1001 Especialidades: Manual do Estudante Indeciso #14 – MGF

O que significa ser médico desta especialidade? Quais são as principais frentes de ação?
Ser Médico de Medicina Geral e Familiar (MGF) significa fazer o acompanhamento dos utentes desde o seu nascimento até à sua morte. Significa fazer uma Medicina personalizada, global, acessível e de cuidados de continuidade a toda a população. A MGF cuida da pessoa em vários momentos: na prevenção, no diagnóstico, no tratamento, na reabilitação e nos cuidados paliativos. Esta diversidade proporciona desafios para os quais temos de estar preparados todos os dias.
 
Em que momento do seu percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?
Nos anos clínicos da faculdade, percebi que tinha preferência por uma especialidade médica, sendo que até ao final do curso e após contacto com a maioria das especialidades, o leque ficou reduzido a 4 ou 5 especialidades, entre as quais se encontrava MGF. O estágio do 6º ano em cuidados de saúde primários acentuou ainda mais o interesse que tinha pela especialidade.
 
Quais as principais razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e entusiasmava nesta decisão?
O facto de ser uma especialidade clínica, transversal a todas as idades e que obriga a um grande raciocínio clínico no quotidiano, são factores que pesaram na minha escolha. Para além disto, o facto de podermos proporcionar cuidados personalizados a quem mais necessita, é também uma fonte de motivação.
 
Quais são os principais locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário?
O trabalho diário acontece maioritariamente na unidade de saúde (UCSP / USF) de colocação do Médico Interno, sendo que as formações obrigatórias e opcionais ocorrem, maioritariamente, no hospital de referência da instituição de colocação.
 
Como descreveria o ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/ enfermeiros/doentes nos serviços por onde passa? Como é a entreajuda entre os médicos mais e menos experientes?
A MGF trabalha sempre em equipa, quer sejam médicos ou não e isso é essencial para uma excelente prestação de cuidados. O ambiente entre os diversos profissionais depende sempre do local de formação do médico interno e da experiência pessoal de cada um, motivo pelo qual a escolha do local de formação é muito importante em MGF. Na minha experiência pessoal, o ambiente entre os vários profissionais e a entreajuda são muito boas.
 
Considera que existe idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa? Como é a qualidade de ensino?
Sim, as idoneidades formativas parecem-me adequadas nas unidades de colocação, sendo que esta idoneidade pode, por vezes, ser limitada pela capacidade formativa dos serviços hospitalares onde decorrem as formações obrigatórias e opcionais. A qualidade do ensino depende sempre da experiência pessoal de cada um nos seus locais de formação, mas na minha experiência pessoal, considero que é boa.
 
Existe, no seu trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro, formação complementada noutro centro, …)?
A autorização da realização de formações no estrangeiro está sempre dependente de autorização superior, mas conheço colegas que realizaram estágios no estrangeiro (por exemplo, estágio de um mês em cuidados de saúde primários em Cabo Verde).
 
Como descreveria um dia de trabalho nesta especialidade? Como caracteriza o nível de esforço e de dedicação a que é sujeito diariamente, na sua profissão?
O horário de trabalho costuma ser sobreponível ao do orientador de formação, sendo que também existe tempo disponível no horário para estudo e realização de trabalhos. A maioria é composta por atividade assistencial presencial (consultas), mas também realizamos atividade não presencial (contactos indiretos de utentes como, por exemplo, para renovação de medicação crónica). Todos os internatos têm o seu grau de exigência, que penso não diferir muito entre as especialidades.
 
Considera que esta especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies? E relativamente à vida pessoal/familiar?
Sim, existindo uma boa organização pessoal do tempo, existe possibilidade de ter hobbies e uma via pessoal/familiar ativa.
 
Relativamente à carga horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)? Ainda nesta questão, o que varia, ao longo dos anos de internato?
A carga horária é adequada ao trabalho que realizamos, sendo que por vezes pode existir a necessidade de realizar algumas horas extra (em situações pontuais como substituição de colegas ou a realização de atendimento complementar à noite e/ou fim de semana). Esta realização de horas extra habitualmente aumenta com a progressão no internato.
 
