De regresso a um novo ano letivo, abrimos
as portas a uma nova edição da aNEMia, a revista que os estudantes de Medicina
da FMUC constroem, estruturam, criam e na qual investem o seu tempo, a sua
dedicação, a imaginação que os deixa fluir para além de todos os conceitos
permanentemente estudados e avaliados, assim como um completo rigor científico
associado a todo o trabalho de pesquisa e investigação. A aNEMia é vivida muito
para além do papel que os nossos colegas folheiam, é vivida diariamente e é,
sobretudo, debatida seriamente. Conservando este conceito, a revista deu um
passo importantíssimo nesta transição que a fez ascender a Departamento do
NEM/AAC, transição acompanhada por um desafiante lançamento da 55ª edição a 11
de setembro de 2019, a par de um debate que questionou todos os presentes
acerca de uma temática que se traduz numa cada vez maior preocupação: a
existência de médicos indiferenciados.
Deparámo-nos com esta condição que nos
circunscreve e não sabemos, nem podemos saber, ficar indiferentes; não nos
preocupamos diretamente com o número avassalador e crescente de indiferenciados
que existem, mas ficamos realmente assustados com a possibilidade de nós virmos
a ser um deles, mais um deles. Porque os indiferenciados são os nossos colegas,
os colegas que estudaram arduamente durante 6 anos para alcançarem um estatuto
que os encosta na margem e os impede de prosseguir na especialidade, de
continuar a sonhar e de exercer a profissão pela qual percorreram o longo
caminho inacabado, interrompido, obstruído por um país que parou, um Portugal
conformado e estagnado.
A colaboradora da Redação e autora do
artigo que gerou toda a atividade, Sara Meirinhos, introduziu o tema como
“um dos maiores flagelos da formação médica” e de seguida o moderador da mesa,
Dr. João Nunes, Interno de Formação Geral no CHUC, deu início ao debate
questionando os convidados sobre quais consideravam ser os fatores que
deram origem a esta problemática. Perante uma plateia completamente preenchida,
um dos cinco oradores presentes, Vasco Mendes, Presidente da ANEM,
responde que, desde 1995, o curso de Medicina tem aumentado o número de vagas,
desprovido de um plano formativo e não acompanhado por perspetivas a longo
prazo. Na mesma linha, o Prof. Dr. Carlos Robalo Cordeiro, atual Diretor da
FMUC, comenta que “Portugal gosta de dar grandes passos sem fazer a devida
estruturação”, apoiado pelo reforçado “mau planeamento” referido pelo Dr.
Fausto Pinto, Presidente do Conselho das Escolas Médicas Portuguesas. Um desses
casos é a alteração da prova final de acesso à especialização que necessita de
várias adaptações subsequentes, nomeadamente dos currículos para a prova. Para
além destes fatores, também o componente político deve ser tido em conta como
afirma o Dr. João Cardoso, Interno de Cirurgia Cardiotorácica no CHUC, uma vez
que dizer “aumentamos o número de estudantes de medicina” fica bem
politicamente. O Dr. Luís Trindade, Presidente do Internato Médico do CHUC,
conclui que o número de estudantes depende da formação e esta última da
qualidade, logo, devemos refletir sobre a qualidade que pretendemos para este
curso com uma média de 30 anos de serviço.
Sendo cada vez mais evidente a existência
dos médicos sem especialidade, é colocada uma nova questão que se centraliza no
papel destes médicos no SNS, perante a qual são mencionadas tarefas múltiplas
asseguradas por uma mão-de-obra barata. “À partida, quem faz medicina é médico,
mas que modelo queremos?”, é a pergunta lançada pelo Dr. Fausto Pinto,
uma vez que devemos perceber se pretendemos investir numa diferenciação correta
com a devida monitorização ou prolongar esta situação, mantendo alguns de parte
para outras funções. Apelando a todos nós, o presidente do CEMP afirma
que existe uma grande inércia e, portanto, temos de ser criativos nas soluções
e propostas. Na verdade, segundo Vasco Mendes, os indiferenciados
representam um encargo mais significativo na gestão hospitalar relativamente
aos outros profissionais de saúde, dadas as contratações através de empresas
(geridas por Médicos Especialistas…) sobretudo num país com elevada
recorrência ao Serviço de Urgência. Grande parte da frente de ataque das
urgências é, neste momento, assegurada por indiferenciados para satisfazerem as
necessidades que deveriam ser confiadas a outros.
Com o avançar da noite, tornou-se notável a necessidade de nos fazermos uma voz cada vez mais firme e
audível, de transmitirmos a vontade de nos diferenciarmos e de transformarmos
este conformismo sobre o qual os políticos dormem tranquilamente. Quando
questionado sobre o papel ativo de um estudante na resolução desta
problemática, o Dr. Luís Trindade estimulou a proatividade dos presentes e
acrescentou que não devemos deixar fragilizar a nossa estrutura, fazendo notar
que a ausência de uma Comissão de Internos, quando existem cerca de mil, é uma
falha a colmatar. O Dr. João Cardoso declara que é efetivamente vantajoso estar
envolvido em associações que nos representam, no entanto, não nos devemos
esconder atrás das grandes estruturas, devendo investir na voz conjunta que
ecoa no nosso futuro, espelhada na força que nos impele a viver o sonho pelo
qual abdicamos de estar noutro lugar a pensar noutra perspetiva qualquer.
Queremos mais e temos o direito de concluir qualitativamente o curso pelo qual
conquistámos, um dia, a nossa vaga, o nosso “sim”. Ser indiferenciado não é, de
todo, o objetivo pelo qual fomos admitidos em Medicina.
Para terminar, procurou-se responder à
questão “Partindo do princípio de que não queremos médicos
indiferenciados no país, quais as medidas a ser tomadas nos próximos tempos?”,
concluindo-se que é imprescindível uma maior comunicação entre os órgãos
responsáveis e uma passagem definitiva da teoria para a prática. Para além
disso, considerou-se problemático o facto de a Ordem dos Médicos não possuir um
gabinete dedicado ao ensino pré-graduado, pois a existir promover-se-ia uma
conversa e, consequentemente, a resolução de vários problemas.
Encerrado o debate, a noite avançou com
uma nota sobre a Conferência Médica “Call Me”, a realizar-se nos dias 25, 26 e
27 de outubro, onde este também será um tema de destaque. Depois dos
agradecimentos e breves palavras de encorajamento do Dr. Robalo Cordeiro, o
evento terminou com um coffee break preparado pelos colaboradores do
departamento, dando asas a mais um tempo de convívio e discussão pessoal. A revista, na sua totalidade, expôs-se aos mais diversos olhares, foi
tocada e explorada, foi levada e finalmente lançada.
Agora que expusemos esta indiferenciação à
qual estamos sujeitos, não nos deixaremos acomodar; apostaremos na continuidade
e na insistência de uma história alarmante vivida atualmente por médicos que
não queremos que seja a nossa.
Inês Teixeira, 3º ano
Maria Gomes, 3º ano
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