Mundo de Todos

O Civismo no Egocentrismo de uma Sociedade Individualista


Enceto esta reflexão, referindo que todos somos agentes de saúde pública e que, no pugnar da presente pandemia, se revela impreterível o civismo, que preconiza o respeito pelo outro.
Nas palavras de José Saramago, “o egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade as pequenas cobardias do quotidiano, tudo isto contribui para essa perniciosa forma de cegueira mental que consiste em estar no mundo e não ver o mundo, ou só ver dele o que, em cada momento, for suscetível de servir os nossos interesses”. Daí que, me indigne que haja prevaricadores que se esquivem das medidas de contingência ao frequentar, desnecessariamente, espaços públicos movimentados, sendo relevante sublinhar que quarentena não é sinónimo de férias e que a recusa deste regime quando obrigatório em confinamento profilático pode constituir difusão voluntária de doenças, punível pelo código penal.
A verdade é que a infeção por SARS-CoV-2 é inócua para uma grande parte das faixas etárias quando saudáveis, com quadros benignos ou subclínicos. Não obstante, emerge a necessidade de responsabilização social no sentido de proteger grupos de risco, a citar pessoas idosas, imunodeprimidas e com quadros oncológicos e de doenças crónicas respiratórias associadas na medida em que os recursos do SNS são limitados no que diz respeito a ventiladores e camas nos Cuidados Intensivos, passando o intuito destas medidas de contingência por aplanar a curva de infeção, evitando picos de infetados num curto período temporal e assim o colapso dos sistemas de saúde. Perceba-se que o SNS tem lacunas face ao desinvestimento gradual e que, caso não se tomem medidas de prevenção e não reativas, se pode assistir a um cenário de calamidade como nunca antes visto em décadas.
Já no que concerne aos mecanismos biológicos da doença, sabe-se que o vírus SARS-CoV-2 se blinda ao recetor ECA2, o que tem inerentes implicações terapêuticas. Sabe-se ainda que estes recetores abundam no aparelho respiratório inferior e que, por cada década de vida, o seu número aumenta 20%, o que pode explicar a maior vulnerabilidade dos mais idosos. Sabe-se também que é altamente contagioso e manifesta-se assintomático na vasta maioria das crianças, o que pode ser preocupante pela disseminação “silenciosa” do vírus.
Entenda-se para os mais distraídos que a mortalidade por gripe sazonal não atinge os 0,1%, situando-se a taxa de letalidade do vírus SARS-CoV-2 entre 2% a 4%, sendo que para tal discrepância se deve essencialmente a inexistência da denominada imunização cruzada, que se adquire de um inverno para o seguinte e que confere alguma defesa ao vírus mesmo que mude, e naturalmente de vacina.
Assim, reitero a necessidade impreterível de se evitar o contacto social próximo e aglomerações, de manter uma higiene vigilante, lavando as mãos como sendo a medida mais profícua e também afastando as mãos da boca, nariz e olhos. E, acima de tudo, fiquem em casa, saindo só o estritamente necessário.
Ainda importante, denoto clara preocupação com a irracionalidade gerada pelo alarmismo desproporcionado que conduz as pessoas a irromper pelas farmácias e supermercados, comprando desmedidamente soluções desinfetantes, máscaras – que são exclusivas para grupos de risco-, papel higiénico e bens alimentares.
Finalmente, no papel de estudante da área médica, apelo veementemente a que todos sejamos meios condutores de exemplos, respeitando as normas e procedimentos da DGS, deixando um agradecimento a todos os profissionais de saúde pelo trabalho titânico e incansável na salvaguarda dos seus doentes, mesmo podendo também contrair a doença.
Em suma, termino enfatizando que a tempestade irá passar se estivermos todos no mesmo barco, mesmo em águas agitadas e ainda vastamente desconhecidas, e se cada um de nós cultivar o altruísmo e o civismo, mesmo no egocentrismo de uma sociedade individualista.

