O que significa ser
médico desta especialidade? Quais são as principais frentes de ação?
Texto redigido com a ajuda da Dra. Muriel Ferreira, Médica Neonatologista
Ser
médico neonatologista significa ser pediatra de formação e ter-se dedicado à
Pediatria dos mais pequenitos. Implica, portanto: escolher Pediatria como
especialidade médica no Internato do Ano Comum, fazer 5 anos de formação em
Pediatria (com as valências de Neonatologia e Intensivos Neonatais) e depois do
exame final de especialidade, escolher um hospital em que se possa fazer
diferenciação em Neonatologia (subespecialidade da Pediatria).
A
Neonatologia é a área da Pediatria que trata os recém-nascidos (RN) de termo e
RN prematuros (PT).
Somos
responsáveis pelos RN de termo, saudáveis, com boa adaptação à vida
extrauterina, que ficam em alojamento conjunto com a mãe depois do nascimento.
Mas somos também responsáveis pelos RN doentes e RN prematuros que necessitam
de cuidados diferenciados, intermédios ou de intensivos, adaptados a cada
situação. Nas maternidades da zona centro, estamos presentes em todos os
partos.
Em que momento do seu
percurso académico decidiu que tinha interesse em seguir esta especialidade?
Sempre
senti interesse pela Pediatria! Cliché! Mas quero ser pediatra desde muito
cedo. O interesse pela Neonatologia surgiu já na especialidade de Pediatria,
durante os estágios de Neonatologia (2º ano de internato) e Cuidados Intensivos
Neonatais (4º ano de internato). De tal forma que, mesmo fora dos períodos de
estágios, tentei sempre que possível, manter contacto com a Neonatologia e de
forma, voluntária, continuava a fazer urgências na maternidade.
Quais as principais
razões para ter tomado esta escolha? O que mais procurava e entusiasmava nesta
decisão?
A
Neonatologia tem a parte boa do RN de termo, muito desejado, que nasce sem
qualquer patologia, com boa adaptação à vida extrauterina. Simultaneamente
somos chamados a intervir nos RN de termo com patologia com diagnóstico
pré-natal (com possibilidade de preparação e planeamento) ou diagnóstico ao nascimento
e com necessidade de intervenção e orientação. Acompanha-se também pelo desafio
da prematuridade (muitas vezes inesperada) com possibilidade de intervir e
ajudar estes pequenitos a sobreviver. Os internamentos dos prematuros são
internamentos prolongados, cheios de desafio com as várias complicações da
prematuridade, que nos trazem muita satisfação quando conseguimos ajudar.
Quais são os principais
locais/serviços onde acontece o seu trabalho diário?
A
equipa da neonatologia da minha maternidade divide o seu trabalho diário, de
forma rotativa, em dois internamentos diferentes: enfermaria de puérperas e RN
(RN termo saudáveis) e unidade de cuidados intensivos neonatais (RN doente e RN
prematuro). Tenho também um período de consulta semanal – consulta de follow-up
neurológico – onde seguimos grande prematuros (abaixo das 32S ou PN <
1500gr) e/ou RN termo ou PT com risco de lesão neurológica. Trata-se de uma
consulta de Pediatria onde incidimos principalmente nas complicações inerentes
à prematuridade e avaliação do desenvolvimento nos 2/3 primeiros anos de vida.
Existem
consultas com objetivos diferentes na maternidade. Cada um de nós dedica-se a
uma área de interesse – risco psicossocial, infeções congénitas, gémeos,
Patologia renal, …
Como descreveria o
ambiente entre médicos internos/médicos especialistas/enfermeiros/doentes nos
serviços por onde passa? Como é a entreajuda entre os médicos mais e menos
experientes?
Trata-se
de um serviço com bom ambiente e espírito de entreajuda e trabalho de equipa
entre médicos das diferentes especialidades (neonatologia, obstetrícia e
anestesia), médicos internos e enfermeiros. É um bom serviço para se trabalhar
diariamente.
