1001 Especialidades: Manual do Estudante Indeciso #3 – Medicina Física e de Reabilitação (MFR)

O que significa ser médico desta especialidade? Quais são as principais frentes de ação?
Ser Médico Fisiatra significa ser o coordenador da equipa pluriprofissional de reabilitação, trabalhando para colmatar as incapacidades físicas e cognitivas dos doentes, de todas as faixas etárias, de modo a melhorar a sua qualidade de vida, atingirem o maior grau de independência funcional possível, permitir a sua participação, atividade e reintegração na sociedade. De modo geral as principais frentes de ação da Medicina Física e de Reabilitação (MFR) são as patologias do foro neurológico, orto-traumatológico e reumatológico. No entanto a MFR coopera e abrange todas as áreas médicas e cirúrgicas.

Em que momento do seu percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?
A MFR não é uma especialidade muito abordada durante a faculdade. Tive oportunidade de contactar com a mesma através de uma cadeira opcional, sendo que as aulas práticas despertaram o meu interesse pela área. O maior contacto foi durante o Ano de Internato Geral.

Quais as principais razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e
entusiasmava nesta decisão?
Interesse por uma área abrangente, com múltiplas áreas de diferenciação. O facto de: ser uma especialidade relativamente jovem, com muito potencial para crescimento; o surgimento constante de novas tecnologias; a possibilidade de contactar com todas as faixas etárias, desde o recém-nascido ao idoso; o interesse conjunto pela área neurológica e músculo-esquelética...;

Quais são os principais locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário?
Grande parte do trabalho do médico Fisiatra ocorre na área da Consulta Externa (consultas, procedimentos e técnicas diagnósticas/terapêuticas). A restante atividade é distribuída pelo apoio aos doentes internados (nos hospitais de agudos), coordenação com a equipa multiprofissional (fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, terapeutas da fala, ortoprotésicos, neuropsicólogos/psicólogos, enfermeiros de reabilitação, entre outros.). Acompanhamento dos doentes em atividade: ginásio e outros sectores terapêuticos. Nos centros de reabilitação, como os doentes internados estão ao cuidado do médico Fisiatra, o apoio ao internamento (intercorrências médicas e outras) torna-se maior.

Como descreveria o ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/enfermeiros/doentes nos serviços por onde passa? Como é a entreajuda entre os médicos mais e menos experientes?
Pela experiência que tenho da especialidade e de relatos de outros colegas, regra geral o ambiente é muito bom, existindo um grande espírito de entreajuda.

Considera que existe idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa? Como é a qualidade de ensino?
Considero que a qualidade de ensino é boa, com ligeiras variações como em todas as especialidades. No caso particular da MFR, como é necessário efetuar estágio em regime de internamento (normalmente nos centros de reabilitação) não será possível efetuar o internamento completo no hospital de origem. No caso dos internos dos centros de reabilitação a situação é contrária, sendo necessário sair para efetuar alguns estágios (Medicina Interna, Neurologia, Reumatologia, Reabilitação Músculo-esquelética, Ortopedia…).

Existe, no seu trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro, formação complementada noutro centro, …)?
Existe a possibilidade e grande abertura para efetuar estágios complementares em centros especializados em área de interesse e no estrangeiro.

Como descreveria um dia de trabalho nesta especialidade? Como caracteriza o nível de esforço e de dedicação a que é sujeito diariamente, na sua profissão?
Num hospital de agudos: genericamente o dia começa com os pedidos de consulta interna, o apoio ao internamento é gerido ao longo do dia e conjugado com o período de consultas externas (MFR geral e áreas de diferenciação). Existe também um grande número de relatórios clínicos (relacionados com as incapacidades) a efetuar; parte do dia também é dedicada às reuniões de equipa, quer interdisciplinar (com outras especialidades médicas), quer as reuniões de coordenação de equipa multiprofissional.
Nos centros de reabilitação: existem todo o trabalho acima referido, com a variação que o internamento (reabilitação intensiva em regime de internamento) é da responsabilidade do médico Fisiatra, tendo este de lidar com tudo o que isso implica: prescrições, intercorrências médicas, visitas de família, monitorização de patologias médicas, coordenação com outras especialidades, entre outros.

Considera que esta especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies? E relativamente à vida pessoal/familiar?
Sim, considero que existe uma boa relação pessoal/familiar, existindo o incentivo à existência de hobbies, sobretudo desportivos.

