, outras nem por isso. Em Coimbra, por exemplo, sinto que muito pouco se faz. Os SASUC têm consultas de psicologia com uma lista de espera complexa. Quando congelei a matrícula, ninguém me ligou a perguntar o porquê e se precisava de apoio. Para além disso, quando os estudantes revelam absentismo ou falta de aproveitamento, ninguém indaga sobre motivos.
A Universidade do Minho, por exemplo, tem um gabinete só dedicado ao burnout. Medem os índices nos estudantes, têm campanhas de sensibilização e respostas adequadas. Acho que todas deveriam ter estas respostas. Inclusive consultas acessíveis, dado que passamos grande parte do nosso tempo nas faculdades.
 
No que concerne ao raciocínio clínico que nos leva a um diagnóstico, consideras que o recurso a Exames Complementares de Diagnóstico na Psiquiatria poderia ajudar?
Não gosto de rotular doentes com diagnósticos, gosto de estudá-los e perceber como podemos ajudar, orientados para o seu problema em específico. Nos Estados Unidos e países nórdicos, os estudos dinâmicos (que juntam o estudo da anatomia e da função, como PET/CT) já são usados há anos, na Psiquiatria. Cá em Portugal, não há dinheiro nem vontade.
 
Já relativo ao tratamento, cinge-se frequentemente à parte farmacológica, não estando nem a terapia comportamental nem a psicoterapia contempladas na terapêutica. O que pensas em relação a isto?
Na maioria dos casos estão recomendadas, só não são usadas por falta de recursos humanos no serviço público. Existem inúmeros estudos que comprovam a eficácia da terapia cognitivo-comportamental e outras psicoterapias, em alguns casos igual ou superior a psicofármacos.
 
Tendo o contexto pandémico atual incrementado os quadros de patologia psiquiátrica, acreditas que a gestão desta pandemia severa de saúde mental foi bem conduzida? E que medidas deveriam ser tomadas?
Existiram boas medidas, como a inclusão de psicólogos na linha SNS24. Mas ao mesmo tempo, é um apoio pontual, não de continuidade. E o que a maioria dos doentes precisam é de continuidade e consistência. Não adianta ter consulta no centro de saúde de dois em dois meses. É mesmo urgente contratar psicólogos e também mais psiquiatras. Quanto aos primeiros, as recomendações europeias pedem 1 por cada 5 mil habitantes. Em Portugal deveríamos ter cerca de 2000. Temos, como já referi, pouco mais de 1/10, nos Centros de Saúde. Para além disso, tem que haver um reforço das equipas comunitárias e ainda um investimento nos cuidados continuados e hospitalares.
 
Urge-me perguntar-te, como aprendeste a encontrar tempo para dar azo à “The Pineapple Mind”, enquanto tens de dar conta das obrigações inerentes ao curso? 
“Quem corre por gosto não cansa”, dizem. Tento todos os domingos organizar a minha semana, tendo em vista conciliar as aulas, estudo e tese, com o trabalho associativo e gestão de diversos projetos. Ao mesmo tempo, nunca fui de exigir exageradamente de mim, no que diz respeito a resultados. Prefiro estudar para saber a longo prazo do que estudar para mostrar a curto prazo, como costumo dizer. E por isso mesmo, ponho o meu bem-estar e qualidade de vida à frente do resto. E acho que estarmos bem psicologicamente e felizes é o primeiro passo para tudo o resto correr bem.
 
Conta-nos acerca das experiências mais mediáticas que já tiveste ao longo deste teu percurso como presidente da “The Pineapple Mind”.
No início do ano, antes da pandemia, fui duas vezes a programas de televisão da TVI e fui ainda entrevistada para o Podcast Maluco Beleza, do Rui Unas. Depois do confinamento, dei entrevistas à imprensa escrita por causa do nosso projeto de voluntariado em regime de peer support, pioneiro em Portugal. Por ocasião do dia Mundial Da Prevenção do Suicídio, dei uma entrevista à rádio Megahits sobre as nossas atividades de sensibilização em várias cidades. Entretanto no mês passado voltei a participar num programa de televisão no Porto Canal.
 
No sentido de fazer mais do que nunca frente ao nocivo confinamento das mentes em corpos confinados por imposição, quais os conselhos que deixas aos nossos leitores para cuidar da sua saúde mental?   
Os conselhos passam por não se privarem do que vos faz feliz, com os devidos cuidados. Assim, passeiem, ouçam boa música, aproveitem os momentos em família e tentem manter contacto com os amigos, mesmo que seja só virtualmente. E tentem desligar, nas horas de descanso, das notícias sensacionalistas. Se têm dificuldade em relaxar, experimentem praticar mindfulness ou técnicas de respiração. Fazer exercício é sempre positivo, pela conhecida e famosa libertação de endorfinas, que nos causam bem-estar. Manter a higiene de sono e hábitos de alimentação saudável, é igualmente importante para nos sentirmos bem.
 