Luís Bernardo Damasceno Fernandes, 3º ano






Eleições nos EUA 2020: o começo de uma nova etapa


No passado sábado, Joseph R. Biden Jr. tornou-se 46º Presidente dos Estados Unidos da América, com cerca de 77 milhões e 200 mil votos. A seu lado, está Kamala Devi Harris, a primeira mulher a ser eleita Vice-Presidente dos Estados Unidos da América.
Com a maior votação antecipada de sempre na história das eleições dos EUA (mais de 100 milhões de votos), a espera pelos resultados foi longa, mas “a vitória foi clara e convincente”, nas palavras do novo Presidente Eleito.
Também no seu discurso, após a divulgação dos resultados eleitorais, Joe Biden afirmou que sempre quis que a sua campanha representasse a América e que o mesmo acontecerá na sua administração. Apelou ao término das divergências, prometendo ser um Presidente de todos e para todos, recuperando a “alma” da América.
Contrariamente, o núcleo Republicano apoiante de Donald Trump recusa reconhecer a vitória do seu oponente, ameaçando com mais processos judiciais e insistindo em fazer acusações infundadas. Ainda no dia 5 de novembro (passada quinta-feira), múltiplos media norte-americanos interromperam o discurso do antigo presidente Trump e desmentiram-no, após este sugerir haver fraude eleitoral sem quaisquer provas.
O próximo mandato será a viragem tão aguardada nas forças da justiça e ciência, no combate à pandemia e recuperação de um Sistema de Saúde Familiar. Mais ainda, colocará um ponto final no racismo sistémico, na homofobia e reaplicará medidas para controlar as alterações climáticas, bem como outros problemas cada vez mais latentes nos EUA e resto do Mundo.
No centenário da aprovação da 19ª Emenda dos EUA que garantiu o direito de voto às mulheres, Kamala Harris tomará posse no seu novo cargo. Será, simultaneamente, a primeira Vice-Presidente dos EUA com ascendência negra e asiática. Kamala Harris é símbolo e ação, tendo dedicado a sua vitória a todas as mulheres e assegurado que “embora seja a primeira mulher na sua posição, não será a última”.
O trabalho ainda mal começou e será árduo, mas essencial. Todos os olhos estão postos nos próximos passos dos EUA.
Além do mais, ouve-se o respirar de alívio da Europa, com os seus dirigentes a congratular Biden e Harris. O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa saudou, inclusivamente, o Democrata Joe Biden, esperando um estreitamento das relações entre UE e EUA e, em particular, a continuação da próspera e antiga história entre Portugal e EUA.
Os novos líderes do país das possibilidades veem muito claramente o que pretendem para a sua nação, comprometendo-se a não baixar os braços.
Os sonhos foram adiados por demasiado tempo. Há, finalmente, esperança de que o Mundo se torne mais azul.
Maria Gomes, 4ºano






LGP: ESSENCIAL OU OPCIONAL?

Boa tarde! Antes de mais, obrigado pela vossa disponibilidade em conversar connosco. Começando, talvez, pelo que está mais diretamente relacionado com a minha futura profissão e dos meus colegas, acha que os cuidados de saúde primários e secundários estão suficientemente preparados para atender uma pessoa surda?
André – Não. Acontece existirem pessoas com maior sensibilidade e que fazem um esforço para nos atender da melhor forma possível. Mas, chegarmos e termos alguém que domine a língua ou que nos forneça um intérprete, não acontece. Vão existindo alguns acordos e, por exemplo, o IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional) tem serviço de interpretação, com marcação prévia. Agora com o COVID-19, o SNS tem atendimento também em LGP, mas há tanta coisa que ainda falta!
 
Como procedem as pessoas surdas para ir a uma consulta médica?
André – Depende… a pessoa surda pode contratar um intérprete para ser a ponte de comunicação entre o utente e o médico, tendo de pagar do seu próprio bolso e, naturalmente, nem todos têm esta possibilidade.
Quem tem familiares que sejam fluentes em LGP, poderá sempre procurar ajuda neles, mas aí levanta-se a questão da privacidade. No meu caso, tenho a Marisa (esposa), em que a questão da privacidade não se coloca… Há também situações em que os surdos não têm simplesmente possibilidade de contratar um intérprete o que, aliado a não terem ninguém que os possa auxiliar... faz com que acabem por ir sozinhos e, por norma, é uma aventura!
 
