Entrevista: Associação “The Pineapple Mind”

O rosto que abraça a entrevista é o de Diana Carvalho Pereira, de 24 anos, estudante da FMUC, que preside a Associação “The Pineapple Mind”, a qual pretende erradicar o estigma da saúde mental pela via da sensibilização ativa da população para este flagelo.
 
Enceto a entrevista, agradecendo em nome da revista a tua disponibilidade. Assim, quais as razões que te impulsionaram a criar a Associação que coordenas e qual a história por detrás do nome?
Eu é que agradeço o convite. Em 2017, tive uma depressão tão limitadora que cheguei a congelar a matrícula na faculdade, quando já estava no 4º ano. Deixei de ter prazer em tudo o que fazia, inclusivamente frequentar as aulas. A dada altura, o meu estado psicológico alterado fez-me pôr em causa a escolha do curso e decidi congelar a matrícula. Na altura da recuperação, apercebi-me de uma grande lacuna no que diz respeito a conteúdos de psicoeducação escritos em português, páginas online com testemunhos e dicas de recuperação de doenças do foro mental, tão comuns noutros países. Ao mesmo tempo, tentei psicoeducar-me, utilizando conteúdos estrangeiros.
Quando voltei ao curso e tive a cadeira de neurociências e saúde mental, juntei os ensinamentos práticos que fui adquirindo como doente aos teóricos que a cadeira me deu e decidi que podia criar um projeto online onde pudesse de alguma forma combater a tal lacuna de informação que existia em Portugal.
Entre a medicação que fiz, estava o triptofano. Este está presente em alguns alimentos, sendo que um dos frutos mais ricos nele é o ananás. Assim sendo, depois de me sentir recuperada, decidi tatuar um ananás, para me lembrar de tudo o que posso fazer para promover o meu bem-estar. Quando criei o projeto, fez sentido para mim dar-lhe o nome “mente do ananás”, uma mente sã.
 
Lançaste recentemente um eBook intitulado “A mente também dói, mas pode doer menos!”, com a contribuição de outros elementos da TPM. Sucintamente, de que trata?
O eBook contempla práticas promotoras da saúde mental, com tudo o que funcionou comigo e poderá também funcionar com quem o ler. Ou seja, não serve para tratar nada, mas sim para prevenir doenças. Não existem fórmulas mágicas universais, no que diz respeito a terapias não farmacológicas e alternativas. Cada pessoa deve experimentar várias opções e ver o que faz sentido consigo.
 
A associação da qual és fundadora leva a cabo uma petição pela contratação de mais psicólogos nos Cuidados de Saúde Primários. Quais as vossas motivações?
Luís, um estudo coordenado pela Organização Mundial de Saúde e publicado na revista “The Lancet Psychiatry” em 2016 concluiu que por cada euro gasto em saúde mental, existe um retorno de quatro euros. Urge entender que a psicologia em Portugal ainda é um luxo, uma vez que só quem tem dinheiro para pagar consultas no privado tem acesso garantido a esse serviço. Quem não tem, sujeita-se a listas de espera intermináveis no serviço público. Em 2019, existiam apenas 213 psicólogos a trabalhar nos centros de saúde. Existem mais do dobro de centros de saúde em Portugal, ou seja, não há profissionais da psicologia disponíveis em todos eles. Se esses 213 psicólogos fizerem quarenta horas semanais, cobrem pouco mais de 34 mil portugueses. E os outros? Um em cada cinco portugueses sofre de uma doença do foro mental.
Se não há falta de psicólogos formados em universidades portuguesas (há 24 mil inscritos na Ordem), há que investir na sua integração nos quadros de saúde do sistema público. É isso que ambicionamos e pretendemos com esta petição e futura iniciativa legislativa. Assim sendo, apelo a todos os estudantes para assinarem a petição, não só pelos nossos doentes, como também por todos nós, que não somos livres de um dia desenvolver uma patologia do foro mental.
 