Em jeito de conclusão, o que ambicionas futuramente para a Associação?
Costumo dizer que o meu grande objetivo é que a Associação um dia não tenha que existir, se todos estivessem sensibilizados para a importância da saúde mental e deixassem de contribuir para o estigma. Não sei se será possível, mas não custa idealizar. No entretanto, pretendo que a Associação cresça e continue a intervir não só na psicoeducação em rede da nossa comunidade, como também social e politicamente.
Já temos 3 psicólogas do projeto na comunidade, uma importante ajuda para dar consultas a preço social em nosso nome e em breve vamos oficializar contratos de estágio profissional com duas psicólogas juniores, que também darão consultas. Para além disso, já celebramos quatro parcerias com clínicas de psicologia que fornecem consultas mais baratas para os nossos sócios. Em termos políticos, para além da petição, vamos continuar a intervir sempre que considerarmos pertinente e necessário, sendo que já temos nova agenda política para 2021, com várias ações.
No próximo ano vamos ter ainda alguns lançamentos (mais eBooks e outras surpresas) e ainda novos projetos. Somos neste momento 34 nos órgãos sociais, mais de 80 voluntários e 30 colaboradores. Uma comunidade que começou com o meu projeto e que atualmente psicoeduca em rede, chegando a milhares de pessoas através das nossas redes sociais, site e atividades. É para mim um orgulho continuar à frente do projeto que virou Associação e a cada feedback de agradecimento e apoio fico mais motivada para continuar a fazer mais e melhor pela Saúde Mental em Portugal.
O associativismo e a gestão de projetos tornaram-se paixões e quero conciliá-los com a prática clínica, futuramente. A minha tese de mestrado também é na área da Psiquiatria e, futuramente, é nesta especialidade que me vejo a trabalhar, ainda que esteja dependente de uma PNA. Gostava também de fazer investigação, produção científica e quiçá um Doutoramento nesta área que me apaixona.

Entrevista conduzida por Luís Bernardo Fernandes, 4º ano





Clinical teaching abroad in pandemic times
- Split, Croatia

In order to assess what measures have been taken by medical schools in different countries to deal with the pandemic, we interviewed Ivan Covic, a 4th year medical student at the University of Split, Croatia.
 
First of all, thank you for your willingness to speak with us. How did your university adapt when the coronavirus pandemic emerged?
My university did not take any significant actions until the state declared lockdown. Following that decision, they implemented a quick program of education that transferred "live" teaching into the online sphere. The start was, to borrow a word, bumpy. It was difficult for the professors, many of whom are in their late fifties (some older), to successfully shift to online teaching. In the first months of the pandemic (March 2020 - May 2020), the online lectures varied drastically in their quality. None of the students had any "on hands" live practical classes and that would have been a big problem, especially for med students, if the lockdown held longer.
After the lockdown ended, the University had more "free space" to organize classes. The next measures and rules mentioned here were brought by the Medical School in Split.
The faculty stance was to follow the global epidemiological guidelines and to preserve the live teaching process for as long as possible. We shifted to smaller groups for our practical teaching in hospitals. It was also implemented that we measure our body temperature every day to see if we are fit to enter the hospital. Masks were/are mandatory on campus and in closed spaces.  The classical lecture where all the students from one year would be present, were changed to lectures with 1/3 of the student year and so forth.
 
What are the challenges and opportunities for medical students during covid-19?
The biggest challenge I would say is getting the opportunity to learn practical skills. Our student medial status is not defined on a level where we could easily continue our learning process. The biggest obstacle is that certain professors/doctors who are in charge to teach us practical skills in a hospital setting can easily use the "COVID-19 precautions" card and deny us from our practices. That imposes a big problem because we have to rely on their good will.
I would also like to mention the problem of blaming students for things that were once normal behavior. We are called selfish or not serious enough if we try to continue with our lives as normally as possible (without endangering anyone).
The biggest opportunity, in my opinion, is seeing and experiencing firsthand the battle against COVID-19. We had the opportunity to visit a COVID ICU, to see the process of decontamination and to see how it is to work in such conditions.
 
What is the impact of covid-19 on your education?
The impact is significant, our learning opportunities in a hospital setting are hit hard and we cannot practice all of the skills we would have been able to if there wasn't a pandemic.
 
Do you have practical classes at the hospital? Is your faculty paying for protective material (masks, gloves, gowns)? How is the ratio student:tutor:patient?
Luckily, we still have our practical skills in the hospital, but as I already mentioned they have their limitations. The university provided masks to students for on campus activities and the faculty provided surgical masks for in hospital work (but not nearly enough). We just received our protective visors, which are being handed out as we speak. Regarding the student:tutor:patient ratio, as I mentioned above, it has been reduced, but so has been the number of hours spent practicing.
 
Do you have autonomy to make clinical decisions?
We have limited clinical autonomy and it usually involves some basic clinical skills (anamnesis, clinical check up...)
 
Thank you, once again, on behalf of the magazine for your availability and good luck for your journey!

Andreia Gi, 6º ano
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