Todos os surdos falam língua gestual? E quanto à leitura labial e escrita de português?
André – Na grande maioria sim, falam Língua Gestual Portuguesa. Os que não falam, poderá ser porque têm uma surdez mais ligeira, conseguindo oralizar e também preferindo que assim seja. Noutras situações, não falam por estarem isolados e nunca terem tido oportunidade de contactar com outros surdos, não conseguindo, assim, desenvolver a sua língua gestual. Esta situação já não acontece tanto atualmente, mas ainda é uma realidade.
Todavia, a grande maioria privilegia o uso da LGP. A leitura dos lábios é muito relativa, há quem se sinta capaz e confortável para o fazer e há outras pessoas que não. Mas, na minha opinião, isso não pode ser a solução. Por vezes, a leitura labial é vista quase como uma obrigatoriedade para todos os surdos. E há quem não seja capaz de o fazer…
Relativamente à escrita, é difícil de responder. Há surdos que escrevem muito bem, mas a maioria não. Isto acontece porque a gramática da Língua Gestual é diferente da do Português.
 
Como funciona o Ensino Básico e Secundário para as pessoas surdas?
André – Existem escolas de referência para onde os alunos surdos costumam ir e, aí sim, o método de ensino é adaptado à sua realidade. Isto não acontece quando os pais não querem, frequentando antes uma escola comum, sem receberem qualquer tipo de apoio.
 
Do que conhece, como lidam os pais com a surdez do filho/a?
André – Depende de muitos fatores! Acredito que, inicialmente, seja um choque, principalmente quando é uma realidade desconhecida para os pais. E acho que o mais difícil será digerir esse choque. Vemos pais que vão à procura de um milagre, falar com os médicos, procurar operações ou procedimentos milagrosos... Em jeito de brincadeira, há país em que só lhes falta colocar um aparelho auditivo em cada dedo dos filhos, para que eles oiçam!
No meio de tudo isto, o mais importante é que exista uma base de apoio muito grande e, acima de tudo, os pais tenham a capacidade de entender que o melhor para o seu filho poderá não passar por aquilo que idealizaram, ou até mesmo que a nossa sociedade ache correto ou aceitável. A nossa sociedade vive de modelos e há muitas pessoas que acham que todos temos de encaixar nesses modelos. Isso não é real!
 
Considera que ainda há muitos pais que não aceitam que o filho/a seja surdo?
André – Eu não diria que não aceitam…mais cedo ou mais tarde, acabam por aceitar. Há exceções, claro, e essas são preocupantes. Nesses casos, temos crianças que crescem à margem daquilo que os pais querem e exigem, acabando por não ser crianças efetivamente felizes.
Acho que o grande problema se prende na capacidade que os pais têm em adaptar/dar os estímulos certos à criança. Por vezes, esta incapacidade resulta de puro desconhecimento, sendo este o grande problema da nossa sociedade. Noutras situações, a falta de conhecimento advém de opiniões que não são as mais corretas ou adequadas para o processo de aprendizagem e desenvolvimento de uma criança surda.
 
Sente que existe discriminação? Ou, pelo contrário, que os surdos estão consideravelmente mais incluídos na sociedade?
André – Eu acho que, atualmente, a discriminação não é tão visível, havendo situações pontuais em que ela ocorre… claro que sim. Algumas delas, acontecem muito por desconhecimento e falta de informação. É aqui que está o grande problema. Não há interesse em se procurar esta informação, em corrigir as situações quando acontecem e isso sim, faz com que tudo volte a acontecer novamente. Há situações mais desagradáveis que outras, mas muitos vezes é uma questão de respeito e aceitação pela diferença.
 
Relativamente às oportunidades de acesso ao Ensino Superior e mercado de trabalho, considera que são muito díspares entre pessoas surdas e ouvintes?
André – Sim, são muito díspares! Um surdo pode se candidatar, efetivamente, a um curso superior qualquer. Todavia, quando lá chega, a instituição não está preparada para o receber… começando logo pelo facto de não ter um intérprete de LGP que assegure a comunicação nas aulas. Isto acaba por inibir os surdos de ingressar em cursos que realmente gostem. O que se verifica é que têm, em primeiro lugar, em conta onde poderão ter um intérprete que assegure a comunicação.
 