Considera que existe
idoneidade na maior parte das valências pelas quais passa? Como é a qualidade
de ensino?
Fiz
tudo cá em Coimbra – Faculdade, Internato do Ano Comum e especialidade de
Pediatria. Do ponto de vista de Internato, o Hospital Pediátrico de Coimbra
permite uma formação sólida em Pediatria Geral e um contacto precoce com as
subespecialidades e patologia rara. Nos primeiros anos de internato, quase que
nos perdemos um bocadinho na patologia rara, enquanto ainda estamos a tentar
aprender as bases da Pediatria Geral. Do ponto de vista de Neonatologia,
durante o internato, as vezes sentimos que “pomos pouco a mão na massa”. Somos muito
protegidos principalmente nos prematuros, pela especificidade inerente à
reanimação nestes RN. Tudo isso fica diluído após terminar a especialidade e integrando
a equipa de Neonatologia, em que os procedimentos sempre que possíveis ficam a
nossa cargo para “ganharmos” mão. Sinto que recebi uma boa formação.
Existe, no seu
trabalho, a possibilidade de realizar estágios complementares (estrangeiro, formação
complementada noutro centro, …)?
Existe
e é aconselhado. A dificuldade as vezes prende-se com o facto de o serviço ser
pequeno e precisar muito de nós para a atividade do dia-a-dia e para a escala
de urgência. Eu fiz a formação da Neonatologia na minha maternidade, mas existe
sempre a possibilidade de fazer formação / ciclo de estudos especiais em
Neonatologia (na totalidade ou numa área em especifica) noutros hospitais.
Como descreveria um dia
de trabalho nesta especialidade? Como caracteriza o nível de esforço e de
dedicação a que é sujeito diariamente, na sua profissão?
Como
expliquei acima tenho uma manhã semanal de consulta e nos restantes dias estou
na enfermaria de puérperas e RN ou na UCIN, acompanhado os RN internados (vamos
rodando pelos dois internamentos a cada 6 meses). Sou também responsável pela
realização de ecografia transfontanelar e ecocardíaca funcional.
Tenho
um horário de 40 horas semanais, sendo que pelo menos 12h são de urgência. As
nossas urgências começam as 13h da tarde e tem sempre 2 elementos na escala (2
especialistas em neonatologia ou 1 especialista e 1 interno de Pediatria). No
horário de urgência passamos a ser responsáveis por todos os RN da maternidade:
internados na enfermaria de puérperas e RN e na UCIN e pela sala de partos.
A
especialidade de Neonatologia caracteriza-se por alguma imprevisibilidade. A
maioria dos partos prematuros são inesperados e nos dias em que nascem
prematuros ou RN doentes, podemos passar várias horas seguidas de volta deles
(entre entubações, cateterismo, e outros procedimentos mais ou menos invasivos).
Considera que esta
especialidade é capaz de dar uma boa abertura para a existência de hobbies? E
relativamente à vida pessoal/familiar?
A
equipa da maternidade onde trabalho é uma equipa com poucos elementos e
envelhecida, o que traz vários turnos de urgência… A nível nacional, é o que
acontece em muitas maternidades do país – poucos neonatologistas e pouca
renovação da equipa. Mas é o que acontece também noutras especialidades médicas
e cirúrgicas neste momento.
Até
a data, julgo que dá para conciliar com hobbies e a vida pessoal e familiar!
Mas é uma especialidade que tem urgências de noite e ao fim-de-semana, ao
contrário de outras!
Relativamente à carga
horária, como considera ser a sua carga de trabalho e como descreve as
restantes obrigações (horas de trabalho extra, bancos, …)? Ainda nesta questão,
o que varia, ao longo dos anos de internato?
Já
não sou interna e as minhas respostas referem-se ao período de neonatologia, ou
seja, já no pós- internato. Pelo que expliquei acima, trata-se de um serviço
pequeno logo bancos de urgência extras. E claro que na fase de formação de
Neonatologia, dediquei muitas horas ao serviço. Tinha de tentar aproveitar quando
nasciam prematuros e patologias raras para treinar técnicas. Estes casos nem
sempre nascem quando estamos no serviço e por isso, às vezes, é preciso estar
disponível e ficar de chamada e vir de casa até ganhar treino!
