O que significa ser
médico desta especialidade? Quais são as principais frentes de ação?
Ser
Médico de Medicina Geral e Familiar (MGF) significa fazer o acompanhamento dos
utentes desde o seu nascimento até à sua morte. Significa fazer uma Medicina
personalizada, global, acessível e de cuidados de continuidade a toda a
população. A MGF cuida da pessoa em vários momentos: na prevenção, no
diagnóstico, no tratamento, na reabilitação e nos cuidados paliativos. Esta
diversidade proporciona desafios para os quais temos de estar preparados todos
os dias.
Em que momento do seu
percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?
Nos
anos clínicos da faculdade, percebi que tinha preferência por uma especialidade
médica, sendo que até ao final do curso e após contacto com a maioria das
especialidades, o leque ficou reduzido a 4 ou 5 especialidades, entre as quais
se encontrava MGF. O estágio do 6º ano em cuidados de saúde primários acentuou
ainda mais o interesse que tinha pela especialidade.
Quais as principais
razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e entusiasmava nesta
decisão?
O
facto de ser uma especialidade clínica, transversal a todas as idades e que
obriga a um grande raciocínio clínico no quotidiano, são factores que pesaram
na minha escolha. Para além disto, o facto de podermos proporcionar cuidados
personalizados a quem mais necessita, é também uma fonte de motivação.
Quais são os principais
locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário?
O
trabalho diário acontece maioritariamente na unidade de saúde (UCSP / USF) de
colocação do Médico Interno, sendo que as formações obrigatórias e opcionais
ocorrem, maioritariamente, no hospital de referência da instituição de
colocação.
Como descreveria o
ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/ enfermeiros/doentes nos
serviços por onde passa? Como é a entreajuda entre os médicos mais e menos
experientes?
A
MGF trabalha sempre em equipa, quer sejam médicos ou não e isso é essencial
para uma excelente prestação de cuidados. O ambiente entre os diversos
profissionais depende sempre do local de formação do médico interno e da
experiência pessoal de cada um, motivo pelo qual a escolha do local de formação
é muito importante em MGF. Na minha experiência pessoal, o ambiente entre os
vários profissionais e a entreajuda são muito boas.
Considera que existe
idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa? Como é a qualidade
de ensino?
Sim,
as idoneidades formativas parecem-me adequadas nas unidades de colocação, sendo
que esta idoneidade pode, por vezes, ser limitada pela capacidade formativa dos
serviços hospitalares onde decorrem as formações obrigatórias e opcionais. A
qualidade do ensino depende sempre da experiência pessoal de cada um nos seus
locais de formação, mas na minha experiência pessoal, considero que é boa.
Existe, no seu
trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro,
formação complementada noutro centro, …)?
A
autorização da realização de formações no estrangeiro está sempre dependente de
autorização superior, mas conheço colegas que realizaram estágios no
estrangeiro (por exemplo, estágio de um mês em cuidados de saúde primários em
Cabo Verde).
Como descreveria um dia
de trabalho nesta especialidade? Como caracteriza o nível de esforço e de
dedicação a que é sujeito diariamente, na sua profissão?
O
horário de trabalho costuma ser sobreponível ao do orientador de formação,
sendo que também existe tempo disponível no horário para estudo e realização de
trabalhos. A maioria é composta por atividade assistencial presencial
(consultas), mas também realizamos atividade não presencial (contactos
indiretos de utentes como, por exemplo, para renovação de medicação crónica).
Todos os internatos têm o seu grau de exigência, que penso não diferir muito
entre as especialidades.
Considera que esta
especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies? E
relativamente à vida pessoal/familiar?
Sim,
existindo uma boa organização pessoal do tempo, existe possibilidade de ter
hobbies e uma via pessoal/familiar ativa.
Relativamente à carga
horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as
restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)? Ainda nesta questão,
o que varia, ao longo dos anos de internato?
A
carga horária é adequada ao trabalho que realizamos, sendo que por vezes pode
existir a necessidade de realizar algumas horas extra (em situações pontuais como
substituição de colegas ou a realização de atendimento complementar à noite
e/ou fim de semana). Esta realização de horas extra habitualmente aumenta com a
progressão no internato.
Como interno, como
é/foi o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes?