Consideras relevante a “psicoeducação” desde os tenros anos de idade, pelos pais ou escolas?
A segunda causa de morte nos jovens é o suicídio. As estatísticas são preocupantes e a maioria das pessoas desenvolve patologias do foro mental no início da vida adulta, por dificuldades de adaptação e lacunas no desenvolvimento. É necessário psicoeducar devidamente as crianças e jovens para que não desenvolvam patologias evitáveis, fazendo-o também nas escolas, onde se fala muito do corpo humano mas pouco da mente. É necessário falar abertamente sobre emoções, sentimentos e preocupações.
 
Tendo em conta a alta incidência de burnout nos estudantes universitário, consideras que se desvaloriza esta temática ou que pecam as medidas tomadas para o seu combate?
Considero que existem universidades preocupadas com esta temática, outras nem por isso. Em Coimbra, por exemplo, sinto que muito pouco se faz. Os SASUC têm consultas de psicologia com uma lista de espera complexa. Quando congelei a matrícula, ninguém me ligou a perguntar o porquê e se precisava de apoio. Para além disso, quando os estudantes revelam absentismo ou falta de aproveitamento, ninguém indaga sobre motivos.
A Universidade do Minho, por exemplo, tem um gabinete só dedicado ao burnout. Medem os índices nos estudantes, têm campanhas de sensibilização e respostas adequadas. Acho que todas deveriam ter estas respostas. Inclusive consultas acessíveis, dado que passamos grande parte do nosso tempo nas faculdades.
 
No que concerne ao raciocínio clínico que nos leva a um diagnóstico, consideras que o recurso a Exames Complementares de Diagnóstico na Psiquiatria poderia ajudar?
Não gosto de rotular doentes com diagnósticos, gosto de estudá-los e perceber como podemos ajudar, orientados para o seu problema em específico. Nos Estados Unidos e países nórdicos, os estudos dinâmicos (que juntam o estudo da anatomia e da função, como PET/CT) já são usados há anos, na Psiquiatria. Cá em Portugal, não há dinheiro nem vontade.
 
Já relativo ao tratamento, cinge-se frequentemente à parte farmacológica, não estando nem a terapia comportamental nem a psicoterapia contempladas na terapêutica. O que pensas em relação a isto?
Na maioria dos casos estão recomendadas, só não são usadas por falta de recursos humanos no serviço público. Existem inúmeros estudos que comprovam a eficácia da terapia cognitivo-comportamental e outras psicoterapias, em alguns casos igual ou superior a psicofármacos.
 
Tendo o contexto pandémico atual incrementado os quadros de patologia psiquiátrica, acreditas que a gestão desta pandemia severa de saúde mental foi bem conduzida? E que medidas deveriam ser tomadas?
Existiram boas medidas, como a inclusão de psicólogos na linha SNS24. Mas ao mesmo tempo, é um apoio pontual, não de continuidade. E o que a maioria dos doentes precisam é de continuidade e consistência. Não adianta ter consulta no centro de saúde de dois em dois meses. É mesmo urgente contratar psicólogos e também mais psiquiatras. Quanto aos primeiros, as recomendações europeias pedem 1 por cada 5 mil habitantes. Em Portugal deveríamos ter cerca de 2000. Temos, como já referi, pouco mais de 1/10, nos Centros de Saúde. Para além disso, tem que haver um reforço das equipas comunitárias e ainda um investimento nos cuidados continuados e hospitalares.
 
Urge-me perguntar-te, como aprendeste a encontrar tempo para dar azo à “The Pineapple Mind”, enquanto tens de dar conta das obrigações inerentes ao curso? 
“Quem corre por gosto não cansa”, dizem. Tento todos os domingos organizar a minha semana, tendo em vista conciliar as aulas, estudo e tese, com o trabalho associativo e gestão de diversos projetos. Ao mesmo tempo, nunca fui de exigir exageradamente de mim, no que diz respeito a resultados. Prefiro estudar para saber a longo prazo do que estudar para mostrar a curto prazo, como costumo dizer. E por isso mesmo, ponho o meu bem-estar e qualidade de vida à frente do resto. E acho que estarmos bem psicologicamente e felizes é o primeiro passo para tudo o resto correr bem.
 
