Aqui,
agora. Final do dia. Fugaz novembro, terceiro dia da semana.
Eles
estão sentados, despertos. Ouvem-se vozes abafadas pela luz incandescente. Não
há brisa nem dia, mas um pedaço de noite fria lá corre pela janela. Esgota-se
nas palavras.
Fechados
numa sala, escutávamos o silêncio dos objetos. Não éramos muitos. Perdidas já,
havia mesas, cadeiras e um quadro em branco que parecia preencher uma divisão
quase vazia. Ou quase cheia.
À
minha frente, uma rapariga sorridente e atenta, fixava um ponto no horizonte que
me trespassava. Cabelo cor de mel, com um gancho em forma de borboleta dourada
como que a querer levantar voo e ser livre.
Sinto-me
pequena. Inerte, como se os meus pés estivessem suspensos no ar. Impera a
presença de olhares sobre mim, como um bisturi que me lacera. Olhares que não
foram convidados.
A
pessoa que está à minha frente só pode ver o que não posso esconder, e isso
incomoda. Mas também já não importa. Já só vejo chamas e sufoco, tudo à minha volta
entra em combustão. Imagino as cinzas do que virá depois. Depois de me ir. Daqui,
de mim. De todos. Tenho fósforos no bolso e quase que queimam.
E
vou voar, como um corpo que flutua na água.
A
médica olhava a doente de forma minuciosa e apenas a mesa as separava. Sabia
que a sua decisão ia definir tudo dali para a frente. Parecia bem, estável. O último
surto psicótico já quase havia sido esquecido. Aparentemente serena, a doente mexia
na borboleta dourada que adornava o seu cabelo, tentava esconder as suas intenções.
Mal podia esperar por ser livre, deixar os comprimidos, as conversas dissimuladas.
Iria cometer a sua última (in)sanidade. Como (in)sana que era.
Como
se o mundo fosse ressurgir.
Ana Sousa, 2º ano
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