Ser
Médico Fisiatra significa ser o coordenador da equipa pluriprofissional de
reabilitação, trabalhando para colmatar as incapacidades físicas e cognitivas
dos doentes, de todas as faixas etárias, de modo a melhorar a sua qualidade de
vida, atingirem o maior grau de independência funcional possível, permitir a
sua participação, atividade e reintegração na sociedade. De modo geral as
principais frentes de ação da Medicina Física e de Reabilitação (MFR) são as patologias
do foro neurológico, orto-traumatológico e reumatológico. No entanto a MFR
coopera e abrange todas as áreas médicas e cirúrgicas.
Em que momento do seu
percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?
A
MFR não é uma especialidade muito abordada durante a faculdade. Tive
oportunidade de contactar com a mesma através de uma cadeira opcional, sendo
que as aulas práticas despertaram o meu interesse pela área. O maior contacto
foi durante o Ano de Internato Geral.
Quais as principais
razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e
entusiasmava nesta
decisão?
Interesse
por uma área abrangente, com múltiplas áreas de diferenciação. O facto de: ser
uma especialidade relativamente jovem, com muito potencial para crescimento; o
surgimento constante de novas tecnologias; a possibilidade de contactar com
todas as faixas etárias, desde o recém-nascido ao idoso; o interesse conjunto
pela área neurológica e músculo-esquelética...;
Quais são os principais
locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário?
Grande
parte do trabalho do médico Fisiatra ocorre na área da Consulta Externa
(consultas, procedimentos e técnicas diagnósticas/terapêuticas). A restante
atividade é distribuída pelo apoio aos doentes internados (nos hospitais de
agudos), coordenação com a equipa multiprofissional (fisioterapeutas, terapeutas
ocupacionais, terapeutas da fala, ortoprotésicos, neuropsicólogos/psicólogos,
enfermeiros de reabilitação, entre outros.). Acompanhamento dos doentes em
atividade: ginásio e outros sectores terapêuticos. Nos centros de reabilitação,
como os doentes internados estão ao cuidado do médico Fisiatra, o apoio ao
internamento (intercorrências médicas e outras) torna-se maior.
Como descreveria o
ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/enfermeiros/doentes nos
serviços por onde passa? Como é a entreajuda entre os médicos mais e menos
experientes?
Pela
experiência que tenho da especialidade e de relatos de outros colegas, regra
geral o ambiente é muito bom, existindo um grande espírito de entreajuda.
Considera que existe
idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa? Como é a qualidade
de ensino?
Considero
que a qualidade de ensino é boa, com ligeiras variações como em todas as especialidades.
No caso particular da MFR, como é necessário efetuar estágio em regime de
internamento (normalmente nos centros de reabilitação) não será possível
efetuar o internamento completo no hospital de origem. No caso dos internos dos
centros de reabilitação a situação é contrária, sendo necessário sair para efetuar
alguns estágios (Medicina Interna, Neurologia, Reumatologia, Reabilitação
Músculo-esquelética, Ortopedia…).
Existe, no seu
trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro, formação
complementada noutro centro, …)?
Existe
a possibilidade e grande abertura para efetuar estágios complementares em
centros especializados em área de interesse e no estrangeiro.
Como descreveria um dia
de trabalho nesta especialidade? Como caracteriza o nível de esforço e de
dedicação a que é sujeito diariamente, na sua profissão?
Num
hospital de agudos: genericamente o dia começa com os pedidos de consulta
interna, o apoio ao internamento é gerido ao longo do dia e conjugado com o
período de consultas externas (MFR geral e áreas de diferenciação). Existe
também um grande número de relatórios clínicos (relacionados com as incapacidades)
a efetuar; parte do dia também é dedicada às reuniões de equipa, quer
interdisciplinar (com outras especialidades médicas), quer as reuniões de
coordenação de equipa multiprofissional.
Nos
centros de reabilitação: existem todo o trabalho acima referido, com a variação
que o internamento (reabilitação intensiva em regime de internamento) é da
responsabilidade do médico Fisiatra, tendo este de lidar com tudo o que isso
implica: prescrições, intercorrências médicas, visitas de família, monitorização
de patologias médicas, coordenação com outras especialidades, entre outros.
Considera que esta
especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies? E
relativamente à vida pessoal/familiar?
Sim,
considero que existe uma boa relação pessoal/familiar, existindo o incentivo à
existência de hobbies, sobretudo desportivos.
Relativamente à carga
horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as
restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)? Ainda nesta questão,
o que varia, ao longo dos anos de internato?
40h/semanais
durante o internato. Restante muito variável. Geralmente temos de efetuar
urgência de Medicina Interna durante o estágio da mesma (6 meses). Durante o
estágio de Ortopedia (3 meses) acompanhamos também a urgência da especialidade.