Como interno, como é/foi o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes?
Esta questão depende muito do orientador de formação. Pessoalmente, no início do internato acompanhei sempre a minha orientadora de formação na realização de consultas e a autonomia foi sendo ganha progressivamente, com o decorrer do internato.
 
Quais as subespecialidades pelas quais se poderá optar? Existe liberdade total para esta escolha? Como acontece o processo?
Em MGF não existem subespecialidades, embora exista a possibilidade de realizarmos formação pós-graduada específica em determinada área que seja do nosso interesse. Já começam a existir algumas consultas específicas (atividade física, cessação tabágica...) em algumas unidades às quais os médicos se podem dedicar.
 
Como acontecem os momentos de avaliação? Em que período do ano? Qual o grau de dedicação e maiores dificuldades?
Habitualmente, as formações complementares obrigatórias têm uma avaliação escrita (por Administração Regional de Saúde), que decorre entre o final do ano e o início do ano seguinte. As avaliações de cada ano de internato consistem numa avaliação escrita realizada a nível nacional (no final do 1º e 3º ano do internato, em 2 épocas diferentes – janeiro e junho) ou, então, pode ser feita avaliação oral (no final do 2º e 4º ano do internato, realizada a nível de cada ACeS / ULS no início de cada ano). O exame final do internato ocorre, habitualmente, em 2 épocas, tal como em outras especialidades, nos meses de março e outubro. É necessária bastante dedicação e estudo para realizar as provas referidas. A maior dificuldade neste momento é que estas metodologias de avaliação são recentes e, por exemplo, a prova escrita de avaliação do 1º ano foi realizada pela primeira vez em janeiro de 2020 e não existiu bibliografia recomendada para o estudo.
 
Qual diria ser a maior dificuldade que encontra nesta especialidade?
Existe bastante trabalho burocrático (por exemplo: renovação de prescrição de tratamentos de Medicina Física e Reabilitação, relatórios para a Segurança Social) que não deveria ser função do Médico de Família e que retira tempo para outras atividades.
 
Quais os principais fatores positivos na sua especialidade?
A relação médico-doente que conseguimos construir com os utentes e o facto de lidarmos com eles ao longo de todo o seu ciclo de vida, são aspetos que fazem a MGF diferenciar-se em relação às outras especialidades. Fazer consulta a um recém-nascido e na consulta seguinte estarmos a acompanhar um doente diabético ou uma grávida é um desafio que considero ser um fator positivo e desafiante nesta especialidade.
 
Como descreveria a sua especialidade em relação à possibilidade de:
Progressão de carreira – A progressão na carreira é igual em todas as especialidades. No entanto, MGF tem a particularidade de ter uma organização diferente das demais especialidades - a existência de USF modelo B, onde existem incentivos financeiros estabelecidos. Nesta tipologia (USF modelo B), existem também incentivos financeiros para os coordenadores das unidades e para os médicos que são orientadores de formação.
Enveredar pela carreira investigacional – Quem gosta da área de investigação tem a possibilidade de enveredar por ela de duas formas: através da realização do doutoramento ou integrando grupos de investigação.
Constante inovação científica – As reuniões de cada unidade funcional, as reuniões mensais de cada internato e os congressos científicos (entre outros) em que participamos, são oportunidades de formação contínua que permitem a atualização de todos os profissionais.
Oportunidades de trabalho tanto no setor privado como público – É do conhecimento público que existe carência de Médicos de Família em algumas regiões do País e têm aberto sempre vagas em número suficiente para os especialistas que terminam o internato em todas as épocas de exame. Em relação ao setor privado, também continuam a existir algumas ofertas de emprego.
 
Escolhia novamente esta especialidade? Está a corresponder às expectativas que tinha? Quais foram as principais surpresas?
Sem dúvida alguma, pois está a corresponder às minhas expectativas.
 
Diria que é necessário mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se prosseguir esta especialidade?
Sendo MGF uma especialidade médica, penso que o estudo e a dedicação são fundamentais.
 
Tem alguma consideração importante a fazer que ainda não tenha sido abordada?
Não.

Texto redigido com a ajuda do Dr. Hugo Almeida, médico de Medicina Geral e Familiar
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