Viver com a Dúvida

A dúvida corrói. Começa a ser derramada num canto da nossa cabeça. O que fazemos? Recorremos a uma distração para nos esquecermos dela. Vemos um filme, damos uma caminhada, lemos um livro, vamos ao chat com os amigos. Mas… E quando passam dias e a dúvida ressurge? Ou pior, quando ela aparece mal paramos quietos? Quando não a conseguimos coçar à primeira, ela cresce, alimenta-se da nossa substância cinzenta e pinta os nossos dias dessa mesma cor.
Parece-me importante falar sobre o papel da dúvida nas nossas vidas e da dimensão do seu poder. Defendo que sempre que possível, devemos confrontar a sua origem, ponderar se ela faz sentido ou não. Mas independentemente da resposta, ela pode obviamente sempre permanecer e neste estranho tempo que vivemos, a dúvida é uma certeza que abarca toda a humanidade.
Terei dinheiro para alimentar os meus filhos? Serei despedido quando os estabelecimentos reabrirem? Poderei manter a minha casa? E o meu exame, quando será? E como será? Para os que ainda conseguem dormir, estas questões surgem em sonhos. Os professores entram nos nossos sonhos, o que nos acorda em sobressalto e a transpirar. Maldito seja! A dúvida, até a hora de descanso já conseguiu atingir.
Perdemos a vontade de tomar o pequeno-almoço ou de ir à primeira aula. Ficamos na cama a olhar para o teto. Uma hora passa e ainda estamos na mesma posição. Estes podem ser os primeiros sintomas de uma depressão.
Obviamente que a realidade atual (que muito tem de ficção científica) não permite chegar a nenhuma conclusão de como serão as nossas vidas no futuro. Não conseguimos ter o controlo que gostaríamos sobre elas. Passamos anos a ouvir “Não sofras de antecipação. Vai ficar tudo bem.”, mas isto já não chega. Estamos a criar uma sociedade depressiva e nada é mais perigoso que isso.
É preciso estarmos atentos aos nossos amigos, familiares e conhecidos. Verdadeiramente fortes são aqueles que ainda estão com o ânimo todo, que acordam todos os dias às 7 da manhã e fazem treinos do Youtube religiosamente. Mas a maioria já desanimou, recorre à comida e à Netflix para conforto. Não vemos os nossos avós há meses e não sabemos quando o faremos. Este é outro ponto fulcral, os avós. Estão já nos seus últimos tempos e nem um beijo podem receber. Pelo que se levanta outra dúvida – “Poderei abraçar a minha avó antes dela falecer?”
A dúvida gera ansiedade, tremores, letargia, insónias. Mulheres perdem a menstruação, homens perdem cabelo. O choro torna-se fácil, bem como as discussões. Casamentos destroem-se, amigos discutem.
A dúvida causa doença. Não sabemos o que nos espera, mas sabemos que podemos estar aqui uns para os outros, prontos para animar quem está a perder a força e certamente, quando formos nós a perder a força, alguém há de nos ajudar a reerguer.
Ninguém vivo passou por algo semelhante, pelo que a informação de como lidar tanto tempo com o isolamento é inexistente. Mas por favor, estejamos atentos uns aos outros. Não há nada mais importante do que a nossa saúde mental.
Rita Rodrigues, 4º ano

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