Como interno, como
é/foi o seu grau de independência nas técnicas e abordagem para com os doentes?
A
Neonatologia é uma área muito específica principalmente quando se trata de um
prematuro de 24 ou 25 semanas. Quando perceberam o meu interesse mesmo durante
o internato, deixaram-me “por a mão na massa”, mas nos maiores. Temos sempre
“as costas quentes” e ainda bem quando se trata de meninos tão pequeninos.
Durante
o internato, temos de ser treinados enquanto pediatras, a receber RN de termo
que precisam de reanimação na sala de partos, orientar as principais patologias
do RN e orientar RN PT >32S, estes sim que podem nascer em qualquer
hospital (os PT <32S só nascerão em maternidades de apoio perinatal diferenciado).
Nestas situações, sinto que recebi uma formação adequada durante o internato. O
treino nos prematuros mais pequenos adquiri já enquanto especialista quando me
dediquei à área da Neonatologia.
Quais as
subespecialidades pelas quais se poderá optar? Existe liberdade total para esta
escolha? Como acontece o processo?
A
Neonatologia é já uma subespecialidade da Pediatria. A liberdade não é total.
Temos de ser colocados num hospital em que exista interesse na nossa
diferenciação nesta área e depois da autorização, concorrer a concursos
nacionais para ciclo de estudos especiais.
Como acontecem os
momentos de avaliação? Em que período do ano? Qual o grau de dedicação e
maiores dificuldades?
A
subespecialidade de Neonatologia pode ser adquirida por ciclo de estudos
especiais ou solicitada equivalência após 2 anos de treino num serviço com
apoio perinatal diferenciado depois de entregar CV que será avaliado por um
grupo de peritos.
Qual diria ser a maior
dificuldade que encontra nesta especialidade?
A
abordagem da grande prematuridade e do limite da viabilidade é um dos maiores
desafios. É o que nos dá também maior gozo no nosso dia-a-dia, principalmente
quando corre tudo pelo melhor, mas é a parte sem dúvida mais difícil e
desafiante.
Quais os principais
fatores positivos na sua especialidade?
O
que conseguimos fazer com os avanços da neonatologia…manter e suportar RN
prematuros de 24/25 semanas, cada vez com menos sequelas, é sem dúvida um dos
aspectos mais importantes e positivos da nossa especialidade!
Como descreveria a sua
especialidade em relação à possibilidade de:
Progressão
de carreira – A carreira médica está
“paradinha” em qualquer especialidade neste momento…
Enveredar
pela carreira investigacional – A
investigação em Portugal é com muito boa vontade de todos nós e nos
grandes centros, mas não diria que impossível.
Oportunidades
de trabalho tanto no setor privado como público – Como neonatologista pode trabalhar no sector público
e privado (Lisboa e Porto têm maternidades privadas com unidades de cuidados
intensivos que recebem prematuros pelo menos a partir das 32-34S). Pode
também fazer consulta de pediatria na privada (somos pediatras na nossa
formação de base).
Escolhia novamente esta
especialidade? Está a corresponder às expectativas que tinha? Quais foram as
principais surpresas?
Escolheria
outra vez por todos os motivos acima apresentados. É um desafio diário, mas
muito compensador. Quem gosta de técnica, intensivos, de “por a mão na massa” e
pequenitos, gosta de neonatologia!
Diria que é necessário
mais talento/arte ou, por outro lado, estudo/dedicação para se prosseguir esta
especialidade?
É
preciso gostar de adrenalina. As algoritmos de reanimação e as técnicas
treinam-se!
Tem alguma consideração
importante a fazer que ainda não tenha sido abordada?
Não se esqueçam que a
Neonatologia é uma subespecialidade da Pediatria. Primeiro é preciso ser Pediatra!
Texto redigido com a ajuda da Dra. Muriel Ferreira, Médica Neonatologista