O restante apoio à urgência externa depende de cada hospital. Alguns têm que
efetuar urgência de Medicina durante parte/todo o internato, outros não. Nos hospitais
de agudos, quando especialista não há geralmente qualquer tipo de urgência em
MFR. Nos centros de reabilitação o médico Fisiatra, como médico responsável do
centro, tem de assegurar a urgência interna. Geralmente (fora urgência
interna/externa) não há necessidade de efetuar horas extra.
Como interno, como
é/foi o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes?
A
autonomia aumenta gradualmente ao longo do internato, tendo oportunidade de
efetuar um grande número de técnicas. No entanto, não é das especialidades com
mais independência logo de início e, em regra, não inicia consulta de forma
mais autónoma até, pelo menos, o 3º ano.
Quais as
subespecialidades pelas quais se poderá optar? Existe liberdade total para esta
escolha? Como acontece o processo?
Existem
várias áreas de interesse e especialização, apesar de não existir
subespecialidades estabelecidas. Várias áreas: pediatria, espasticidade, bexiga
e intestino neurogéneo, reabilitação sexual, reabilitação (reab.) do pavimento
pélvico, reab. Cardíaca, reab. Respiratória, reab músculo-esquelética; reab amputados;
Tecnologias em reabilitação, etc.
Como acontecem os momentos
de avaliação? Em que período do ano? Qual o grau de dedicação e maiores
dificuldades?
A
avaliação é ajustada de acordo com os estágios e dos anos em que nos
encontramos. Muito variável de local para local. O grau de dedicação/
dificuldades são sobreponíveis às outras especialidades. A organização e o grau
de conhecimento são um desafio, uma vez que a prática da Fisiatria implica conhecimento
da fisiopatologia e clínica de entidades patológicas de todos os sistemas
orgânicos, tornando o estudo extenso e disperso.
Qual diria ser a maior
dificuldade que encontra nesta especialidade?
Por
vezes a afirmação perante as outras especialidades e a sua “sobreposição” em
algumas áreas, dada a sua abrangência. Dificuldade na cooperação e liderança de
equipa constante.
Quais os principais
fatores positivos na sua especialidade?
Boa
relação pessoal/trabalho.
Horário
consistente, não exigindo realização de urgência externa (embora algumas
instituições o exijam).
Grande
abrangência, permitindo que qualquer médico fisiatra se dedique a uma área do
seu maior interesse.
Gratificação
pessoal e profissional pela melhoria na funcionalidade e, consequentemente, na qualidade
de vida do doente.
Como descreveria a sua
especialidade em relação à possibilidade de:
Progressão de carreira: boa abertura e possibilidade; boa empregabilidade no
público e privado
Enveredar pela carreira
investigacional: não será a melhor
especialidade para uma carreira dedicada à investigação. Em Portugal, não há
grande investimento.
Constante inovação
científica: principalmente na vertente
tecnológica de apoio à reabilitação: meios aumentativos de comunicação,
próteses/ortóteses, etc. Além disso, agentes físicos, toxina botulínica, fármacos
intra-articulares, ...
Oportunidades de
trabalho tanto no setor privado como público:
Considerável oferta em ambos os sectores.
Escolhia novamente esta
especialidade? Está a corresponder às expectativas que tinha? Quais foram as
principais surpresas?
Apesar
de a MFR ser um mundo novo e uma medicina diferente da tradicional que
aprendemos na faculdade, escolheria novamente esta especialidade, sem dúvida. Diria
que é necessário mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se
prosseguir esta especialidade? Em todas as especialidades é necessário estarmos
constantemente atualizados cientificamente, sendo o estudo e dedicação
fundamental. Na MFR existe uma grande componente humana de forma a abordarmos
da melhor forma a incapacidade, visto que ela muitas vezes não desaparece, tem
é de ser contornada.
Tem alguma consideração
importante a fazer que ainda não tenha sido abordada?
O
aumento da longevidade das populações e a maior sobrevida após doença aguda,
fazem da Medicina Física e de Reabilitação uma especialidade cada vez mais
importante numa sociedade desenvolvida, como a nossa. Embora não sendo uma
especialidade life saving, é a área da medicina que se preocupa com o retorno à
vida normal e com a qualidade de vida, permitindo reintegrar um doente com défice
cognitivo ou motor no seio familiar, social, lúdico e/ou profissional.
Os
doentes com amputação de membro e os agentes físicos como: o calor, frio,
magnetoterapia, laser, ultrassom, ondas de choque ou electroestimulação, são
áreas específicas da MFR.
Texto redigido com a
ajuda do Dr. Ricardo Dinis Sousa, médico interno de Formação Específica em
Medicina Física e de Reabilitação no Centro de Medicina de Reabilitação de
Alcoitão
0 Comentários