Conta-nos acerca das experiências mais mediáticas que já tiveste ao longo deste teu percurso como presidente da “The Pineapple Mind”.
No início do ano, antes da pandemia, fui duas vezes a programas de televisão da TVI e fui ainda entrevistada para o Podcast Maluco Beleza, do Rui Unas. Depois do confinamento, dei entrevistas à imprensa escrita por causa do nosso projeto de voluntariado em regime de peer support, pioneiro em Portugal. Por ocasião do dia Mundial Da Prevenção do Suicídio, dei uma entrevista à rádio Megahits sobre as nossas atividades de sensibilização em várias cidades. Entretanto no mês passado voltei a participar num programa de televisão no Porto Canal.
 
No sentido de fazer mais do que nunca frente ao nocivo confinamento das mentes em corpos confinados por imposição, quais os conselhos que deixas aos nossos leitores para cuidar da sua saúde mental?   
Os conselhos passam por não se privarem do que vos faz feliz, com os devidos cuidados. Assim, passeiem, ouçam boa música, aproveitem os momentos em família e tentem manter contacto com os amigos, mesmo que seja só virtualmente. E tentem desligar, nas horas de descanso, das notícias sensacionalistas. Se têm dificuldade em relaxar, experimentem praticar mindfulness ou técnicas de respiração. Fazer exercício é sempre positivo, pela conhecida e famosa libertação de endorfinas, que nos causam bem-estar. Manter a higiene de sono e hábitos de alimentação saudável, é igualmente importante para nos sentirmos bem.
 
Em jeito de conclusão, o que ambicionas futuramente para a Associação?
Costumo dizer que o meu grande objetivo é que a Associação um dia não tenha que existir, se todos estivessem sensibilizados para a importância da saúde mental e deixassem de contribuir para o estigma. Não sei se será possível, mas não custa idealizar. No entretanto, pretendo que a Associação cresça e continue a intervir não só na psicoeducação em rede da nossa comunidade, como também social e politicamente.
Já temos 3 psicólogas do projeto na comunidade, uma importante ajuda para dar consultas a preço social em nosso nome e em breve vamos oficializar contratos de estágio profissional com duas psicólogas juniores, que também darão consultas. Para além disso, já celebramos quatro parcerias com clínicas de psicologia que fornecem consultas mais baratas para os nossos sócios. Em termos políticos, para além da petição, vamos continuar a intervir sempre que considerarmos pertinente e necessário, sendo que já temos nova agenda política para 2021, com várias ações.
No próximo ano vamos ter ainda alguns lançamentos (mais eBooks e outras surpresas) e ainda novos projetos. Somos neste momento 34 nos órgãos sociais, mais de 80 voluntários e 30 colaboradores. Uma comunidade que começou com o meu projeto e que atualmente psicoeduca em rede, chegando a milhares de pessoas através das nossas redes sociais, site e atividades. É para mim um orgulho continuar à frente do projeto que virou Associação e a cada feedback de agradecimento e apoio fico mais motivada para continuar a fazer mais e melhor pela Saúde Mental em Portugal.
O associativismo e a gestão de projetos tornaram-se paixões e quero conciliá-los com a prática clínica, futuramente. A minha tese de mestrado também é na área da Psiquiatria e, futuramente, é nesta especialidade que me vejo a trabalhar, ainda que esteja dependente de uma PNA. Gostava também de fazer investigação, produção científica e quiçá um Doutoramento nesta área que me apaixona.
 

Entrevista conduzida por Luís Bernardo Fernandes, 4º ano

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