Relativamente à carga horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)? Ainda nesta questão, o que varia, ao longo dos anos de internato?
40h/semanais durante o internato. Restante muito variável. Geralmente temos de efetuar urgência de Medicina Interna durante o estágio da mesma (6 meses). Durante o estágio de Ortopedia (3 meses) acompanhamos também a urgência da especialidade. O restante apoio à urgência externa depende de cada hospital. Alguns têm que efetuar urgência de Medicina durante parte/todo o internato, outros não. Nos hospitais de agudos, quando especialista não há geralmente qualquer tipo de urgência em MFR. Nos centros de reabilitação o médico Fisiatra, como médico responsável do centro, tem de assegurar a urgência interna. Geralmente (fora urgência interna/externa) não há necessidade de efetuar horas extra.

Como interno, como é/foi o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes?
A autonomia aumenta gradualmente ao longo do internato, tendo oportunidade de efetuar um grande número de técnicas. No entanto, não é das especialidades com mais independência logo de início e, em regra, não inicia consulta de forma mais autónoma até, pelo menos, o 3º ano.

Quais as subespecialidades pelas quais se poderá optar? Existe liberdade total para esta escolha? Como acontece o processo?
Existem várias áreas de interesse e especialização, apesar de não existir subespecialidades estabelecidas. Várias áreas: pediatria, espasticidade, bexiga e intestino neurogéneo, reabilitação sexual, reabilitação (reab.) do pavimento pélvico, reab. Cardíaca, reab. Respiratória, reab músculo-esquelética; reab amputados; Tecnologias em reabilitação, etc.

Como acontecem os momentos de avaliação? Em que período do ano? Qual o grau de dedicação e maiores dificuldades?
A avaliação é ajustada de acordo com os estágios e dos anos em que nos encontramos. Muito variável de local para local. O grau de dedicação/ dificuldades são sobreponíveis às outras especialidades. A organização e o grau de conhecimento são um desafio, uma vez que a prática da Fisiatria implica conhecimento da fisiopatologia e clínica de entidades patológicas de todos os sistemas orgânicos, tornando o estudo extenso e disperso.

Qual diria ser a maior dificuldade que encontra nesta especialidade?
Por vezes a afirmação perante as outras especialidades e a sua “sobreposição” em algumas áreas, dada a sua abrangência. Dificuldade na cooperação e liderança de equipa constante.

Quais os principais fatores positivos na sua especialidade?
Boa relação pessoal/trabalho.
Horário consistente, não exigindo realização de urgência externa (embora algumas instituições o exijam).
Grande abrangência, permitindo que qualquer médico fisiatra se dedique a uma área do seu maior interesse.
Gratificação pessoal e profissional pela melhoria na funcionalidade e, consequentemente, na qualidade de vida do doente.

Como descreveria a sua especialidade em relação à possibilidade de:
Progressão de carreira: boa abertura e possibilidade; boa empregabilidade no público e privado
Enveredar pela carreira investigacional: não será a melhor especialidade para uma carreira dedicada à investigação. Em Portugal, não há grande investimento.
Constante inovação científica: principalmente na vertente tecnológica de apoio à reabilitação: meios aumentativos de comunicação, próteses/ortóteses, etc. Além disso, agentes físicos, toxina botulínica, fármacos intra-articulares, ...
Oportunidades de trabalho tanto no setor privado como público: Considerável oferta em ambos os sectores.

Escolhia novamente esta especialidade? Está a corresponder às expectativas que tinha? Quais foram as principais surpresas?
Apesar de a MFR ser um mundo novo e uma medicina diferente da tradicional que aprendemos na faculdade, escolheria novamente esta especialidade, sem dúvida. Diria que é necessário mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se prosseguir esta especialidade? Em todas as especialidades é necessário estarmos constantemente atualizados cientificamente, sendo o estudo e dedicação fundamental. Na MFR existe uma grande componente humana de forma a abordarmos da melhor forma a incapacidade, visto que ela muitas vezes não desaparece, tem é de ser contornada.
Tem alguma consideração importante a fazer que ainda não tenha sido abordada?
O aumento da longevidade das populações e a maior sobrevida após doença aguda, fazem da Medicina Física e de Reabilitação uma especialidade cada vez mais importante numa sociedade desenvolvida, como a nossa. Embora não sendo uma especialidade life saving, é a área da medicina que se preocupa com o retorno à vida normal e com a qualidade de vida, permitindo reintegrar um doente com défice cognitivo ou motor no seio familiar, social, lúdico e/ou profissional.
Os doentes com amputação de membro e os agentes físicos como: o calor, frio, magnetoterapia, laser, ultrassom, ondas de choque ou electroestimulação, são áreas específicas da MFR.

Texto redigido com a ajuda do Dr. Ricardo Dinis Sousa, médico interno de Formação Específica em Medicina Física e de Reabilitação no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão
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