“Vão-se
os anéis, ficam os dedos”. Foi esta expressão o motivo de estar agora sentada
na minha varanda a escrever. Uma amiga disse-ma em conversa e, andando eu a
refletir muito (ainda mais que o habitual) sobre relações, parece-me importante
desenvolver este tema.
Se
formos ao limite, podemos interpretá-la da seguinte forma: quando morremos, de
nada servem os anéis, o ouro que temos. Seremos inevitavelmente comidos por
bichinhos e fertilizaremos o planeta para as gerações futuras. Prova disto é,
vejamos, a situação atual do covid-19. De que adianta viver numa casa de 3 andares
com piscina, ter os carros mais seguros para viajar, se aparece uma coisa
invisível e ficamos a respirar por um tubo? Sim, podemos argumentar que quem
tem mais posses, provavelmente terá a quarentena facilitada por não ter de
ficar confinado a uma divisão da casa, por poder comprar máscaras melhores e
mais regularmente. Mas onde quero chegar é que, uma vez expostos ao vírus, o
ouro não decidirá se temos mais ou menos sintomas e a sua gravidade.
Porém,
“vão-se os anéis, ficam os dedos”, é também uma forma muito prática de dizer que
a única pessoa com a qual poderemos sempre contar, até ao fim dos nossos dias,
está em nós próprios. A meu ver, esta é uma realidade muito triste. Todos
ouvimos em algum momento da nossa vida, certamente, um “estou aqui para o que
precisares”, “qualquer coisa, já sabes”. Mas e quantas vezes é que também,
efetivamente, precisámos de alguém e fomos deixados por nossa conta? Quantas
vezes depositamos fé em alguém, para depois levarmos uma lição?
Algo
que me entristece bastante é o individualismo. Vivemos numa sociedade cujas
bases assentam nos valores errados – dinheiro e estatuto. Não será a família
mais importante que o dinheiro? Não é o amor ao próximo, um “obrigada” de uma
criança, um sorriso de um idoso, mais importante que um ordenado com quatro
dígitos?
Vivemos
enganados. Passamos a nossa vida em busca da felicidade e, por muito cliché que
pareça, a felicidade está na viagem. Mas poucos são aqueles que o sabem. Não
aproveitamos o caminho. Dizemos a nós próprios e ensinamos aos nossos filhos
que a felicidade está em viver numa casa grande, ter um carro alemão e um “Dr”
antes do nome. Enganamo-nos e aos nossos. Esta luta pela prometida felicidade
faz com que muitos considerem apenas o seu próprio bem-estar e necessidades.
É-me
imenso chocante o facto de sentir diariamente o individualismo dos futuros
médicos. Atualmente, em Portugal, o processo de seleção dos futuros
profissionais de saúde é ridículo e uma promoção da competição. Porque é que no
nosso país consideramos que alguém com média de 19 será melhor médico do que
alguém com uma média de 16? Já pensaram que estamos a perder excelentes profissionais,
ricos em amor e altruísmo, por não atingirem determinadas notas?
Programamos,
formatamos os jovens de forma a serem todos iguais, para entrarem em
determinado curso. Obrigamo-los a serem competitivos, a serem melhores que os
outros, a não se entreajudarem, para desempenharem a profissão que, a meu ver,
requer o maior humanismo possível. Depois como é que não se querem queixar de
que foram vistos no hospital por alguém que nem olhou para vós? Que nem vos deu
uma palavra carinhosa? É justo exigir humanismo de alguém que foi treinado para
ser o melhor, para competir? Até a entrada para a especialidade é uma
competição. Resumimos 6 anos de curso na capacidade de decorar matéria e não
temos minimamente em consideração a personalidade do aluno.
Posto
isto, algo que defendo ter de ser urgentemente debatido são os médicos que estamos
a formar. Há pessoas que pura e simplesmente não têm personalidade para ter
algo tão precioso como a vida de alguém nas suas mãos, ponto final. Porque é
que no nosso país não submetemos os futuros médicos a uma entrevista, como
fazem vários países, a fim de aferir traços como a empatia ou o altruísmo?
Ainda hoje há várias pessoas a estudar medicina pelo estatuto ou por terem boas
notas e “ser um desperdício alguém com média de 18 ir para rececionista”. E se
o meu filho for um génio, mas for incapaz de olhar o outro nos olhos? Até pode
ser uma besta aos olhos de todos, mas desde que compita bem, será médico – no
papel. Porque ser verdadeiramente médico não é ter o canudo na mão.
Muitas
vezes alguém procura o médico apenas para conversar, para ter uma palavra de
conforto. O médico deve, acima de tudo, estabelecer uma relação de confiança
com o doente e permiti-lo falar de tudo aquilo que o perturbe. O paciente
precisa de se sentir ouvido e que as suas crenças são validadas.
Algo
que me disseram várias vezes e que, por alguns momentos, admito pensar ser
verdade, é que quem não olha a meios para atingir os seus objetivos é quem tem
sucesso. Mas será alguém efetivamente feliz passando a sua vida a calcar os
outros? Merecerá qualquer tipo de mérito alguém que engorda a sua conta
bancária através da exploração dos funcionários? Infelizmente, são incontáveis
as situações em que isto ocorre.
Sou
defensora acérrima de que inevitavelmente prestaremos contas pelos nossos atos,
seja nesta vida ou, para quem crê, sendo esse o meu caso, numa outra forma de
vida. Alguém que trafica humanos, bate nos outros ou rouba, pura e simplesmente
não pode receber o mesmo reconhecimento que aqueles que sempre trataram os
demais como irmãos, como iguais. Não nos esqueçamos da consciência. Quem
pratica o mal, só olhando para si, acabará por ter dificuldade em encarar-se ao
espelho. Haverá algo mais perturbador do que não conseguirmos viver com nós
próprios?
Rita Rodrigues, 4º ano
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