É da opinião que a LGP deveria ser de ensino obrigatório nas escolas? Ou pelo menos uma opcional?
André – Sem dúvida alguma! Em primeiro lugar, porque é mais fácil captarmos e aprendermos uma língua quando somos mais pequenos, permitindo-nos ao longo da vida e percurso explorar e praticar essa língua. Em segundo lugar, porque as crianças não olham para a diferença como algo negativo. Eu sou apenas mais uma pessoa para uma criança, só que falo uma língua diferente. Já os adultos, é raro olharem para nós com essa simplicidade.
 
Acha que os ouvintes têm receio em interagir com as pessoas surdas? E o oposto, acontece?
André – Eu acho que os ouvintes têm muito mais medo de interagir connosco que o oposto. Isto porque, em primeiro lugar, nós temos a necessidade diária de interagir com eles, pois precisamos de ir ao pão, ao banco, etc. Muitas vezes, temos de nos “safar”. Em segundo lugar, somos vistos como uma minoria e, por isso, há ouvintes que acreditam que o esforço tem de partir de nós, fazendo automaticamente com que tenhamos de ser nós a ir à luta, começar a interação e tentar quebrar o gelo.
 
Considera que há igualdade no acesso à informação?
André – Não! Seja nas notícias, programas, informação escrita ou filmes em Português sem legendas… não há igualdade. Há pouquíssima coisa acessível que seja compreensível pela comunidade surda.
 
Quantos surdos existem em Portugal?
André – Os últimos censos falam em cerca de 170 mil. Não sei se esta informação está atualizada, mas no próximo ano teremos novos censos.
 
Um surdo pode conduzir?
André – Claro que sim! Aliás, apercebo-me mais rapidamente de um obstáculo ou da aproximação de uma ambulância do que a Marisa, por exemplo.
Não existe nada a dizer que não possamos conduzir. Tenho todas as minhas capacidades em funcionamento pleno. Simplesmente utilizo uma língua diferente para comunicar no meu próprio país.
 
Que línguas gestuais existem, para além da portuguesa?
André – A LGP não é universal, aliás, como o próprio nome indica, é Língua Gestual Portuguesa. Cada país tem, assim como a língua oral, a sua Língua Gestual. Por exemplo, em França temos a Língua Gestual Francesa, em Espanha a Língua Gestual Espanhola e assim sucessivamente…
 
Gostariam de contar alguma experiência menos boa que tenha acontecido, por exemplo, numa simples ida às compras ou ao café?
André e Marisa – Temos várias... Já aconteceu ouvirmos que parecíamos uns macacos a falar assim com as mãos. Ou que era uma pena o André ser surdo porque até é bonito! Já insinuaram não entenderem o que é que eu vi nele, para me casar com ele… Isto com pessoas que nada têm a ver com a nossa vida, achando simplesmente que têm o direito de opinar.
 
Consideram que uma pessoa surda tenha maior tendência para a deterioração da sua saúde mental?
André – Não! Podem existir situações pontuais, mas não me parece que a causa seja a surdez.
 
Poderia descrever um dia típico, na vida de uma pessoa surda?
André – É uma rotina como a de uma pessoa ouvinte, simplesmente temos algumas adaptações. Por exemplo, acordamos com um despertador que vibra. No meu caso em particular, não ligo a televisão para ver as notícias, costumo vê-las nas redes sociais ou online. Temos um quotidiano normal, como o de qualquer outra pessoa. Existem alguns desafios no nosso dia a dia mas, no que diz respeito à rotina, não acho que seja muito diferente.
 
Professora, pode-nos falar um pouco sobre a relação que tem com o seu marido? Como se conheceram?
Marisa – Bem, a minha relação com o André é como qualquer outra, entre um casal! O amor é o que prevalece e, acima de tudo, está a confiança. Confiamos muito um no outro, tal é essencial em qualquer casal, mas no nosso caso acho que a surdez “agrava” essa necessidade. Talvez algumas situações exijam de mim um pouco mais de atenção, pois sou o apoio dele não só enquanto esposa, mas também porque faço a comunicação em vários contextos, inclusive com a família.
Somos um casal como qualquer outro, contudo, não conseguimos fazer um jantar romântico à luz das velas, pois precisamos de um ambiente com muita luz para comunicar! Também não conseguimos andar de mãos dadas, uma vez que precisamos delas para comunicar.
 
