Chamo-me
Maria, Joana, Carla, Mariana, Marta, Júlia, Cláudia, Simone… Não se assustem
com o título, é apenas uma história de amor.
Que
caias a escorrer nos meus braços, para te enxugar a alma. Chegar-te ao meu
coração em compasso, aveludada na calma, na candura do nosso espaço, e fazer do
carinho as gotas do meu oceânico amor por ti.
Ante
todos esses versos exalantes da proposta tácita do amor, sem qualquer diluição,
sem qualquer viés, preso ao sorriso que a minha imaginação expressa. Se
houvesse começo mais lindo, estaria a ser contraproducente face ao abono da
verdade. Ele endereçou-me esses versos. Já saberão de quem se trata.
Ao
longo da minha existência fui levada a exercer exaustivamente a “mística
feminina”, tendo na vanguarda das minhas ações, de ser a misteriosa, a
intuitiva. Este patamar, nada mais é do que estabelecer um rótulo de
incompatibilidade com a razão, atravessando um terreno pantanoso da minha
desvalorização. Ao longo dos séculos, chamaram-na de “essência feminina”, numa
apologia ferrenha à fórmula dos dois sexos. Queria sim, criar-me o tempo todo,
a cada instante, e ser livre para tal. Assumir a angústia inerente a liberdade.
A todo o momento vós sois juízes e parte nessa senda do julgamento social
imputada à mulher – pensamento de François de la Barre plasmado na epígrafe da
grande obra de Simone Beauvoir. Assim, de um tal modo, fui-me construindo num
mundo cuja pedra angular é o homem e assim vi-me junto do engodo de que “a
mulher é o sexo forte e consegue fazer várias coisas ao mesmo tempo” – forma de
legitimar, ao som de uma boa retórica, a exploração. Toda essa “violência
simbólica”, expressão de Pierre Bourdieu, dá azo a muito mais do que o
“simplório”. Uma organização binária, defensora de uma oposição, dada por forma
dicotómica, onde a mulher é ausência do masculino. Durante muito tempo a
cultura separou a esfera pública da esfera privada. Algo que Carol Hanisch refuta,
dizendo: “o pessoal também é político.” O tipo de vida que produzimos em
privado tem relação com o que esperam de nós na esfera pública. Daí a violência
doméstica ser tão subvalorizada e naturalizada. Se sois robusto grilhão e em
meu couro pousar a mal liberdade de um querer são… Se sois apertados quereres,
de um gosto a nó e acompanhada dizer-me só. E ouvidos não querer ter aos meus dizeres…
Se sois os olhos dos meus pés, sem antes os pés dos olhos teus, caminharem de
quem tu és até o chão dos sinceros olhos meus… Se sois assim… O que adianta a
liberdade de gostar, se a liberdade própria de estar, mal posso ter?... E as
histórias de maldades, nem as conto, as vezes que foram, para não mais maldades…
Lágrimas secas que escorreram, ausências que presenças não foram, desventuras
que as aventuras viveram e, até, palavras que quiseram dizer o que não
disseram. Sou menos ou mais do que pareço? Xiiiiiu! Se eu soubesse haveria o
risco de ser e assim pagar o duro preço! Pior será preferir o comum ator,
querido por este mundo rabisco e saber parecer, sem ser autor de nada.
Pergunto-me, sempre que medo sentir… e se um dia, entre o mal, a morte vir? Fui
pedir para conversar com alguém. Reclamaram-me de não ter tempo. Só que o papel
da vida reclama pintura e nós, reclamamos tempo! Ela, na sua conjuntura, deixa-nos
entre razões no tempo errado, em momentos de desagrado, sem tempo para
reclamações! Pensei… serei eu a ingrata, a insatisfeita? Talvez mais além, se
assim for a vontade da vida, eu terei de saber esperar, ou fingir saber o que
fazer. Até cheguei a dizê-lo: Não serei para além de mim, por ti! Serei o melhor
de mim, por nós! Tentando capturar a minha autoestima e a minha vontade de
estar ali… mas, até a próxima pancada seguida de flores. Chamem um pássaro, ele
tem as asas que eu não consigo ter, neste silêncio de amparo e sem sequer
lágrimas verter. Não sei a quem chamar, para em tudo acalmar o medo do ridículo.
Que a coragem saia para fora e assim tê-la, velada, adorada e mirada, para que
eu continue gostando de gostar de mim. As palavras existiram um dia…
Mal-arrumadas, com espírito, enquanto esperavam o amanhã de ontem, um busto com
cunho daqueles que vieram buscar esta busca partida, fragmentada de não dizer.
O jeito perdeu-se de ser interpretado, assim como as minhas nódoas negras. As palavras…
quando as busco, sem as trazer e nadar entre elas, em charros ou oceanos, faz
com que as deixe lá e só faço, de longe, acenos. Queria dar novos passos para
sair daquela situação. Mas, passos? Quais? Corajosos, dizem que são? Em fuga,
para onde eles irão? E quando plácidas, deverão ficar? Haverá quem me mostre um
guião? Até onde, de verdade, irão? Serão resilientes à impávida objeção? E
sobre remorsos de uma caminhada em vão? Quão fortes afirmam fronte ao pedido de
perdão? Passos, quais são? Mas, o que será de mim se não?... se não der esses
passos?
“– Polícia! Senhora,
está tendo briga cá em casa. Meu pai… ele quer bater na minha mãe! Por favor, vem
rápido, pelo amor de Deus! Ele está ameaçando a minha mãe…”
Digo-vos
já! Hoje, foi um dia diferente, foi o dia do meu funeral. Não existe agressor
de uma só vez. A dor nunca estará vestida de carinho… ela pode estar suja de
carinho. Esta violência não tem contornos suaves, porque ela é uma lança
descendo sinicamente. O começo estava escrito na aliança e agora o fim está
escrito na lápide. Não sabia o que responder, sempre que me perguntavam: “na
noite anterior, deste algum motivo para ser violentada?”. Até hoje não sei
responder a esta outra questão: “Mas tu? Uma senhora estuda, inteligente,
porquê se sujeitar a isso?”. O pesadelo não era durante as noites, não foi de
repente, não foi uma circunstância. O pesadelo era! Simples assim, sem
eufemismos e subterfúgios, dentro da sua colossal complexidade. Os outros
velaram a minha dor com os seus silêncios… até que ele (o meu corpo) não era
velado com a dor dos seus choros.
Assustem-se
com o título! Foi apenas uma história de “amor”.
Rodrigo Fortes, 5º ano
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