Esta
questão depende muito do orientador de formação. Pessoalmente, no início do
internato acompanhei sempre a minha orientadora de formação na realização de
consultas e a autonomia foi sendo ganha progressivamente, com o decorrer do internato.
Quais as
subespecialidades pelas quais se poderá optar? Existe liberdade total para esta
escolha? Como acontece o processo?
Em
MGF não existem subespecialidades, embora exista a possibilidade de realizarmos
formação pós-graduada específica em determinada área que seja do nosso
interesse. Já começam a existir algumas consultas específicas (atividade
física, cessação tabágica...) em algumas unidades às quais os médicos se podem
dedicar.
Como acontecem os
momentos de avaliação? Em que período do ano? Qual o grau de dedicação e
maiores dificuldades?
Habitualmente,
as formações complementares obrigatórias têm uma avaliação escrita (por
Administração Regional de Saúde), que decorre entre o final do ano e o início
do ano seguinte. As avaliações de cada ano de internato consistem numa
avaliação escrita realizada a nível nacional (no final do 1º e 3º ano do
internato, em 2 épocas diferentes – janeiro e junho) ou, então, pode ser feita
avaliação oral (no final do 2º e 4º ano do internato, realizada a nível de cada
ACeS / ULS no início de cada ano). O exame final do internato ocorre,
habitualmente, em 2 épocas, tal como em outras especialidades, nos meses de
março e outubro. É necessária bastante dedicação e estudo para realizar as
provas referidas. A maior dificuldade neste momento é que estas metodologias de
avaliação são recentes e, por exemplo, a prova escrita de avaliação do 1º ano
foi realizada pela primeira vez em janeiro de 2020 e não existiu bibliografia
recomendada para o estudo.
Qual diria ser a maior
dificuldade que encontra nesta especialidade?
Existe
bastante trabalho burocrático (por exemplo: renovação de prescrição de
tratamentos de Medicina Física e Reabilitação, relatórios para a Segurança
Social) que não deveria ser função do Médico de Família e que retira tempo para
outras atividades.
Quais os principais
fatores positivos na sua especialidade?
A
relação médico-doente que conseguimos construir com os utentes e o facto de
lidarmos com eles ao longo de todo o seu ciclo de vida, são aspetos que fazem a
MGF diferenciar-se em relação às outras especialidades. Fazer consulta a um
recém-nascido e na consulta seguinte estarmos a acompanhar um doente diabético
ou uma grávida é um desafio que considero ser um fator positivo e desafiante
nesta especialidade.
Como descreveria a sua
especialidade em relação à possibilidade de:
Progressão
de carreira – A progressão na carreira é
igual em todas as especialidades. No entanto, MGF tem a particularidade de ter
uma organização diferente das demais especialidades - a existência de USF
modelo B, onde existem incentivos financeiros estabelecidos. Nesta tipologia
(USF modelo B), existem também incentivos financeiros para os coordenadores das
unidades e para os médicos que são orientadores de formação.
Enveredar
pela carreira investigacional –
Quem gosta da área de investigação tem a possibilidade de enveredar por ela de
duas formas: através da realização do doutoramento ou integrando grupos de
investigação.
Constante
inovação científica – As reuniões de cada
unidade funcional, as reuniões mensais de cada internato e os congressos
científicos (entre outros) em que participamos, são oportunidades de formação
contínua que permitem a atualização de todos os profissionais.
Oportunidades
de trabalho tanto no setor privado como público – É do conhecimento público que existe carência de Médicos
de Família em algumas regiões do País e têm aberto sempre vagas em número
suficiente para os especialistas que terminam o internato em todas as épocas de
exame. Em relação ao setor privado, também continuam a existir algumas ofertas
de emprego.
Escolhia novamente esta
especialidade? Está a corresponder às expectativas que tinha? Quais foram as
principais surpresas?
Sem
dúvida alguma, pois está a corresponder às minhas expectativas.
Diria que é necessário
mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se prosseguir esta
especialidade?
Sendo
MGF uma especialidade médica, penso que o estudo e a dedicação são
fundamentais.
Tem alguma consideração
importante a fazer que ainda não tenha sido abordada?
Não.
Texto redigido com a
ajuda do Dr. Hugo Almeida, médico de Medicina Geral e Familiar
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