Como tem sido o feedback dos alunos de medicina aos quais dá aulas?
Marisa – De uma forma geral, muito positivo, e a grande maioria vê a participação no curso como uma mais valia, por norma mantendo essa opinião mesmo findo o curso. Há até sempre muito interesse em continuarem a aprender, fazendo o nível II…
Muito do feedback que recebo deste curso é relativamente a servir para abrir horizontes. Mais do que aprender a língua, os alunos têm a oportunidade de conhecer uma comunidade diferente, cujas especificidades é muito importante conhecer. Temos uma ou outra situação em que percebo claramente que os alunos não se encaixam, ou então que não compreendem as necessidades da pessoas surda e acham que esta é até inferior e que ela é que se deve esforçar. Mas… em 7 anos de colaboração com o NEM estes casos foram muito, muito poucos.
Uma outra situação que me deixa muito contente, é os alunos reconhecerem que deveria existir uma cadeira, no próprio curso de Medicina, de LGP, nem que fosse opcional. Assim permitiria e obrigaria todos os médicos a conhecerem esta realidade.
Esta iniciativa deixa-me muito contente mesmo, aliás, deixa-me orgulhosa! Acredito que o meu trabalho vos contagie e que a semente fique em vós… o exemplo desta entrevista é isto mesmo. O vosso interesse vai além do curso e estão a incluir esta temática em outras atividades ou áreas.
 
Um agradecimento muito, muito especial à Professora Marisa Maganinho e André Taipina por, tão prontamente, aceitarem colaborar connosco, visando informar os futuros médicos e sensibilizar para a importância de aprender Língua Gestual Portuguesa.
 
A entrevista foi realizada em colaboração com o DSPRA, pelo colega Miguel Castanheira.






Os Gritos Silenciados da Pandemia

“Um em cada cinco [estudantes] pensaram, pelo menos uma vez, durante o período da pandemia, em suicidar-se.” 81% dos estudantes pensaram pelo menos uma vez que nada tinham a esperar do futuro. Nos meses do verão de 2020, o número de suicídios entre estudantes foi notavelmente superior. Num inquérito realizado por alunos da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e respondido por mais de três centenas de alunos do ensino superior, 76% dos que assumiram não ter ansiedade clinicamente diagnosticada, sentem níveis elevados de ansiedade frequentemente, fora de épocas de avaliação.
Estas estatísticas e números traduzem-se em gritos de todos os que precisam de ajuda.
Nas notícias, nas redes sociais, em todo lado “vemos” o grito de alguém, de um estudante que já pensou em pôr fim à sua vida como uma opção. Um grito em cada cinco vozes, segundo o estudo da Associação Académica de Coimbra sobre a saúde mental e o impacto da pandemia. As vozes soaram em diversas plataformas e mesmo assim o grito foi calado pouco depois. A pessoa que gritava viu mais uma vez o seu pedido de ajuda ignorado.
A saúde mental é sempre um tópico difícil de ser falado e discutido, porque uns não sentem e nem sempre o tentam perceber, porque é um tabu, porque é difícil ouvir alguém, porque todos têm os seus problemas, não é verdade? Pois, por vezes, o grito por ajuda não é ouvido por ninguém e, a cada 40 segundos, alguém no mundo põe, de facto, fim à sua própria vida por não conseguir gritar mais.
Stress e tristeza afetam o dia a dia de qualquer um, mas é o dobro do trabalho quando se é estudante e se tem uma doença mental. Não se pode deixar uma cadeira por fazer ou um trabalho por entregar. Não ter força para sair da cama, mas há uma aula no computador à espera e, faltando, há consequências. São noites sem dormir e, por vezes, dias sem conseguir comer uma refeição. Mas das pessoas que passam por isto é esperado o mesmo que de qualquer outro.
“Estamos todos no mesmo barco”, exceto quando não estamos e um estudante com uma depressão tem de se levantar e passar cinco horas de manhã a ver aulas em frente ao computador e mais outras cinco a estudar para a próxima frequência, quando não sente uma réstia de esperança quanto ao dia de amanhã e está a lidar com o facto de tudo o que lhe trazia prazer na vida parece ter perdido qualquer emoção e quando pensou ontem que a sua vida já não fazia sentido. Não estamos todos no mesmo barco quando um estudante em vez de sentir tristeza e felicidade, sente desespero e pânico na maior parte dos seus dias, quando fisicamente não consegue sair de casa para fazer um exame e não consegue explicar isto aos que se encontram à sua volta porque parece lógico que sair de casa é uma coisa simples e “provavelmente não estudou e está a arranjar desculpas”. A ansiedade é um instinto animal, que serve para nos proteger, quando um carro vem na nossa direção para fugirmos, por exemplo, mas e quando esse instinto de pânico e medo extremo ataca quando temos de sair de casa? Ou quando temos de estudar, mas o medo de não conseguir corresponder às nossas próprias expectativas toma conta de nós? Quando tudo o que conhecemos é medo do que nos rodeia, por vezes nem nos apercebemos de que estamos a olhar para o mundo com duas mãos à frente dos olhos, não nos permitindo viver o quotidiano como qualquer um à nossa volta.
A ansiedade e depressão são as duas doenças mentais mais comuns. Com a pandemia, a falta de convivência com amigos e família, falta de motivação, passar o dia na mesma divisão, com as desigualdades sociais mais acentuadas do que nunca, os sintomas depressivos e de ansiedade são amplificados, como foi comprovado pelos inúmeros estudos feitos. No entanto, onde está o tempo de antena destas doenças? Que faculdades andam a agir perante os resultados destes estudos e a compreender realmente o que “um quinto” significa. Façamos um exercício, se um em cada cinco estudantes universitários estivesse contaminado com a covid-19, seria notícia de todos os jornais, certo? Agora imaginem uma em cada cinco pessoas do grupo de risco com covid-19, ainda pior, não é verdade? Porque não há essa mesma mentalidade e atitude quando é afirmado que um em cada cinco estudantes pensou, pelo menos uma vez, no suicídio durante estes últimos tempos?
Mais do que nunca, é preciso termos em conta quem temos à nossa volta, é preciso levar a sério o comentário “tenho andado triste”, é preciso não arranjar desculpas para quando temos de ajudar o outro. Todos temos os nossos problemas, mas e se uma conversa, ouvir o grito do outro, for o suficiente para que o mesmo não seja mais um número nas estatísticas? Acredito que medicina seja um curso de humanidade acima de ciências exatas, afinal estamos aqui para tratar do outro. Então, que não nos esqueçamos do outro quando esse é um amigo, colega, familiar, aluno que precisa de nós, mesmo que não o diga tão diretamente, que precisa de uma palavra amiga e de um pouco mais de motivação para continuar na luta. Queremos todos mudar o mundo de alguma forma? Então comecemos por quem nos rodeia, lembrando-nos de quem já pediu ajuda e de quem ainda não pediu. Ser estudante torna ter uma doença mental mais difícil, ter uma doença mental torna ser estudante mais difícil. Então, vamos olhar para o lado e ver se conseguimos tornar o dia de alguém um pouco menos doloroso, ouvindo e validando o seu grito e dando a estas estatísticas a preocupação e atenção que merecem.
Pedir ajuda é difícil, ainda mais quando não se sabe como o fazer e quando se fala pouco de como o fazer. Um primeiro passo... Na Universidade de Coimbra (UC), existem consultas de psicologia clínica, a consulta do jovem universitário, que disponibiliza, em parceria com o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), consultas de psiquiatria gratuitas a estudantes da UC (mediante referenciação) e a linha de suporte emocional UCare, que se dedica a dificuldades decorrentes da situação pandémica e medidas de isolamento (ucare@uc.pt). Há ainda linhas de apoio como o SOS voz amiga das 16h às 24h, através dos contactos 213 544 545 / 912 802 6699 ou o serviço de aconselhamento psicológico SNS 24, aberta 24h por dia e gratuita, através do contacto 808 24 24 24.
Pedir ajuda não é fácil, por isso, vamos ouvir quando alguém o faz e não silenciar mais gritos.

Filipa Silva, 1ºano
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